
A publicidade e o mundo de fantasia fóssil
A publicidade tem esse poder perigoso: o de definir o que é aspiracional. E agora, quando mais precisamos, está a falhar em vender o que verdadeiramente importa: uma nova forma de viver.
Entre novembro de 2024 e maio de 2025, foram analisados 6.400 anúncios em todo o mundo. Apenas 6% incluíam comportamentos sustentáveis. Seis por cento! Em plena era do ESG, dos relatórios de sustentabilidade obrigatórios, das marcas que juram viver em carbono neutro e propósito regenerador. Seis por cento. O resto? Continua a vender o velho sonho: carros a combustão a serpentear estradas desertas, churrascos com carne em excesso, casas luminosas onde as luzes ficam sempre acesas, viagens aéreas sem culpa, consumismo sem limites.
A iniciativa Every Brief Counts, da Ad Net Zero, é quase um murro na mesa: lembra-nos que cada briefing é uma oportunidade de normalizar comportamentos sustentáveis. Pequenos gestos, mas que moldam mentalidades. Do que as personagens comem ao tipo de mobilidade que usam, da energia que alimenta as suas casas às atividades que escolhem no dia a dia.
O problema é que ainda se olha para isso como “moralismo” ou “greenwashing de detalhe”. E não, não estamos a falar de fazer da sustentabilidade o protagonista de todas as campanhas. Estamos a falar de integrar a vida real no ecrã. Mostrar uma família a separar o lixo enquanto cozinha. Retratar colegas a irem de bicicleta para o trabalho. Mostrar uma viagem de comboio em vez do jato privado. O banal pode ser revolucionário, se o banal que mostramos for sustentável.
A publicidade tem esse poder perigoso: o de definir o que é aspiracional. Durante décadas vendeu-nos o carro como símbolo de liberdade, a carne como prova de sucesso, o plástico como conveniência. E agora, quando mais precisamos, está a falhar em vender o que verdadeiramente importa: uma nova forma de viver.
A pergunta é: quem está a dormir ao volante? As marcas, que não arriscam mexer na sua “fórmula de sempre”? Ou as agências criativas, que preferem um casting de famílias perfeitas e cenários idílicos do que a vida real — onde desligamos luzes, usamos transportes públicos, e partilhamos mais?
Se só 6% dos anúncios refletem comportamentos sustentáveis, não estamos apenas a perder uma oportunidade criativa. Estamos a falhar culturalmente.
Se cada briefing conta, cada omissão também.
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