Há valor no desconforto
Quando um cliente sente aquele ligeiro desconforto perante uma proposta, é sinal de que tocámos no nervo certo, em algo que pode ser melhorado ou reinventado.
Sempre acreditei que é no desconforto que encontramos o impulso para fazer coisas diferentes. E não, não me refiro a vestir de manhã umas calças bem apertadas ou seguir para o trabalho de corpete. Se bem que um dia hei-de experimentar ambos, talvez em simultâneo. Refiro-me àquela inquietação que nos faz questionar constantemente se o que estamos a fazer tem validade para alguém ou validade de todo. Acho que é precisamente quando chegamos a esse estado de espírito que surgem as melhores ideias. Aquelas que põem em causa o que pensávamos que queríamos. Aquelas capazes de mudar uma coisa para melhor.
Há uns dias, ouvi num podcast um famoso apresentador de televisão americano resumir esta ideia de forma brilhante: “O ato de mudança é o antídoto para o desconforto”. Como se o desconforto não fosse um obstáculo, mas sim um motor para a mudança. E essa mudança não se limita ao processo criativo; quando apresento uma ideia que sai da zona de conforto do cliente, estou a convidá-lo a repensar, a ver para além do óbvio. É quase como interpelá-lo a meio da reunião e dizer: “Já considerou fazer isto com um corpete?”.
Claro que nem sempre é fácil. Desafiar alguém a reconsiderar as suas perceções pode gerar resistência. Mas acredito, genuinamente, que é nesse lugar de tensão que ocorre a verdadeira transformação. Quando um cliente sente aquele ligeiro desconforto perante uma proposta, é sinal de que tocámos no nervo certo, em algo que pode ser melhorado ou reinventado.
Agora vamos tornar tudo ainda mais desconfortável.
Trabalhei nos últimos meses com a minha equipa num projeto de rebranding na área de arquitetura — uma área que, de resto, sempre me interessou muito — pelo que tenho estado muito mais atento a tudo o que se passa no setor. Deparei-me com o posicionamento curioso de um famoso atelier português que se centra no conceito de Arquitetura Confortável. Respeito o trabalho e entendo o conceito, mas não podia discordar mais da abordagem, num setor que tem uma base de trabalho assente sobretudo no valor da criatividade.
É que a par da pessoa que está a escrever este texto, também me coloco no papel de cliente. E como cliente, o conforto não seria definitivamente aquilo que gostaria que me fosse vendido no projeto de construção da minha casa. Prefiro o desconforto. O desafio. O tal nervo a latejar porque não era nada daquilo que eu estava à espera, mas afinal era precisamente o que eu queria ver.
Tratar o desconforto como se fosse em si próprio desconfortável e precisasse desesperadamente de ser aliviado, não me conforta. Sou mais pela mudança. Por sair da complacência, da normalidade. Por desafiarmo-nos a nós e aos outros. Por mudar as coisas para melhor. Acredito verdadeiramente que é o caminho para maiores e melhores ideias. E o mundo precisa desesperadamente delas.
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