O fantasma do cliente desaparecido
Otimistas, seguimos em frente, criando planos desde "vamos dominar o mundo" até "com sorte conseguimos fazer uns posts no Insta". O problema é que o cliente quer o primeiro... com o budget do segundo.
Há fenómenos na vida que nos fazem acreditar que o universo tem uma habilidade única para nos pregar partidas. Um desses fenómenos é o ghosting — aquela arte de desaparecer como um Houdini digital, sem deixar rasto ou sequer um bilhete a dizer “Foi bom enquanto durou”. E se pensam que isso acontece apenas nos relacionamentos românticos, claramente nunca trabalharam numa agência de comunicação.
Nós, nas agências, conhecemos bem o jogo: tudo começa com um contacto promissor. O potencial cliente surge cheio de entusiasmo, pede uma reunião urgente, envia um briefing meio vago (geralmente sem mencionar o detalhe mais importante: o orçamento disponível) e, claro, com um prazo que faria qualquer mortal suar. Mas nós aceitamos. Porque sim. Porque somos guerreiros do PowerPoint, ninjas do Excel, e gladiadores da comunicação. Ah, e porque somos otimistas. E burros. Muito burros.
Após horas de brainstorming, dias perdidos a afinar cada detalhe, desde o conceito criativo à estratégia de implementação, enviamos uma proposta de cortar a respiração. Literalmente. Porque depois de tanto trabalho, mal conseguimos respirar. A equipa está exausta, mas com aquela sensação de dever cumprido. Até se ouvem uns sussurros entre os colegas: “Desta vez é que vai ser! Este cliente vai ser O cliente!”
E depois… nada. Silêncio absoluto. Nem um email de agradecimento. Nem um “vamos avaliar internamente”. Nada. O cliente desaparece no ar, como um truque de magia de mau gosto. Enviamos um follow-up cordial, claro, com aquele tom simpático que só nós sabemos usar: “Caro Cliente, esperamos que tenha recebido a nossa proposta e estamos à disposição para discutir qualquer questão.” Silêncio.
É neste ponto que começamos a pensar se o cliente se perdeu numa ilha deserta, estilo “Lost”, ou se foi raptado por extraterrestres. E damos por nós a entrar em cenários conspiratórios: “Será que ele foi sequestrado por uma agência concorrente?!” “Ou terá sido devorado por um mar de emails não lidos?” Tentamos outra vez, num tom mais desesperado (mas ainda educado, porque não queremos parecer carentes): “Caro Cliente, apenas a verificar se teve oportunidade de analisar a proposta enviada.” Nada. Vazio. Um ghosting digno de um romance de verão.
Finalmente, e já sem muitas esperanças, tentamos a última cartada: “Caro Cliente, só para garantir que não há nenhuma dúvida e estamos disponíveis para ajustar qualquer ponto da proposta. Aguardamos o vosso feedback.” É então que a resposta chega. Mas não é uma resposta. É uma chicotada. “Vocês têm de ter paciência”, respondem, quando não nos chamam diretamente de chatos ou “insistentes”.
Neste momento, a agência inteira já está dividida entre lágrimas e gargalhadas. “Pacientes? Estivemos pacientes desde o briefing maluco até à apresentação de um plano detalhado digno de um Prémio Nobel da Comunicação!” Mas claro, nós respiramos fundo, porque somos profissionais, certo? E então pensamos: “Ah, claro, o problema é nosso. Somos nós que não entendemos o ritmo natural do cosmos empresarial.”
Ah, e não podemos esquecer o grande clássico do briefing: o mistério em torno do budget. Parece que estamos a negociar numa sala cheia de fumo, onde o orçamento é tratado como se fosse o segredo da Coca-Cola ou a fórmula mágica para encontrar o Santo Graal. “Qual é o vosso budget?” perguntamos, inocentemente. E do outro lado, silêncio ou a resposta favorita: “Queremos ver o que vocês sugerem primeiro.” Ora, é como entrar numa pastelaria, pedir o bolo mais elaborado da montra e depois perguntar se dá para pagar com trocos do porta-moedas. Mas nós, otimistas, seguimos em frente, criando planos que podem ir desde “vamos dominar o mundo” até “com sorte conseguimos fazer uns posts no Instagram”. O problema é que, na maioria das vezes, o cliente quer o primeiro… com o budget do segundo.
E assim, o ghosting nas agências continua, uma verdadeira tradição não-oficial. E nós? Continuamos a fazer o que sabemos fazer melhor: trabalhar, criar, e acreditar que da próxima vez, quem sabe, o cliente nos responda. Ou, pelo menos, que nos deixe um Post-it digital a dizer “fui ali e já volto”. Afinal de contas, até os fantasmas têm a decência de assombrar. Só pedimos isso: um pequeno assombramento.
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