O bicho papão da publicidade

  • Nuno Presa Cardoso
  • 18 Outubro 2023

Hoje há muitas agências que se recusam a participar em concursos. Compreendo algumas razões e num mercado que não paga fees de rejeição é uma posição mais do que legítima.

Estávamos nos primeiros anos do início do século. O bug do ano 2000 não tinha acabado com o mundo e a agência onde eu mais trabalhei na vida viu o seu melhor cliente colocar a conta a concurso. Apesar dos excelentes anúncios que sempre fazíamos, estava na altura de consultar o mercado, justificaram.

A marca BES já não existe, mas durante muitos anos foi uma referência na comunicação publicitária bancária. Os anúncios marcaram uma época, tal como a queda do banco viria a marcar e a magoar o país. Era um cliente tão relevante que foi formada uma task force (na altura devia chamar-se apenas equipa) onde estavam alguns dos melhores criativos portugueses. O desafio era grande e a exigência ainda maior.

A agência tinha tudo para perder. Diz a estatística que apenas 20% das vezes a agência incumbente mantém o cliente. Havia vontade de mudar e, por isso, tínhamos de fazer muito melhor trabalho do que os outros concorrentes. Ser melhor não era suficiente. Era preciso ser fenomenal.

O concurso durou uns penosos três meses (parece muito tempo não parece?). Mas era apenas o tempo suficiente para pensar estrategicamente a marca e encontrar caminhos criativos eficazes e originais. Perdoem-me o pleonasmo. Depois do briefing chegar ao departamento criativo, trabalhámos oito fins de semana consecutivos. Oito. 8. Sempre à procura do melhor insight, da melhor ideia, da melhor forma de reposicionar o banco.

Foi uma tortura. Lembro-me de sentir o meu cérebro de tal maneira espremido que, se desse um tiro na cabeça, nem sangue sairia. Mas nunca pensei nisso. Foi extenuante e exagerado. Foi. Mas também foi uma experiência que me tornou melhor criativo.

Hoje seria impossível acontecer alguma coisa parecida. Nenhum criativo, estratega ou account está disponível para dar todo esse tempo a uma agência. A uma marca.

Mas não são só as pessoas. Hoje há muitas agências que se recusam a participar em concursos. Compreendo algumas razões e num mercado que não paga fees de rejeição é uma posição mais do que legítima. Mas na Nossa gostamos de concursos. Gostamos de competir por marcas e clientes interessantes.

Os concursos são momentos de grande importância na indústria da comunicação. É num pitch (agora mudei para o nome inglês) que somos desafiados a condensar a nossa visão, estratégia e criatividade num período limitado de tempo. Muitos podem pensar que são apenas apresentações de ideias incríveis, mas encaramo-los como oportunidades extraordinárias de demonstrar o nosso valor e entusiasmo aos potenciais novos clientes.

O pitch é uma montra do nosso talento. Permite-nos mostrar o que a agência é capaz de fazer, apresentando ideias frescas e originais, que captam a essência de uma marca ou de um produto. Pensar estrategicamente num determinado setor identificando e sabendo posicionar a marca em questão.

Além disso, o pitch é uma excelente oportunidade para nos desafiarmos. Ao trabalharmos num pitch, somos forçados num determinado espaço de tempo a aprofundar a nossa pesquisa, perceber o mercado, as motivações das pessoas, conhecer a concorrência e, mais importante, compreender profundamente as necessidades do cliente. Aprendemos a ler as pessoas. O que valorizam e o que sentem. O que as move. Isso torna-nos mais conscientes e mais preparados para enfrentar os desafios que o mercado publicitário nos apresenta.

Os new business (mudei de nome outra vez) também têm o poder de unir equipas. E esta é para mim a vantagem mais relevante. Quando nos dedicamos a um new business, toda a agência se envolve, contribuindo com as suas capacidades e experiências únicas. Isto cria uma cultura de colaboração e criatividade, que beneficia, não apenas o new business em questão, mas também todos os projetos seguintes.

E, por último, e não menos importante, os concursos são a porta de entrada para novos negócios. Ao conquistar um cliente através de um concurso bem-sucedido, abrimos as portas para oportunidades futuras de trabalho. Cada novo cliente é uma possibilidade de expandir a nossa reputação e construir relacionamentos duradouros.

Felizmente temos muitas relações duradouras que começaram exatamente num new business. Como agência portuguesa que somos, não temos alinhamentos internacionais, não beneficiamos dos esforços de outros e as marcas não nos caem no colo. Só com new business conseguimos crescer e felizmente é o que tem acontecido.

A tentação de fugir à frustração e desperdício que os concursos proporcionam é grande, mas pessoalmente nunca viro a cara a um bom pitch. Claro que fazemos filtros: quatro agências são mais do que suficientes para que um concurso seja competitivo (devem é ser bem escolhidas numa long list), nem tudo deve ser alvo de um concurso, e principalmente o briefing e os critérios de avaliação devem ser claros para todos.

Quando aceitamos participar é sempre com grande entusiasmo e dedicação. Ganhamos muitas vezes mas também perdemos algumas. Mas são sempre oportunidades únicas de mostrar ao mundo o que somos capazes de fazer. Tal como uma campanha publicitária bem executada, um pitch de sucesso pode fazer toda a diferença na nossa carreira e no sucesso da agência onde estamos.

Voltando ao princípio, sim, mantivemos a conta do BES e ainda hoje, e já com outro nome, se mantêm na agência onde tanto pensei.

  • Nuno Presa Cardoso
  • Partner e chief creative officer da Nossa

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