Marcas, redes sociais e o novo xadrez político digital

Neste novo contexto, surge uma questão crítica para as organizações: como navegar num ecossistema onde a escolha da plataforma arrisca-se a ser interpretada como uma declaração política?

Com os desdobramentos das recentes eleições nos Estados Unidos ainda a moldarem o cenário político global e a Europa a enfrentar desafios sociais e económicos cada vez mais intensos, o ambiente digital está longe de ser um espaço neutro. As redes sociais, antes vistas como meros canais de comunicação e engagement, transformaram-se em arenas ideológicas, onde estar ou não estar pode definir a perceção pública de uma marca. Neste novo contexto, surge uma questão crítica para as organizações: como navegar num ecossistema onde a escolha da plataforma arrisca-se a ser interpretada como uma declaração política?

O X (antigo Twitter), sob a liderança de Elon Musk, atrai uma base mais conservadora, tornando-se um espaço onde discursos políticos de direita encontram maior tração. A Bluesky e o Mastodon afirmam-se como alternativas progressistas, proporcionando espaços onde comunidades politicamente alinhadas se organizam. O TikTok, sob escrutínio governamental devido à sua ligação à China, tornou-se um campo de batalha geracional, onde os mais jovens amplificam causas sociais e os mais velhos assistem com desconfiança. O Facebook continua a ser um território híbrido, dominado por grupos de nicho e comunidades polarizadas. O LinkedIn, tradicionalmente um espaço corporativo e profissional, dá cada vez mais palco a debates ideológicos e políticos, refletindo que a tensão digital se estende também às redes mais institucionais.

Se há uma década a decisão de estar ou não numa plataforma era definida por critérios de audiência, engagement e formato de conteúdo, hoje a escolha da rede social é tantas vezes vista como uma afirmação política que impacta a reputação da marca. Mas será que o público espera que as estas escolham lados, ou apenas coerência?

Com consumidores cada vez mais polarizados e atentos ao posicionamento corporativo, a margem para a neutralidade estratégica está a desaparecer. O silêncio, eventualmente, será interpretado como conivência ou falta de compromisso com os valores da chancela. Por outro lado, um posicionamento demasiado explícito pode alienar uma parte significativa do público. O desafio não está apenas em assumir uma posição, mas em comunicá-la de forma autêntica e alinhada com a sua identidade.

Se uma empresa tem um propósito bem definido e um público-alvo claro, encontrará um espaço mais seguro numa plataforma que reflita esses valores. O desafio surge para marcas globais ou generalistas, que precisam de comunicar para públicos diversos sem cair na armadilha da polarização. Muitas optam por uma estratégia de diversificação, ajustando o tom e o tipo de conteúdo consoante a rede social. No entanto, esta abordagem acarreta riscos: adaptar o formato e a linguagem ao contexto de cada plataforma é uma necessidade estratégica, mas modificar os respetivos valores para agradar a diferentes públicos incorre num potencial comprometimento da sua credibilidade. A cultura de escrutínio digital não perdoa contradições, e qualquer incoerência resulta numa rápida amplificação, transformando-se numa crise reputacional.

Em Portugal, esta fragmentação política das redes sociais ainda não atingiu os níveis extremos dos EUA, mas as tendências são claras. O X transformou-se num espaço dominado pelo debate político aceso e inclinado à direita, enquanto o TikTok favorece narrativas progressistas e movimentos sociais. O LinkedIn, que até há pouco tempo era um ambiente neutro e profissional, começa a ser palco de discussões ideológicas. As marcas portuguesas ainda operam num espaço mais fluido, onde a polarização é menos evidente, mas até quando?

Neste cenário, o papel dos CMO torna-se ainda mais estratégico. O risco de existir no espaço errado é real, e as insígnias precisam de refletir sobre o impacto das suas escolhas. No final, as redes sociais continuam a ser ferramentas poderosas para as marcas. Mas, no atual xadrez político digital, a jogada errada pode custar mais do que um simples unfollow.

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