Desporto

O que oferecem os fundos que correm aos direitos televisivos do futebol português

Alberto Teixeira,

Centralização dos direitos televisivos vai ser o maior negócio do futebol português dos próximos anos. O que oferecem os consórcios liderados pela Quadrantis, CVC/Fortitude e da BCG/Nomura?

Pedro Proença

A liga e os clubes têm três propostas em cima da mesa para avançarem com a centralização dos direitos televisivos do futebol, que vai ser obrigatória a partir da época desportiva 2028-2029. Atualmente, a venda dos direitos de transmissão televisiva é feita clube a clube. Mas desde 2021 que a ordem é para centralizar. Como o ECO avançou em primeira mão, vários fundos internacionais já apresentaram, em consórcio, propostas à Liga e até defendem que o processo seja antecipado. Aguardam agora por Pedro Proença, que, entretanto, está já a olhar para a presidência da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) no final deste ano.

Duas das três ofertas colocam valores em cima da mesa, avaliando a liga portuguesa entre os mil milhões e os 2,5 mil milhões:

  • O fundo Quadrantis, que tem no consórcio a 777 Partners e terá também o apoio da Apollo e da KPMG, valoriza a Liga portuguesa em cerca de 2,5 mil milhões de euros, um valor que resulta do múltiplo de dez vezes (referência da La Liga espanhola) em relação à receita prevista para os três primeiros anos (250 milhões), um valor que subirá para 350 milhões nos sete anos seguintes. Este consórcio propõe-se a injetar 500 milhões de euros a troco de 20% da empresa que vai centralizar os direitos, a já criada Liga Centralização, e num modelo de partilha de receitas.
  • Já a proposta do consórcio da CVC e Fortitude prevê um investimento entre 250 milhões e 350 milhões por uma participação de 25%-30% da Liga Centralização. Ou seja, avalia os direitos da Liga entre mil milhões e 1,4 mil milhões, abaixo da proposta do outro fundo, embora sem um modelo de partilha de receitas que, segundo prevê, serão da ordem dos 180 milhões de euros por ano.

A terceira oferta tem uma lógica diferente: o consórcio da consultora BCG e do banco Nomura apresentou-se com uma proposta para prestar assessoria na organização de todo o processo de centralização, desde o desenho da estratégia até ao processo de venda e negociações com os potenciais investidores que, segundo garante, serão muitos.

Pedro Proença (presidente da Liga) e Tiago Craveiro, atrás dos presidentes do FC Porto e do Sporting, Pinto da Costa e Frederico Varandas, e da Federação, Fernando Gomes.ANTÓNIO COTRIM/LUSA

O que oferecem?

Comecemos pelas ofertas financeiras. As propostas dos consórcios liderados pela Quadrantis e pela CVC e Fortitude garantem uma valorização das receitas anuais dos clubes com os direitos televisivos face aos valores atuais. Como?

Quadrantis

Para o grupo liderado pela Quadrantis, que tem à frente João Rafael Koehler, há três grandes alavancas que ajudarão a impulsionar as receitas com a centralização dos direitos audiovisuais dos jogos.

Desde logo, o próprio processo de centralização, que, ao eliminar o modelo em que a Sport TV centraliza os direitos comprados às operadoras de telecomunicações, permitirá um incremento das receitas. Os fundos explicam que o modelo da Sport TV era o mesmo que funcionava em Espanha até recentemente e onde a Audiovisual Sport atuava como empresa centralizadora dos distribuidores. No caso da liga espanhola, afiançam, foi demonstrado que quando este modelo desaparece, há um aumento do valor dos direitos audiovisuais dos clubes.

Ou seja, a centralização dos direitos, ao eliminar o intermediário, cria espaço para o aumento do chamado ARPU, que mede a receita média por cliente.

Uma segunda alavanca passa pelo crescimento internacional. O consórcio considera que a Liga tem mercados externos para os quais pode olhar com otimismo. Por exemplo, nos mercados onde existem grandes comunidades de emigrantes portugueses como França, EUA, Canadá, Brasil, Alemanha, Luxemburgo e Reino Unido.

Além disso, também tem o espaço da lusofonia para explorar, sobretudo no Brasil, Angola e Moçambique, mas onde é necessário realizar trabalho específico para melhorar a presença da liga.

Estes fundos apostam ainda nos mercados de origem dos maiores talentos a atuarem no futebol português e dá como exemplos os mercados da Noruega (Aursners, Benfica), Líbia (Al Musrati, Sp. Braga) e Irão (Taremi, FC Porto) que poderiam estar interessados nos direitos da liga portuguesa.

Por fim, a Liga deve apostar na visibilidade internacional dos três grandes, Benfica, FC Porto e Sporting, para vender lá fora.

A terceira alavanca: novas áreas de negócio por explorar, como Data & Beting, OTT (plataformas online), E-commerce & Licensing e Sponsorships. O consórcio acredita que para lá, do seu valor financeiro, estas novas áreas de negócio terão um contributo para fortalecer a marca Liga Portugal.

Como referido, o consórcio tem 500 milhões de euros para injetar no futebol a troco de 20% da Liga Centralização. Segundo propõe, o dinheiro seria para distribuir pelos clubes da primeira e segunda liga, com o objetivo de reforçar as suas finanças e o investimento nas infraestruturas para atrair mais adeptos aos estádios.

Portugal devia ter a La Liga como exemplo e estabelecer como objetivo gerar um terço das audiências que gera a liga espanhola – acumulou uma audiência de 114,4 milhões de telespetadores na temporada 2022-2023.

CVC e Fortitude

Do lado deste consórcio destaca-se a larga experiência da CVC no futebol – o outro investidor é a Fortitude, de Antonio Esteves, ex-partner do Goldman Sachs.

O fundo CVC comprou recentemente participações na La Liga (Espanha) e na Ligue 1 (França) e também se prepara para investir na Bundesliga (Alemanha). O próximo investimento será no futebol português? Pelo menos poderia beneficiar de eventuais sinergias, aponta o consórcio. Um dos exemplos que dá é no combate à pirataria, como se faz em Espanha.

O consórcio apresenta números sobre o impacto da pirataria no futebol em Portugal: apenas 10% dos lares portugueses assistem legalmente aos jogos e 60% acedem ilegalmente. Combater a pirataria com tecnologia de última geração traria mais receitas para a Liga e para os clubes.

A CVC já tem investimentos por cá, nomeadamente na MC (nova designação da Sonae MC), dona dos hipermercados Continente.

No futebol português também tem boas razões para investir. Aponta o consórcio: é uma das grandes nações do desporto-rei e tem alguns dos melhores jogadores de sempre, como Eusébio, Figo e Ronaldo; tem uma seleção nacional bem-sucedida, clubes icónicos e os adeptos mais apaixonados.

Ainda assim, há muitos desafios, como o limitado investimento na infraestrutura (fora do Top-4) e no digital e a instabilidade financeira dos clubes (que se traduz na venda precoce de talento).

Tal como o outro consórcio, também a CVC e a Fortitude consideram que as vendas descentralizadas dos direitos pelos clubes se apresenta como um pior negócio em termos de receitas. Mais: ter um oligopólio na distribuição dos direitos de transmissão também tem impacto na inovação de produtos a oferecer aos adeptos.

O consórcio apresenta um plano que vai até 2032, quando prevê que as receitas comerciais da Liga se multipliquem para 510 milhões de euros por época, com uma melhoria do valor dos direitos domésticos e um aumento das receitas por via da internacionalização, digital e publicidade.

A CVC propõe um investimento de capital entre 250 milhões a 350 milhões para “transformar” a Liga Portugal, com os fundos a serem aplicados ao longo de três anos e em iniciativas que visem a criação de valor a longo prazo, designadamente na inovação de produtos, aposta nas plataformas digitais, melhoria dos estádios e estabilização das finanças dos clubes, entre outros.

Outro dos pontos da estratégia passa por investir numa equipa de gestão de “classe mundial” com vista a executar um plano de negócios “ambicioso” e criar um quadro regulamentar para garantir a saúde e a estabilidade a longo prazo dos clubes.

O presidente da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, Pedro Proença, durante a apresentação da sua recandidatura à liderança do organismo para o quadriénio 2023-2027, no Porto, 25 de maio 2023. ESTELA SILVA/LUSA

BCG e Nomura

Ao contrário das outras duas propostas, o consórcio da BCG e do Nomura quer ajudar a Liga portuguesa a desenhar toda a operação de centralização, desde a revisão estratégica inicial até à execução do processo de M&A, com a venda do capital da empresa que centralizará os direitos audiovisuais da liga a terceiros.

A proposta prevê uma abordagem em três fases:

  • Primeira fase: Revisão e preparação estratégica.

Entre outros, desenhar uma estratégia para centralizar os direitos que protejam os interesses de todas as partes e maximize o valor, definir as condições de venda da empresa que centralizará os direitos para que se crie valor a longo prazo e reduza os riscos na transição e, no fundo criar um plano financeiro e um roteiro para avançar com o processo.

  • Segunda fase: Aprovação e tomada de decisão.

Chegar a um acordo com os clubes e Federação Portuguesa de Futebol sobre o processo de centralização e sobre a estrutura da empresa que centralizará os direitos. Se a Liga quiser acelerar o processo, terá de haver o acordo para a rescisão dos contratos que os clubes já assinaram com as operadoras de telecomunicações. Nesta fase, também a Autoridade da Concorrência e o Governo devem dar luz verde.

  • Terceira fase: M&A e preparação dos leilões.

Na última fase, o consórcio ajudaria na criação da entidade comercial que ficaria com os direitos, incluindo na contratação de pessoal. Estabelecida esta entidade, poderia avançar a venda da empresa (ou parte da empresa) aos investidores, num processo em que o consórcio prepararia toda a documentação e contactaria os potenciais compradores e selecionaria o chamado “parceiro financeiro/estratégico”. Também ajudaria a desenvolver o processo de leilão dos direitos centralizados.

A BCG e o Nomura garantem que, no final do processo, a Liga portuguesa irá atrair um forte interesse de fundos internacionais, apresentando uma lista de potenciais investidores com os quais até já tem relações.

Num primeiro patamar, o consórcio lista fundos como a KKR (que avançou com uma OPA à Greenvolt), a CVC, a Blackstone, Bain, Apax, Carlyle, SilverLake, entre outros grandes investidores institucionais. Também poderão interessar-se fundos soberanos, incluindo aqueles que estão a apostar forte no mundo do futebol: Arábia Saudita, Qatar e Abu Dhabi.

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