Os fantasmas que não assustam…
Escolher uma agência pelo prémio que conquistou para algo que não existiria de per si é como escolher uma garrafa de vinho baseado nos selos que lá colocam. Até o posso aceitar, em relação ao vinho.
Nasci profissionalmente numa época em que trabalhar em publicidade tinha glamour e fazia inveja aos outros que estavam do lado do cliente. Após duas décadas e meia desse lado, juntei-me há 3 anos ao das agências. O glamour pode já não ser o mesmo, mas o trabalho continua interessantíssimo e cheio de relevância.
Uma das coisas que sempre me intrigou como cliente foi a necessidade quase obsessiva das agências procurarem prémios. O prémio está para as agências como a gasolina está para os carros, sem eles nada funciona.
Claro que do ponto de vista das agências o prémio traduz-se num reconhecimento dos pares, e por isso mesmo, mais prestígio e visibilidade. Nada está errado aqui, antes pelo contrário. A verdade é que quando um trabalho tem qualidade, entrega aquilo que o cliente pretende e ainda por cima é apreciado, isso deve de ser reconhecido e celebrado.
A relação entre cliente e agência baseia-se necessariamente na presença de um elemento orientador – o briefing. E se para uns é uma espécie de caderno de encargos com contexto, para os outros é o documento-farol que estrutura o caminho e que ajuda a preparar a decisão. Sem um bom briefing, não há uma boa campanha. Quando não temos briefings e nos pedem para fazer uma campanha, a coisa não pode correr bem. Nunca. Para nenhuma das partes.
Mas muitas vezes as agências decidem avançar com criatividades que não têm num primeiro momento um cliente específico, nem um briefing. É a ideia pela ideia. Esses trabalhos misteriosos desafiam convenções e abrem caminho para a pura expressão criativa. Mas será que há justiça na sua avaliação e premiação?
Há quem diga, e com razão, que estes projetos oferecem uma oportunidade única de reconhecer e celebrar a criatividade na sua forma mais autêntica. Sem o crivo e sem o constrangimento de um problema específico que tem de ser resolvido apenas pela comunicação. Acabam por permitir uma liberdade criativa única, que explora frequentemente conceitos inovadores, ideias visionárias, narrativas impactantes e temas fraturantes e incómodos. Esta é uma das razões porque tantas destas ideias acabam por receber um qualquer logo de uma ONG ou de uma causa de grande impacto público.
A arte pela arte é exatamente isso: liberdade criativa, exploração de novas fronteiras, chocar, desmontar, pôr em causa e levantar dúvidas.
Como alguém que na sua maior modéstia aprecia arte, também eu sou suscetível a estas manifestações de arrojo criativo e de grande impacto social.
Mas aqui, como em quase tudo na vida, há o outro lado desta questão.
Por definição a comunicação comercial ou publicitária tem inerente a resolução ou o auxílio à resolução de um problema corporativo. Ou seja, há um pequeno conjunto de problemas empresariais que a comunicação publicitária pode ajudar a resolver.
Mas para os resolvermos eles têm de ser claros e objetivos. Nascerem de um pedido e de uma formulação estratégica. Terem um enquadramento e uma necessidade que lhe é intrínseca.
Quando a indústria publicitária desenvolve trabalhos que de outra forma nunca iriam existir coloca-se a questão ética. Quando a indústria os promove para fazerem deles casos vencedores coloca-se uma questão concorrencial e comercial. A resposta para ambos os casos não é simpática.
A escolha de uma agência é um acontecimento de enorme relevância para uma empresa e para as suas marcas. Escolher uma agência pelo prémio que conquistou para algo que não existiria de per si é como escolher uma garrafa de vinho baseado nos selos que lá colocam.
Uma agência é uma empresa. E todas têm uma missão comercial, e por isso mesmo intrinsecamente competitiva, e ainda bem. A competição entre empresas torna-nos a todos melhores. Desde que seja feita com as mesmas regras. Admiro todos aqueles que trabalhando, ano após ano, marcas de sucesso, apresentam uma qualidade constante na construção dessas marcas. A todos eles dou os meus parabéns. Às marcas e aos seus gestores, felicito-os pelas suas escolhas. Bons clientes escolhem boas agências e juntos constroem marcas de excelência.
A consistência, a constância e a equipa são fundamentais para a escolha de uma agência. Sentia-o como cliente, e sinto-o ainda mais agora que estou do lado da agência. Escolher por rótulos é deixarmos que sejam terceiros a dizer o que devemos fazer. Se até o posso aceitar em relação ao vinho, custa-me a acreditar que possa ser assim num dos parceiros-chave de uma empresa.
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