A Era da Autenticidade

  • Fernando Parreira
  • 11:41

A procura pela autenticidade não é apenas uma moda: é uma estratégia de sobrevivência para conquistar audiências cada vez mais fragmentadas. Será o maior ativo de qualquer meio e comunicação.

Vivemos um tempo paradoxal. Nunca foi tão fácil produzir conteúdos — textos, imagens, podcasts ou vídeos — e, ao mesmo tempo, nunca foi tão difícil conquistar a atenção genuína das pessoas. A inteligência artificial generativa abriu portas incríveis: qualquer um pode escrever um artigo, criar um guião ou gerar uma imagem em segundos. Mas há um reverso: quanto mais consumimos estes conteúdos, mais depressa percebemos a diferença entre algo “fabricado em série” e aquilo que nasce de forma humana, com falhas, hesitações e espontaneidade.

É exatamente essa diferença que está hoje no centro da conversa. No clássico Matrix, há um momento em que o Neo pergunta se determinada experiência não vinha do sistema. A resposta é clara: “Não, isto é 100% humano”. Essa noção de autenticidade, de algo que não é previsível nem perfeito, mas sim genuíno, é cada vez mais rara — e por isso cada vez mais valiosa.

Recentemente, o Wall Street Journal trouxe um sinal inequívoco desta tendência: os grandes grupos de media nos EUA estão numa verdadeira corrida para contratar podcasters e criadores independentes. O raciocínio é simples: o público está cansado de conteúdos “pastilha elástica”, facilmente replicáveis por algoritmos, e procura a profundidade, o humor, a emoção e até as imperfeições que só um criador humano pode oferecer.

Não se trata de casos pontuais. A Fox News anunciou parcerias com podcasts irreverentes como o Ruthless. O New York Times avançou com acordos milionários para licenciar programas independentes. A ESPN investiu mais de 85 milhões de dólares para trazer o ex-jogador Pat McAfee para o seu canal, mesmo sabendo do estilo desbocado e imprevisível do apresentador. Estes movimentos mostram que a procura pela autenticidade não é apenas uma moda: é uma estratégia de sobrevivência para conquistar audiências cada vez mais fragmentadas.

Os números falam por si: o consumo de conteúdos produzidos por AI cresce rapidamente, mas a procura por conteúdos humanos continua a liderar, e sobretudo a gerar maior empatia e fidelização. Não é apenas uma questão de quantidade de horas, mas da qualidade da atenção conquistada.

Fonte: Edison Research / dados estimativos – projeção do consumo semanal global de conteúdos entre 2020 e 2025.

 

E o que é que isto significa para Portugal? Que os órgãos de comunicação social não podem continuar a adiar este debate. Sim, o Gen-AI pode (e deve) ser integrado em redações, sobretudo em tarefas rotineiras: resumos, notas rápidas, tradução, organização de dados. Mas não pode ser o pilar da diferenciação editorial. A diferenciação vem das vozes únicas, das narrativas que nos surpreendem e emocionam, e da capacidade de um criador ou jornalista tocar em pontos que um algoritmo nunca alcançaria.

O futuro exige um modelo híbrido: redações mais ágeis, que usem tecnologia para ganhar tempo, mas que reservem esse tempo ganho para investir em talento humano. Criadores capazes de construir reportagens de fundo, podcasts livres de guião, crónicas que expressem visão pessoal e até o erro humano que nos aproxima de quem escreve ou fala.

Em última análise, o desafio não é competir com a inteligência artificial na sua velocidade ou eficiência. É assumir a nossa maior vantagem: sermos humanos. Imperfeitos, sim, mas capazes de criar momentos de autenticidade que nenhuma máquina consegue replicar. E é precisamente essa autenticidade que será o maior ativo de qualquer meio de comunicação que queira sobreviver — e prosperar — na próxima década.

  • Fernando Parreira
  • CRO InsurAds

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