
As entrelinhas da Justiça Tributária
A justiça tributária é um elemento fundamental da coesão social, da competitividade económica e da confiança nas instituições.
Estamos a poucos dias de terminar mais uma campanha do IRS. Para os profissionais desta área, a época é densa e cada vez há mais dúvidas por parte dos contribuintes, não obstante a muita informação disponível e uma maior otimização no pré-preenchimento da declaração modelo 3 do IRS, a saga das “mais-valias”, dos “rendimentos declaráveis”, versus “rendimentos tributáveis” ou do “irs jovem”, têm vindo a preocupar os cidadãos.
Há sempre uma frase que procuramos ter em mente, mas que neste período é recorrente: o desconhecimento da lei não aproveita a ninguém! Se a lei é complicada, porque não fazê-la simples ou acessível aos cidadãos? Como diria um dos meus mestres, o saudoso Professor Rogério Fernandes Ferreira, uma lei boa é uma lei perene.
Esta bondade da lei tem vários sentidos. A justiça perante as partes, que seja eficaz e eficiente na resposta ao cidadão, e que seja duradoura no sentido da sua atualidade.
O ser perene, aplicado aos impostos, logo aqui parece algo de cómico, basta olharmos aos Orçamentos anuais do Estado. Já no que toca à justiça – comédias à parte -, para além da fatura que o contribuinte (todos nós) gasta ou faz gastar ao erário público, com os avanços e recuos dos entendimentos da lei, apesar da boa vontade, da identificação dos problemas e da já existente apresentação de soluções viáveis, o tempo de espera é ainda longo, os recursos são escassos para as necessidades e, por vezes, a formação/conhecimento dos intervenientes também não abona.
Das questões mais recorrentes na campanha do IRS que ouvimos tem a ver com as taxas efetivas de tributação – não, não são as taxas das tabelas mensais de retenção na fonte – são as taxas reais, que têm por base o artigo 68º do código do IRS. Já olharam à vossa nota de liquidação do IRS? Em baixo, lado esquerdo consta “taxa efetiva de tributação”.
Nenhum imposto pode ser criado ou cobrado sem que exista uma lei que o determine, assim como devem ser proporcionais aos rendimentos, ao património e ao consumo. Da mesma forma que se atende ao princípio da progressividade, penalizando menos quem menos ganha – olhem de novo à nota de liquidação do IRS, no campo 12: parcela a abater.
A justiça tributária não é apenas uma questão técnica: é uma questão de confiança e de coesão social. No entanto, apesar dos avanços legislativos e tecnológicos, a justiça tributária em Portugal enfrenta diversos desafios, entre os quais uma carga fiscal elevada, a evasão e fraude fiscal e a complexidade do sistema.
Ainda muitos contribuintes sentem que os impostos são demasiado pesados, sobretudo sobre o trabalho, o que gera perceções de injustiça.
Por outro lado, a existência de uma economia paralela prejudica a equidade, pois obriga os contribuintes cumpridores a suportar uma maior carga fiscal. O peso da economia não registada no PIB atinge 24%, colocando Portugal no top 3 dos países europeus com uma taxa mais elevada de economia paralela, e a nove pontos percentuais acima da média europeia, de acordo com o estudo do Centro de Investigação Económica e Política (CEPR).
E no caso por português, a complexidade do sistema “alimenta” esta tendência, uma vez que a legislação fiscal portuguesa é extensa e, por vezes, ambígua, o que dificulta o seu cumprimento voluntário e favorece litígios. A exemplo disso temos duas situações neste ano, que têm repercussão no IRS. O atestado de incapacidade multiusos vale a situação mais benéfica para o contribuinte, ou seja, a redução da incapacidade não dita perda do IRS reduzido; e a alienação de quinhão hereditário não é sujeita a tributação de mais-valias. Nestas duas situações, a Autoridade Tributária e Aduaneira vê o Supremo Tribunal Administrativo dar razão aos contribuintes, e bem!
Mas a justiça tributária não se esgota na cobrança dos impostos. Implica também uma utilização eficiente e transparente dos recursos públicos, sendo essencial para a coesão social, a confiança nas instituições e a sustentabilidade das finanças públicas.
E em bom rigor, a justiça tributária não é apenas um tema técnico nem um regime de coutada. É um elemento fundamental da coesão social, da competitividade económica e, uma vez mais, da confiança nas instituições. Ignorar isso é comprometer o futuro.
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