O Cinescópio, do Procópio a Tóquio. Haja RAP
Esta coisa de meter ignição nos conceitos, é desde sempre trabalhar para o Intervalo, o nobre espaço que outrora era pago a peso de ouro. A isto, chama-se anúncio de TV.
Se usarmos um estetoscópio imaginário, podemos medir aleatoriamente a paixão que nutrimos pelo nosso trabalho enquanto publicitários. É que o coração bate mesmo forte, quando se trabalha naquilo que se gosta. E quando o conceito, ideia e execução são a nossa praia, melhor do que trabalhar para o bronze, é trabalhar para o ouro. Melhor do que trabalhar para aquecer é aquecer aquilo em que se trabalha. E esta coisa de meter ignição nos conceitos, é desde sempre trabalhar para o Intervalo, o nobre espaço que outrora era pago a peso de ouro. A isto, chama-se anúncio de TV. Hoje, muito se fala sobre a televisão e a sua importância, quando se fala de marcas e agências. Era uma boa pergunta para se fazer ao Ary dos Santos, numa tarde chuvosa, no quentinho do Procópio, aquele bar do jardim das Amoreiras onde tanto lobby jornalístico e político (ou até fofoca publicitária) acontecia, qual Twitter® dos intelectuais da época. Como seria a resposta de um dos nossos maiores publicitários de sempre, em que o destino de sonho do seu tricot de palavras seria uma Telefunken®, uma Salora® ou uma Blaupunkt®? Um óbvio sim! A televisão importa, para marcas e agências.
Aos dias de hoje, fica mesmo mal assumir uma opinião positiva sobre esta relevância. Afirmar que “a televisão importa”, nesta “post modern era”, é assinar um documento que aponta uma condição de “irremediavelmente velho” a um qualquer “eu” que proferiu tal blasfémia. Sem reticências, trabalhamos numa classe muito hipster e avant-garde, focados no vertical e no reel e no pré-roll, e esquecemo-nos da génese das coisas, a génese do sonho da comunicação: é como vir de uma família de classe trabalhadora e assumir que já se nasceu com um iWatch@ no pulso perante o mundo. Família? Humpf! Renegamos a nossa verdadeira origem, e vive-se num padrão de consumo de media que nos distancia da verdadeira paixão daquilo que sempre fizemos: o wide screen. O dezasseis por nove. O glorioso formato, meio cinematográfico, com as barrinhas pretas. Que são bem energéticas para emoldurar um filme publicitário.
“Caramba, o cliente quer veicular a campanha em TV e cinema. É para caprichar, vilanagem, é para caprichar,” dizia o o ego a inchar e a relinchar de felicidade. É verdade que cada vez mais existem cada vez menos lares com o incómodo prisma retangular preto, na estante ou no aparador, que faz o take over a qualquer objeto mais delicado que possamos ter nas prateleiras com um intuito de exposição. Mas o que é um facto, é que desde o grande boom da publicidade, que a televisão faz parte da vida das famílias – um conceito também ele bastante mudado, com crianças com tablets e telemóveis à mesa. Mea culpa, tua culpa, quem nunca?
Naquele tempo, a televisão unificava, gerava controvérsia e discussões, e gerava momentos onde o cérebro poderia desligar um pouco após um dia difícil, e de repente a mantinha do sofá tornava-se no ingrediente base para aquele wrap perfeito entre dois corpos que se amam. E viam-se filmes até ao fim, entre dois canais nacionais. It’s a wrap. E por falar em corpos que se amam, havia alguma magia em conectar numa relação profunda aqueles aparelhos vindos de Tóquio entre si. Um video recorder JVC® a uma Sony Black Trinitron®, por exemplo. Era só (só, vamos lá) colocar a ficha no buraquinho correspondente, colocar a cassete VHS da Fuji® e depois desfrutar, e ver o filme vezes sem conta. Sem intervalos, pois.
Dito isto, será que foi o vídeo que matou a televisão, qual viúva negra pré tecnológica, matando assim de alguma forma o interesse pelos blocos publicitários? É claro que não. Nestes novos formatos que estamos todos carecas de usar, a TV continua e continuará em grande, com uma reinterpretação do clássico tubo de raios catódicos, que podemos agora chamar de laptop, ou tablet ou mobile phone, ou lá o que for. Em modo canal ou em modo YouTube. O tubo é agora completamente nosso e achatado, como o mundo antes de Copérnico. O problema é que aqui, neste espaço tão preenchido, vamos perdendo a nossa capacidade de contar boas histórias em vinte, trinta ou sessenta segundos, porque sem o ambiente certo, o nosso “atention spam“ tem um pavio muito curto – em segundos, já estamos a direcionar artilharia intelectual para outra coisa. E “ah!”, temos que levar com anúncios, que foram “paid media” tão exorbitante que obrigam o espectador a vê-los até ao fim. Sejamos verdadeiros: rezamos todos para ler a mensagem “este vídeo acaba em 5 segundos”, não é? E temos a tendência para esticar as histórias no digital. Há é que saber contá-las com a devida emoção, porque o swipe left, esse está sempre à porta naquilo que escolhemos ver.
De regresso à televisão, a verdade é que entre o Goucha e a Cristina Ferreira há muitas marcas que mantêm notoriedade – ainda temos uma população muito envelhecida que vai vivendo pela televisão todo o glamour de um admirável mundo novo. Aí há espaço garantido para as fraldas Tena Lady® ou os elevadores Stannah® com o Rui de Carvalho, ou um colchão Emma® bem malandreco.
Agora, façamos o exercício de sair do Portugal dos Pequeninos, descontextualizar e fazer a pergunta em grande, sobre a eventual importância do intervalo para anúncios: o intervalo do Super Bowl, importa? Importa siiiiiiiiiiiiiiii, como diria Cristiano do futebol com os pés. Então, temos aí a nossa resposta, aos berros. Num país de 330 milhões de pessoas, 113 milhões assistem à final da Liga de Futebol Americano, de cara colada ao ecrãn e com resmas de Budweiser® a abarrotar o frigorífico. E é o momento de glória para marcas e agências. Aqui sim, é o momento em que a audiência importa não só para os canais. Há coisas que sabem melhor quando são vistas na televisão. E não tem que ser futebol americano ou português. Tem é que ser bom. Via televisor ou via projetor. E o que dizer dos momentos que antecedem um “Tonight Show” do Jimmy Fallon?
Para a televisão voltar a ganhar relevância para a inserção de publicidade, o segredo está em elevar a qualidade dos conteúdos para uma fasquia que prenda o espectador, sem ser necessariamente um Anthony Ammirati a prender as partes baixas à barra nas Olimpíadas. Comprou-se espaço de forma aleatória durante demasiado tempo, e gato escaldado, da água fria tem medo, quando chega em baldes ao departamento de marketing com o excel dos resultados. Não vivemos das emissões de futebol. O segredo, por cá, esse, está em Gozar com quem Trabalha. Não há nada que traga mais saúde para as marcas do que a antecâmara de um programa do Ricardo Araújo Pereira e a sua genial equipa de escrita em horário nobre. É ver as agências de media a vender o espaço como pão quentinho, e as marcas a pagar de bom grado. São conteúdos assim que nos fazem esperar sem problemas, quero lá saber se o intervalo publicitário é gigante, com 20 ou 30 minutos. Vendam-me tudo. Do mais obtuso à água do Luso, venham eles, os bons anúncios, porque a seguir sei que vou dar umas boas risadas com o país em que vivemos. Ou ver um jogo. Venham anúncios da agência publicitária de Chelas ou da Wieden&Kennedy, o que interessa é que as marcas e agências continuem a sonhar com o intervalo na televisão.
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