“O nosso modelo de negócio é digital first. Não há volta a dar”, diz o diretor-geral da A Bola
Felipe Montesinos Gomes é o novo diretor-geral d'A Bola, comprada pelos suíços Ringier em julho. Após a restruturação, que passou pelo despedimento de 100 trabalhadores, os planos para o futuro.
Comprada pelo Ringier Sports Media Group AG em julho, nos últimos meses A Bola tem sido notícia pelo despedimento de 100 trabalhadores, num universo de 150. A restruturação, em termos de recursos humanos, é acompanhada pela mudança de prioridades, posicionamento e modelo de negócio.
“Relativamente ao perfil das pessoas, tem a ver com o modelo de negócio. O nosso modelo de negócio é digital first, não há volta a dar. A Bola estava muito focada numa estrutura para produção de papel, para produção do jornal físico. Foram feitas várias avaliações, foram, no fundo, ajustados aos modelos que permitissem a sustentabilidade do negócio, como nós o vemos, a quatro, cinco e 10 anos”, diz Felipe Montesinos Gomes, desde julho diretor-geral da empresa. “Atualmente temos a equipa certa para aquilo que acreditamos que é o futuro d’A Bola“, acrescenta.
A “equipa certa” inclui a contratação de diversos reforços, inclusive novo diretor editorial e comercial, como explica nesta primeira entrevista após assumir funções e na qual traça os planos para os diferentes suportes: papel, televisão e digital.
“Este também é um projeto de investimento. Vamos crescer e vamos investir neste projeto daqui para a frente“, garante.
O investimento passa por encontrar uma nova vida para o jornal em papel – que vende neste momento, de acordo com os dados que partilha Felipe Montesinos Gomes, cerca de 12/13 mil exemplares – e tem margem para crescer no curto prazo, um novo posicionamento para a Bola TV, que terá “uma programação 100% de mindset digital” e, sobretudo e assumidamente, por apostar no reforço de todo o ecossistema digital.
A aposta comercial vai passar pela área de branded content. “Não chega a venda do jornal em papel, como vimos, não é suficiente. Não chega as audiências que temos na televisão e as parcerias que temos com a Meo e com a Vodafone. E não chega só o programático ou as receitas que vem de programático, do consumo orgânico, daquilo que são as plataformas digitais”, começa por enquadrar. “Nós temos que ter um briefing que perceba o propósito da marca, os objetivos da marca, o conceito da marca. E a partir daí vamos apresentar as propostas de valor de branded content. E é isso que o anunciante quer. Quer quase taylor made de campanha de comunicação feita para os seus objetivos”, acredita o até maio diretor de patrocínios e ativações da Nos.
Nesta nova fase, que passará também pela mudança de instalações, para as Torres de Lisboa, garante que “A Bola é o jornal do Benfica, é o jornal do Porto, é o jornal do Sporting, é o jornal do Braga, do basquetebol, das várias modalidades”.
Pode ver a entrevista completa, nomeadamente a estratégia para A Bola TV, aqui:
Passaram cinco meses desde que assumiu a direção-geral de A Bola. Pouco depois foi anunciada uma reestruturação na qual vão sair – os números nunca foram oficializados – 100 pessoas de um universo de 150, ou seja, dois terços da empresa. Este processo está concluído?
Estes processos nunca estão concluídos. Estamos a criar uma A Bola com uma equipa coesa, com as pessoas certas, nos sítios certos. Existem casos que estão a ser tratados à parte do acordo geral que conseguimos com a maior parte das pessoas.
Avançaram para o despedimento coletivo.
Legalmente tivemos que o fazer, porque acima de cinco despedimentos automaticamente tem que se assinar um despedimento coletivo. No entanto, os casos que estamos ainda a resolver, estamos em conversações e queremos chegar a um entendimento entre todas as partes, como chegámos com mais de 90% das pessoas. Essa foi claramente uma das nossas principais preocupações durante este processo todo.
Foram 100 pessoas que saíram?
Sensivelmente 100 pessoas, sim. No entanto, é preciso não esquecer que, acima de tudo, está a sustentabilidade de A Bola, esse foi o nosso principal também objetivo. Tratamos as pessoas com o maior respeito – e daí também nunca termos feito grandes comunicações públicas sobre o que estava a acontecer – e foi compreendido por grande parte da equipa. Por outro lado, este também é um projeto de investimento. Vamos crescer e nós vamos investir neste projeto daqui para a frente.
Em relação às pessoas, houve cinco providências cautelares até ao momento, duas às quais o tribunal já deu razão.
O tribunal não deu razão ainda. Neste momento continua o processo nos tribunais e trataremos nos tribunais esse processo. Até agora a providência cautelar foi aceite.
Quantos casos estão a ser tratados por via judicial?
Por preservarmos os casos que estão neste momento a ser discutidos não divulgamos esse número. Fica para discussão no tribunal.
O nosso modelo de negócio é digital first, não há volta a dar. A Bola estava muito focada numa estrutura para produção de papel, para produção do jornal físico.
Como é que chegaram a estas 100 pessoas? Como é que escolheram estas e não outras?
Acho importante recuar um bocadinho. Porque é que a Ringier decidiu adquirir A Bola? Primeiro, porque A Bola é uma grande marca desportiva, é a marca com maior notoriedade em Portugal nos media desportivos. Fizemos vários estudos, inclusivamente para perceber versus o momento da aquisição e pós-aquisição, qual era a perceção do mercado, e não há dúvidas nenhumas que A Bola é marca desportiva com maior reputação.
Relativamente ao perfil das pessoas, tem a ver com o modelo de negócio. O nosso modelo de negócio é digital first, não há volta a dar. A Bola estava muito focada numa estrutura para produção de papel, para produção do jornal físico. Foram feitas várias avaliações, foram, no fundo, ajustados aos modelos de negócio que permitissem a sustentabilidade do negócio, como nós o vemos, a quatro, cinco e 10 anos, inclusivamente.
Desde o momento em que chegaram até ao momento em que foi anunciado o processo de rescisões, conseguiram avaliar as pessoas individualmente? Ter a noção exata de quem é que fazia o quê, quem é que se podia ou não adaptar ao novo perfil, à nova A Bola?
O know how do grupo da Ringier já nos traz essa experiência sobre quais as pessoas e o tipo de perfil que queremos. Atualmente temos a equipa certa para aquilo que acreditamos que é o futuro de A Bola. E, por outro lado, acho que é importante perceber que um mercado que está muito estagnado, que não tem dinâmica de rotação e de movimentação, é um mercado que não evolui. Um grande número das pessoas que saíram já estão a fazer outras coisas dentro do setor. Portanto, por um lado, encontrámos soluções que foram boas para ambas as partes.
As pessoas já estão a trabalhar noutros projetos, inclusivamente, e nós temos é que olhar para o futuro e para 2024 com a equipa certa, que consideramos que estará em constante mutação. É algo que é normal e que tem que acontecer. Costumo dizer, até nas minhas anteriores funções, que fico feliz de ver as pessoas das minhas equipas saírem para outros projetos. Significa que estavam a fazer um excelente trabalho aqui e foram valorizadas pelo mercado, e portanto, se saírem e eu não as conseguir reter, vou ter um problema e vou ter que as substituir. Agora se saírem para algo melhor, então fico bastante contente e estimulamos também essa competitividade e entrega. Olhamos para a nossa equipa tal como uma equipa de futebol ou de basquetebol: os treinadores mudam, os jogadores mudam, as equipas têm que continuar a ser competitivas e é isso que nós queremos. Queremos uma A Bola competitiva, de qualidade, com pessoas que tenham o mesmo mindset que nós temos, de agilidade e de bom jornalismo, e isso queremos manter.
Quantos jornalistas saíram?
Vou dar uma noção de percentagem que é mais fácil, retivemos 70% dos jornalistas na A Bola. E a transformação que houve não foi só de jornalistas. A transformação foi de todos os serviços, desde A Bola TV, a serviços administrativos, a serviços editoriais. É uma revisão grande, para um modelo de negócio de uma marca e de uma empresa que nós acreditamos muito que tem futuro.
Quem é o diretor da A Bola? Na ficha técnica continua João Bonzinho.
Estamos num processo de transição. Contratámos o Luís Pedro Ferreira, do Maisfutebol, para diretor do jornal, o Luís está a trabalhar com o João Bonzinho todos os dias. O João Bonzinho vai continuar connosco, com outras funções. O João, que eu não conhecia pessoalmente, e das oportunidades que tive de falar com ele, é uma pessoa com uma cabeça muito à frente de visão de futuro e de transformação do próprio negócio do jornalismo e, portanto, vai continuar a ser o nosso bastião de jornalismo dentro de A Bola.
O Luís Pedro Ferreira tem uma experiência muito digital, tem um perfil mais adequado aos desafios que são hoje em dia a media e a forma de comunicar transversalmente em vários tipos de meios. Para além do Luís, contratámos o Alexandre Pereira, que veio da Federação Portuguesa de Futebol, a Catarina Pereira que veio da CNN, a Maria Ribeiro e Castro que também veio da Media Capital, na área de social media, para transformar também toda a área de social media de A Bola. São pessoas que trazem uma nova visão, uma agilidade diferente, mas a qualidade, o legacy que A Bola tem de 79 anos de história, está no João Bonzinho, está no Vítor Serpa, que continua connosco, está no José Manuel.
Vítor Serpa continua convosco?
Continua connosco e inclusivamente é dos jornalistas que continua com uma paixão enorme a fazer jornalismo de jogo, de reportagem de jogos, seja do Benfica, seja do Porto, do Sporting, sempre com um conhecimento enorme. E, inclusivamente, como inspiração para os mais novos que estão a entrar na A Bola. Essa mistura é super importante.
Estão a entrar também pessoas mais novas, não é?
Trainees. Temos a primeira turma de sempre de trainees de A Bola. São cerca de 17 jovens jornalistas, videógrafos, designers, que entraram para A Bola com alguma experiência no mercado, mas com uma grande ilusão de trabalhar na A Bola. Todos eles dizem que sonhariam um dia trabalhar na A Bola e têm essa oportunidade. Os mais velhos e com mais experiência também têm o papel de ser coach destes jovens jornalistas, e não só, que estão na A Bola.
Quando compraram A Bola o jornal, era o ‘porta-aviões’, como costumavam dizer, e tinham um site e A Bola TV. Como é que projetam a marca? O papel vai continuar?
Vai, vai continuar. E tem um papel muito importante na nossa estratégia. Existe depois a estratégia de vídeo, a de digital e de site, e temos a estratégia de print para implementar. Mas é só uma A Bola. Aliás, atualmente temos no YouTube um canal da Bola TV e um canal do A Bola e vai passar a existir apenas um canal da A Bola.
Mas, respondendo à questão sobre o papel, o que sabemos do mercado é que há um declínio nos últimos dez anos de todo o mercado do papel, que está a decrescer sensivelmente aos 10% por ano. Portanto, é natural, a decrescer a 10%, que um dia deixe de existir. No entanto, no momento em que A Bola está – e não olhando para os nossos concorrentes nem para as outras publicações – acreditamos que há margem para crescermos dentro do mercado em que estamos.
Quanto é que A Bola vendia quando vocês chegaram e quanto é que vende agora?
A questão das vendas não pode ser vista assim, porque depende de imensos fatores. Depende do fator distribuição, da produção, depende do fator de criação do conteúdo e do momento do conteúdo que se está a comunicar. Eu hoje até posso vender 15 mil ou 16 mil jornais e amanhã vender sete mil, oito mil, porque o conteúdo não é interessante para o leitor.
As pessoas já não têm o hábito de comprar A Bola como no tempo do meu pai, que ia comprar os jornais e comprava quer A Bola, o Record, o Público o DN. Hoje em dia as pessoas compram porque têm interesse em ler um terminado artigo, em perceber o que é que aconteceu no Sporting x Porto, as vendas vão ser muito variáveis.
Mas, respondendo à questão, temos uma média de produção de sensivelmente cerca de 20 mil/22 mil jornais, que imprimimos e estamos a falar de uma média de 12 mil/13 mil jornais vendidos por dia, o que nos dá aqui vários insights importantes para o papel.
E antes do verão? Não houve variação?
Não há variações de vendas, porque a distribuição é uma distribuição única e essa distribuição única entrega todas as publicações do mercado. São cerca de seis mil pontos de venda, que todos os dias recebem no mínimo três, quatro, cinco jornais para poderem vender. Estamos a fazer um trabalho muito grande com a Vasp, sensivelmente um mês, um mês e pouco. Antes de vir da Nos, estava no setor de distribuição de cervejas, na Central de Cervejas, e o forecasting de venda de cerveja era feito diariamente, semanalmente e depois mensalmente.
Estamos a começar a implementar essa estratégia na distribuição do A Bola, porque há oportunidades em determinados sítios que vemos que A Bola esgota e que se calhar se passarmos a vir a ter dez jornais, se calhar vamos vender mais.
Mas a Vasp não faz esse trabalho?
Faz, com base num modelo preditivo de vendas que nós achamos que podemos optimizar.
Perguntava a variação e insisti no número de exemplares porque A Bola não está na APCT (Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação), pelo que não há números oficiais.
Dentro da nossa estratégia, aquilo que pudermos transmitir de uma forma transparente, transmitimos. Publicamos sempre o número de exemplares que produzimos. As vendas variam imenso. A primeira reação que eu tive de várias pessoas é que se o Benfica está bem, A Bola vende mais. O Sporting está bem e A Bola continua a vender, mesmo quando o Benfica também está bem. Portanto, é um sinal que as pessoas olham para A Bola já de uma forma mais democrática em termos clubístico. No entanto, sabemos quem é que é o nosso leitor e sabemos quem são as pessoas que leem a bola. Fizemos um estudo enorme.
Quem é o vosso leitor?
Maioritariamente homem, essencialmente 80%. Cerca de 60% do nosso leitor tem afinidade com o Benfica, desde aqueles mais adeptos emocionais aos adeptos menos relacionados com o clube, mas que se interessam. Depois temos uma divisão entre Sporting e Porto bastante equilibrada, com o Sporting em crescimento nos últimos últimos meses, e o próprio adepto do Porto a começar a olhar para A Bola de forma diferente.
Isto no papel, mas depois temos outro tipo de consumidor, que é o consumidor de redes sociais, do nosso produto digital, e aí, para cada rede social existem perfis diferentes.
Vou dar um exemplo muito interessante. Quando entrei em junho, pouco tempo depois, tivemos o Campeonato do Mundo de Futebol Feminino e lançámos o Tik Tok sem qualquer expectativa, numa lógica de experimentação. Como venho de marcas, este universo das redes sociais é claramente uma porta de contacto, desde que se defina bem o propósito, a forma e quem é que queremos captar, para depois trazer para o universo da A Bola, do site, papel, televisão ou do vídeo.
Queremos olhar para A Bola, e para o meio desportivo, com um foco de inovação, de experimentação, de tentar fazer o que ainda não foi feito. E é aí que está a nossa estratégia e também a nossa, se calhar, ingenuidade nesta altura.
Lançámos o Tik Tok e neste momento temos cerca de 70/80 mil seguidores no Tik Tok e o público é 60% masculino, 40% feminino, jovem. E isso é bastante interessante, porque temos ali um potencial de crescimento grande para trazer para o universo da A Bola, para que os 80%/20% que neste momento existem no papel – no site, já estamos a falar de 70/30 – se calhar vai crescer muito mais o interesse. Mas temos que ter conteúdos para o nosso leitor feminino poder consumir A Bola.
Aquilo que posso garantir é que vamos transformar a estratégia do papel, vamos querer ser mais relevantes, vamos querer ter um produto diferenciador versus aquilo que oferecemos no digital, para poder pelo menos atrair outro tipo de leitor.
Qual é a estratégia para o papel?
É essencialmente em cima de conteúdo. Percebemos qual é o conteúdo de o leitor para um jornal em papel e para o digital. No digital as notícias começam quando acordamos e estão sempre a acontecer. A notícia do jornal em papel não pode ser a notícia que já foi, tem que ter mais profundidade, mais qualidade de leitura, mais investigação jornalística. Claro que vai ter o resultado do jogo do dia anterior e a análise e tudo o mais, mas é preciso ter um produto que seja interessante para as pessoas lerem.
Estamos a olhar, com uma equipa internacional inclusivamente, para qual vai ser o futuro da A Bola em papel. Não temos ainda o caminho definido, vamos experimentar vários formatos, várias formas de fazer o jornal. O mercado é pequeno. Vender 15 mil jornais numa população de 10 milhões de habitantes, ou de oito milhões de potenciais leitores, não é nada. Se eu vender mais 1000, mais 1500, vai fazer diferença no negócio, sim, mas não deve ser muito difícil. Temos que perceber como é que vamos conseguir captar mais 500, mil, ou 1500 leitores para o jornal. Queremos olhar para A Bola, e para o meio desportivo, com um foco de inovação, de experimentação, de tentar fazer o que ainda não foi feito. E é aí que está a nossa estratégia e também a nossa, se calhar, ingenuidade nesta altura.
Fazer o que ainda não foi feito?
Dou o exemplo da vitória de Portugal no Campeonato do Mundo de Râguebi. Mereceu destaque de capa, fomos o único jornal desportivo que fez capa com a vitória da seleção nacional de râguebi. Nesse dia, vendemos tanto quanto um dia bom de Benfica, por exemplo. Agora, não posso dizer qual vai ser a nossa estratégia para podermos vender mais, mas há pequenas ideias de comunicação, estratégias de comunicação, de advertising, de publicidade, que nos podem ajudar a fazer entrar na cabeça do nosso leitor que amanhã vai sair um determinado tipo de conteúdo que as pessoas devem comprar. É muito fácil fazer isto numa publicação semanal, porque há tempo. Num jornal diário temos que ser inteligentes e a nossa equipa tem também esse foco de perceber bem qual é que vai ser o conteúdo estrela do jornal em papel. No site as notícias vão acontecer e as pessoas vão ser impactadas ao segundo. É um trabalho de equipa, mas que eu acho que também tem potencial para crescer.
Todos sabem o que estamos a produzir, todos são parte da mesma estratégia. Não há uma notícia que saia no site ou no jornal no dia seguinte que não tenha um plano de comunicação de amplificação, ou seja, as redes sociais trazem as pessoas para o site.
Estamos a falar de marketing editorial.
Sim, claro. Como dizia no início da entrevista, somos uma equipa, temos uma estrutura, não temos A Bola TV e não temos a equipa do papel. Todos sabem o que estamos a produzir, todos são parte da mesma estratégia. Não há uma notícia que saia no site ou no jornal no dia seguinte que não tenha um plano de comunicação de amplificação, ou seja, as redes sociais trazem as pessoas para o site. Se eu amanhã quiser vender um jornal, nas redes sociais vou dizer compre amanhã o jornal.
A Bola tinha equipa de redes sociais?
Tinha uma pessoa dedicada nas redes sociais, que era um estagiário. Em 2023.
E agora?
Agora temos uma equipa de cinco pessoas, em crescimento, e todas as pessoas da redação, e não só da redação, da equipa comercial, começam a entender. Uns têm formação, e já trouxemos pessoas que têm esse conhecimento, e a quem não tem vamos treinar estamos a dar formação quase dia-a-dia para perceberem o universo de comunicação, que não é só um site. Nós não temos um site, temos um ecossistema digital…
Que agora já lançaram o TikTok…
Temos TikTok, somos líderes no grupo de WhatsApp, fomos o primeiro ou órgão de comunicação social a ter grupo de WhatsApp e temos 59 mil pessoas a seguir o WhatsApp, temos Twitter (X) ativado, Instagram em crescimento, com cerca de 120 mil seguidores, cerca de um milhão de seguidores no Facebook. E todos os dias temos muito conteúdo a sair nas redes sociais, mas a remeter para o site.
E depois como é que se monetiza tudo isso? Têm também uma nova equipa comercial.
Felizmente que, para além da equipa comercial que começa a interpretar toda a informação que estamos a recolher do ecossistema digital e não digital, até mesmo de vendas – um acompanhamento mais diário que temos hoje das vendas permite-nos saber quase de hora a hora como está o mercado a reagir ao nosso produto… Quando cheguei, A Bola tinha um conhecimento de números muito fechado nela própria, ou seja, tinha formas de saber os números do ecossistema digital através de ferramentas próprias. Mas hoje em dia existem ferramentas globais que nos dão todo o tipo de informação. Na redação, temos neste momento ecrãs de computador que comunicam ao segundo o que é que está a acontecer no nosso ecossistema digital. Quantos unique visitors temos, o tempo de leitura dos artigos, qual o artigo que está a gerar mais atenção do leitor e isto tudo são hoje em dia…
O que não existia.
O que não existia antes. De repente há o frenesim positivo na redação de se ver que a sua história está a ser lida por 30 mil pessoas naquele momento. E, antes, a perceção era o leitor leu no papel a minha notícia, estamos a falar de 15 mil versus 30 mil de um artigo. A escala e a perceção dos jornalistas de que o seu trabalho é lido mensalmente por cerca de cinco milhões de pessoas é enorme. E esses cinco milhões de pessoas, para o outro lado comercial, é um potencial gigante para os anunciantes impactarem com os seus produtos e com as suas marcas e com os seus conteúdos.
Vão ter conteúdos fechados? O que é que está definido?
Acima de tudo, somos um órgão de comunicação social desportivo, que comunica desporto. No entanto, aquilo que nós também sabemos é que esta atividade, e este negócio, não subsiste sem uma área comercial e sem anunciantes. Isso é claríssimo, não há dúvida nenhuma. Não chega a venda do jornal em papel, como vimos, não é suficiente. Não chega as audiências que temos na televisão e as parcerias que temos com a Meo e com a Vodafone. E não chega só o programático ou as receitas que vem de programático, do consumo orgânico, daquilo que é as plataformas digitais.
Portanto, aquilo que fizemos foi também contratar uma equipa comercial que tem a capacidade de interpretar o produto e fazemos projetos especiais de branded content de acordo com o briefing que as marcas nos passam.
Quando era anunciante, olhava para os meios desportivos com bastante ceticismo, porque não respondiam às minhas necessidades. E um dos desafios interessantes deste projeto é eu poder estar agora do lado do meio, poder definir também uma estratégia comercial que responda às necessidades do mercado e dos anunciantes, preservando sempre – e este é um tema que eu sei que é super sensível no meio jornalístico – o critério jornalístico e aquilo que é o artigo jornalístico.
Nós nunca vamos obrigar nenhum jornalista a escrever sobre uma determinada marca. Nunca. E há formas de fazer comunicação e branded content sem adulterar o conteúdo editorial. E isso para nós é sagrado. Se me perguntar o que é que saiu hoje no jornal, por exemplo, eu não sei. Mas confio plenamente na equipa editorial, que é o melhor conteúdo editorial. Agora, a nível de anunciantes e a nível comercial, se me perguntar quem são os anunciantes que estão hoje em dia, eu sei perfeitamente quem são e estão no sítio certo e na forma certa.
Quando era anunciante, olhava para os meios desportivos com bastante ceticismo, porque não respondiam às minhas necessidades. E um dos desafios interessantes deste projeto é eu poder estar agora do lado do meio, poder definir também uma estratégia comercial que responda às necessidades do mercado e dos anunciantes,
Quem são neste momento os vossos principais anunciantes?
A resposta é genérica é que são todos aqueles que considerarem e tiverem afinidade com aquilo que nós comunicamos às pessoas que é desporto. Ou seja todas as marcas que tenham de alguma forma uma correlação e uma ligação com o leitor de desporto são os nossos principais anunciantes.
Naturalmente que existe hoje em dia no mercado em Portugal uma presença muito forte das casas de apostas e o principal negócio das casas de apostas é desporto. O jogador das casas de apostas, o cliente das casas de apostas, procura informação para poder decidir porque é que vai fazer uma aposta no Benfica, no Sporting, no Porto, no Manchester United ou no Manchester City. E procura os meios mais credíveis para usar essa informação e o meio mais credível para dar essa promoção, queremos que seja A Bola. Portanto, é natural que esse cliente seja um dos nossos principais clientes.
Na Roménia estão a ter alguns problemas com um jornal precisamente por causa das casas de apostas ou de alegadas interferências editoriais a favor de casas de apostas…
Não é bem assim. Para já são mercados diferentes, o que acontece na Roménia tem uma especificidade social e política muito própria. Sobre o tema da intervenção, não é verdade. É claramente uma situação que foi resolvida e que está resolvida pelo grupo na Roménia. Aquilo que eu posso falar é que do meu lado não temos qualquer tipo de intervenção e de obrigação para favorecer o A versus o B, e isto aplica-se tanto a anunciantes como a eventuais stakeholders do meio do desporto.
Nós somos – e é também algo interessante neste projeto – um projeto de comunicação que não depende de ninguém a nível nacional. Nós temos uma gestão internacional que olha claramente para A Bola como um modelo de negócio atrás de uma grande marca, que é A Bola, e não tem qualquer tipo de intervenção sobre o anunciante A ou B, ou a obrigação de escrever sobre o anunciante A ou B. Não temos.
Não vemos neste momento a necessidade de ser um meio de um determinado clube ou de uma determinada federação ou de uma determinada liga. Nós somos contextuais.
Os projetos de branded content – uma realidade que já chegou a todos os meios há muito tempo – como é que vão funcionar? Dizia há pouco que os jornalistas não vão ter interferência…
Os jornalistas têm que fazer o seu trabalho, que no fundo é comunicar aquilo que é a notícia, contextual, que é relevante. O que as pessoas realmente procuram e querem ler sobre desporto, seja futebol, basquetebol, a NBA, a NFL, todo o tipo de desporto. Aliás, gosto muito de uma assinatura da bola, que é “O Jornal de todos os Desportos”, que já foi e que acho que nós temos que ter isso bastante presente.
E A Bola vai fazer justiça a essa assinatura?
Cada vez mais.
E de todos os clubes também? Ou continuará muito associada ao Benfica?
Se olharem desde setembro que temos a nova equipa editorial a coordenar o jornal – e nada a ver que seja uma crítica à estratégia do passado – acima de tudo nós temos que ser contextuais. Já fizemos capas com futebol feminino, já fizemos capas com a vitória de um português na Volta a França, o Rui Costa, numa etapa do Tour, já fizemos capa com campeões europeus de futsal de sub 19, já fizemos capas com o Porto, com o Sporting, com o Benfica, com o Braga, que também teve uma campanha europeia, para a dimensão do Braga, quando se qualificou para a Liga dos Campeões.
Não vemos neste momento a necessidade de ser um meio de um determinado clube ou de uma determinada federação ou de uma determinada liga. Nós somos contextuais. Eu gostaria muito, como antigo jogador de basquetebol, de ter uma capa com o Neemias Queta, que é um jogador português que está na NBA e espero em breve ter essa capa, porque realmente acho que é histórico para Portugal, para um país pequeno como Portugal, ter um jogador na NBA que ontem marcou dez pontos e dez ressaltos numa equipa dos Boston Celtics. Isso é notícia, e isso é o que nós procuramos.
Indo à pergunta do branded content, acho que aqui há muita margem para crescermos e para transformarmos dentro daquilo que é A Bola e o mercado. E começa com nós percebermos quais são as necessidades das marcas. Eu não consigo apresentar uma proposta comercial a um anunciante se eu não tiver um briefing e se eu não perceber qual é o objetivo, quais é que são as campanhas, qual é que é o planeamento da marca.
Uma das críticas que fazia imenso quando era anunciante e trabalhava com as agências de media, é que muitas vezes aos meios chegava um determinado valor, para investir, e o briefing era “passem um plano de meios para este valor”. Nós não trabalhamos assim. Nós já recusámos propostas de valor, de agências, porque eu não recebo, e a equipa comercial não vai receber, propostas de media com base em valor.
Nós temos que ter um briefing que perceba o propósito da marca, os objetivos da marca, o conceito da marca. E a partir daí vamos apresentar as propostas de valor de branded content. E é isso que o anunciante quer. Quer quase taylor made de campanha de comunicação feita para os seus objetivos.
O que é que me adianta eu fazer comunicação de uma marca que não tem qualquer afinidade com o meu produto, só porque de repente investe um determinado valor e quer ter um rodapé ou um banner? Só por causa de um valor de investimento? Não vamos entrar por aí. Nós vamos entrar por posicionamento. Não é a todo o custo que vamos fazer publicidade na A Bola.
Como é que esse trabalho vai ser feito, está a ser feito?
Nós entramos em contacto com as marcas, explicamos a estratégia…
“Nós” são quantas pessoas neste momento?
O departamento comercial neste momento são três pessoas, vai entrar mais uma pessoa no início do ano. À medida que o negócio for crescendo, vamos crescer também, seguramente, nessa equipa. Mas essencialmente é perceber que é um modelo de trabalho diferente.
Nós queremos ser parte da estratégia da marca e não ser só o endpoint do investimento da marca. Costumo contar uma história muito engraçada de quando eu era atleta de alta competição – eu jogava no Benfica basquetebol – e tinha patrocinadores que ao final de um ano deixavam de patrocinar a equipa. E sempre me levantou dúvidas, “então mas nós ganhamos campeonatos, somos bem sucedidos, damos retorno, mostramos a marca e no final do ano, o patrocinador vai-se embora?”. E houve um patrocinador uma vez que me disse “mas vocês nem sequer me convidavam para os jogo”.
As agências, que também estão neste ecossistema, têm que começar a olhar para A Bola no sentido de perceberem que a nossa estratégia é construtiva, e não é só uma questão de investimento pontual.
Não havendo essa comunicação, e se eu não percebo qual é a necessidade do outro lado, não adianta patrocinar, porque mais cedo ou mais tarde ele vai-se embora e não volta. E nós queremos o contrário. Queremos criar relação com os nossos anunciantes, com as nossas marcas. Queremos trazer valor para a estratégia deles e que, se forem bem-sucedidos, acreditamos que eles vão continuar e vão repetir.
Mas para isso tem que haver uma abertura diferente do nosso lado de editores (publicação), e temos que compreender muito bem quais é que são os posicionamentos das marcas e o que é que as marcas querem. E as agências, que também estão neste ecossistema, têm que começar a olhar para A Bola no sentido de perceberem que a nossa estratégia é construtiva, e não é só uma questão de investimento pontual.
As agências de meios olhavam para A Bola? Ou começam a olhar para A Bola?
Falo da minha experiência como anunciante. A resposta que eu tinha da minha agência é que A Bola, como não era muito transparente na forma de comunicar os seus números, eles não recomendavam A Bola. E nós o que dizemos a todos os nossos parceiros anunciantes – que já temos alguns – é que se for preciso, mostramos o Google Analytics em real time e mostramos exatamente os números na hora, sem qualquer tipo de problema. Os nossos anunciantes vão poder ter acesso e vêm os números em direto, na hora.
A ideia é excelente, mas depois, no dia-a-dia realmente conseguir concretizar?
Com foco, com disciplina, e nós percebermos quais é que são os principais players para o nosso produto. Casas de apostas têm afinidade com o nosso produto, portanto são um dos principais anunciantes com quem trabalhamos. Marcas que patrocinam desporto – e nós comunicamos desporto – são o nosso segundo tier de clientes e vamos procurar e querer trabalhar com eles. E depois temos um terceiro nível, que tem a ver mais com algo localizado e específico, de marcas que têm uma associação, por exemplo, a projetos específicos. Estou-me a recordar uma Allianz patrocina os Jogos Olímpicos, portanto se calhar vamos falar especificamente de Jogos Olímpicos ou uma Santa Casa que também tem uma presença muito forte com os Jogos Olímpicos, então vamos trabalhar Jogos Olímpicos com esse setor.
Não menosprezando todo o mercado de anunciantes que existe, nesta fase acho que o foco e a disciplina é o importante para nossa estratégia. Não quer dizer que não olhamos a novas oportunidades, estamos sempre abertos a novas oportunidades, mas acho que temos que nos focar naquilo que é o nosso core. Quando estabilizamos e tivermos capacidade de crescer, continuaremos a ir a outros players do mercado.
Como antecipa A Bola a três anos? E quando é que se pode tornar uma marca lucrativa?
Nós acreditamos que no final do ano já vai ser. No final de 2024 já vamos ter resultados positivos, sim. A três anos – olhando para tudo o que fizermos até lá, e se fizermos maioritariamente as coisas bem feitas e vamos falhar em algumas delas e temos que aprender e refazê-las – queremos ser o meio em Portugal que seja a referência da transformação do setor.
Olhamos para o lado e vemos todos os nossos parceiros de media com dificuldades. Nós queremos ser o exemplo da transformação e de que é possível fazer bom jornalismo e ter um bom produto, melhorar as condições de trabalho das pessoas, ter uma estratégia corporativa e de cultura positiva dentro do setor, valorização das pessoas a nível salarial, a nível de formação, a nível desenvolvimento.
E a três anos, se olharmos para trás e conseguirmos ter feito isso, e os outros grupos olharem para o nosso modelo como referência, acho que seremos bem sucedidos.
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