Marcas pré-fabricadas

  • António Fuzeta da Ponte
  • 9 Fevereiro 2024

O que preocupa também não é o “tipo” de digital que está a receber investimento, mas sim se esse investimento é feito na (in)consciência que todo ele é construtor de marca. Porque não é.

No outro dia uma equipa de uma marca alimentar convidou-me a partilhar experiências de como tem sido trabalhar marcas, posicionamentos e reposicionamentos. Na sala estavam pessoas de sociologia, marketing, gestão, publicidade. Falámos de marcas alimentares, de retalho, de telecomunicações… Mas falámos sempre com a preocupação de construção sólida, de trabalhar marcas como se fossem casas, com pilares que assegurem o presente (vendas, vendas, vendas!) mas que principalmente entreguem futuro aos seus acionistas.

Saí de lá impressionado com a determinação e cuidado que têm em trabalhar uma marca que, naquele caso, já tem mais de 70 anos e continua em permanente processo de rejuvenescimento. A construção daquela marca há décadas que é feita com respeito pelos seus pilares. É, assim, uma casa sólida e até já deu origem e se uniu a outras marcas e casas igualmente sólidas. Que bom. Para a marca, para o negócio, para o acionista, trabalhadores e restantes stakeholders.

Com isso em mente, como reagir aos dados de investimento em meios pelas marcas em Portugal e de como estas andam a trabalhar o seu presente e futuro? Mesmo num mercado como o nosso, em que a TV ainda é rainha, as marcas dão agora ao digital um peso igual ou superior em investimento. Nada de estranho aí, é estar onde está o target. O preocupante não é isso, de todo. O que preocupa também não é o “tipo” de digital que está a receber investimento, mas sim se esse investimento é feito na (in)consciência que todo ele é construtor de marca. Porque não é.

Contas por alto, diria que, em Portugal, só 10% a 15% do investimento total em meios digitais é que é “brand builder”. Os restantes 85% a 90% são performance. São para hoje. E para amanhã. De manhã. Porque à tarde há que investir mais, sempre mais, senão não aparecemos em nenhum smartphone, em nenhuma busca sequer.

Daí trago o alerta. Desengane-se quem agrega valores de investimento digital e os define como investimento geral em marca. São coisas diferentes. Muito diferentes.

Quando uma empresa está a investir em performance marketing, tem objetivos definidos e deve alcançá-los. Mas não são de construção de marca. Não está a construir a sua marca com pilares sólidos, não está a contribuir para um futuro orgânico. Está a construir uma marca pré-fabricada, como aquelas casas instantâneas que vimos em “trailer parks” nos filmes americanos. E confesso que, hoje em dia, vejo muitas marcas a deixar de investir em pilares sólidos e a ir pelo caminho mais rápido, tornando-se marcas trailers, marcas pré-fabricadas.

Claro que agora todos já temos a metáfora presente. Marcas pré-fabricadas são as que não equilibram bem o seu media mix ou, por exemplo, não apostam seriamente em entender e resolver bem as questões de satisfação de cliente nem de sustentabilidade de negócio, que não respeitam o seu propósito ou que vão ao encontro do seu cliente só de uma forma (nem só de publicidade se faz o caminho para o cliente), exclusivamente interesseira. São marcas frágeis e estacionadas em “trailer parks”, normalmente feios, a que só vamos por interesse ou necessidade passageira. E todos sabemos o que acontece, infelizmente, quando vem uma epidemia, ou rajadas de inflação, ou secas de queda de consumo. Poucas são as que ficam de pé.

Demasiado apocalíptico? Espero que não. Mas não nos confundamos. Marketing digital sim e sempre. Perfomance marketing também. Só não o podemos confundir e assumir como construção de marca. Porque isso, alerta a todos, não aguenta mais de um inverno ou dois. Ou talvez só aguente até à promoção seguinte. Aguentará?

  • António Fuzeta da Ponte
  • Diretor de marca e comunicação da Worten

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