Fazes tu ou faço eu?
Esse é o objetivo para o qual trabalhamos todos os dias, mas delegar mexe connosco, mexe com o nosso ego. Mesmo quando confiamos que o ego está controlado, pontualmente, o patife mostra-se perturbado.
Fazemos todos. Um dos maiores desafios que os líderes têm é delegar. É difícil no início, torna-se cada vez mais fácil e trabalhamos para que passe a ser um passeio no parque.
Segundo o dicionário Priberam delegar é: “transferir poder, função, competência, a outrem que passa a poder representar e agir em nome de quem transferiu esse poder, função, competência, etc. É incumbir, cometer, confiar.”
A dificuldade reside nestes conceitos: “transferir poder, competência” e “confiar”. Não me refiro à incumbência destes em simples tarefas, mas aquelas cujos entregáveis têm um grande impacto e visibilidade. Fomos ensinados que “se queres um trabalho bem feito, fá-lo tu” e este dogma não nos pode orientar. Liderar implica ser mais essencial e menos envolvido. Quando justificamos o nosso apego ao trabalho, estamos a confundir estar envolvido com ser essencial.
Delegar implica inspirar, cultivar autonomia e o crescimento. O sucesso não é medido apenas pelas nossas próprias realizações, mas principalmente, pelas conquistas daqueles que lideramos. E aqui está a chave. O nosso limite de capacidade só aumentará com cada colaborador que capacitarmos para contribuir com o seu melhor trabalho para as prioridades partilhadas. Da mesma forma, que a nossa capacidade diminui com cada iniciativa a que nos agarramos desnecessariamente.
À medida que tornamos a nossa equipa mais autónoma ela vai precisando menos de nós e torna-nos redundantes o que, como líderes, é um dos principais objetivos que perseguimos. Mas, como somos humanos, ao longo desse processo sentimos alguns incómodos:
– Como assim, já não precisam de nós?!
A experiência demonstrou-me que desfrutar do sucesso da equipa é mais gratificante do que qualquer realização pessoal. Ver a equipa crescer e superar-se continuamente emociona, preenche-nos e sentimos um orgulho desmedido. E, assumo que neste processo de aprendizagem e confiança em delegar vivenciei momentos desconfortáveis (a.k.a. ponta de insegurança), que nos fazem questionar – será que já não vão continuar a precisar de mim?!
Sim, esse é o objetivo para o qual trabalhamos todos os dias, mas delegar mexe connosco, mexe com o nosso ego. Mesmo quando confiamos que o ego está controlado, pontualmente, o patife mostra-se perturbado. E, por muito que acionemos o botão da racionalidade para alertar para o absurdo desse sentimento, podem soar campainhas que abalam a nossa (auto)confiança. Quem nunca?
Não é um sentimento que persista e o crescimento sustentável das nossas pessoas permite-nos crescer, fazendo crescer. E, há poucas coisas mais bonitas no nosso trabalho do que a evolução contínua. Delegar permite que todos possam investir noutras competências, focar-se noutros desafios, porque como Simon Sinek, esclarece “a liderança não é uma licença para fazer menos; é uma responsabilidade para fazer mais. E esse é o problema. A liderança dá trabalho. Implica tempo e energia. Os efeitos nem sempre são facilmente mensuráveis e nem sempre são tangíveis. A liderança é sempre um compromisso com os seres humanos” – por isso delegar é uma imposição para a macrogestão.
Os líderes devem abraçar o risco; confiar em quem trabalham e desimpedir-lhes o caminho para se focarem nos seus desafios, o que exige uma aprendizagem contínua, humildade e (auto)confiança.
Não é o que diz o dicionário, mas o melhor sinónimo de liderar é servir. É estarmos ao serviço das nossas equipas, dos nossos clientes e dos nossos parceiros. Não estamos para nos servirmos deles. A nossa função é inspirar, cultivar autonomia e crescimento. Temos o dever de comunicar de forma clara, definir expectativas realistas e dar espaço e condições a para a equipa brilhar – sendo que a responsabilidade do sucesso é deles e, se e quando se é menos bem-sucedido a responsabilidade é do líder que delegou. E é assim que tem de ser.
O ato de delegar é mais do que uma simples decisão – é a chave para desbloquear o verdadeiro potencial de cada um do coletivo.
Concluo que o receio de delegar não faz sentido e é também um ato de generosidade. Trabalhamos para um propósito maior – que a empresa viva sem nós, que continue a crescer sem lá estarmos e, de preferência, com ainda mais sucesso – esse é o enorme contributo que podemos deixar.
Há uns tempos, fui desafiada numa sessão de formação a pensar no que queremos deixar como legado. O exercício foi provocatório – pensar no que gostava de que ficasse gravado na minha lápide! Eu sei, é uma reflexão incómoda e desconfortável. Mas ao abraçá-la, partilho o que me deixaria realizada – “Pessoa boa, que inspirou e ajudou a crescer”. Esse (de)legado deixar-me-á realizada. Só peço que seja daqui a muitos, muitos, muitos e muitos longos anos.
Até lá que consigamos ser os líderes que gostaríamos de ter tido, como advoga Theodeore Roosevelt “O melhor executivo é aquele que tem discernimento suficiente para escolher boas pessoas para fazer o que tem de ser feito, e contenção suficiente para não se meter no caminho enquanto o fazem.” Assim seja.
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