A lição do século
Kamala virou a agulha, simboliza esperança e positividade, embalada em confettis e na energia avassaladora de Beyoncé. É tão inebriante que ficamos com dúvidas do que estamos realmente a ver.
Donald Trump versus Kamala Harris é a corrida que todos na indústria deveríamos ver. Porque são o exagero de dois modelos de comunicação.
Trump é absolutamente idiossincrático e impermeável aos conselhos da sua entourage, facto do qual se congratula nos discursos. E que lhe poderá custar as eleições por ser pouco eficaz junto dos indecisos. Não há marca mais humana do que ele, para o bem e para o mal. Kamala parece um produto da máquina democrática. Quanto mais perfeito parece, mais violenta poderá ser a consequência da interação real com os media e com o seu oponente no debate da ABC. Como se comportará fora do embrulho?
O que um tem de genuíno o outro tem de fabricado.
Foi constrangedor assistir à primeira resposta de Kamala, na entrevista à CNN. “O que fará no seu primeiro dia de governação?”, uma pergunta que poderia ter tanto de espontâneo e de humano foi o gatilho para uma resposta de cartilha sobre a “Economia de Oportunidades”, sem sentido de oportunidade, reveladora de uma aparente incapacidade de reagir ao momento.
A campanha de Trump é por isso mesmo visceral, com sangue derramado, escândalos provados e julgados e a capacidade de vender ódio pelo próximo e medo em relação ao futuro. E por ser tão desassombrada permite-se a atos de puro entretenimento como a venda de partes do seu “knock-out suit”, o fato com que esmagou Biden no primeiro debate. What you see is what you get.
Kamala virou a agulha, simboliza esperança e positividade, embalada em confettis e na energia avassaladora de Beyoncé. É tão inebriante que ficamos com dúvidas do que estamos realmente a ver. A manhã depois da festa pode ser desconcertante.
O modelo ideal deveria por isso ser o balanço entre parte daquilo que Trump consegue pôr de si na campanha e parte do espaço que Kamala dá à entourage.
As sondagens deixam antever uma clara retoma dos democratas, o que deixa entender que — numa época de polarização — os americanos anseiam por paz e reconciliação. No fundo, por uma mensagem positiva.
Depois das legislativas em França, este poderá ser o reforço da ideia de que é possível derrotar ódios, sendo absolutamente competente na compaixão.
Mas se o ódio nos fala diretamente às entranhas, há ainda que encontrar modelos menos conceptuais de compaixão. Pelo que a cartada decisiva da campanha – caso Kamala sobreviva ao debate – pode vir a ser uma só: “coach” Walz.
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