Responsabilidade social: comunicar ou não?

  • Elgar Rosa
  • 12 Novembro 2024

Ser responsável e sustentável vai deixar de ser opção. Mas é importante ser coerente, não querer beneficiar mais do que a própria causa e evitar acusações de greenwashing ou performative activism.

Não há como não gostar desta quadra. Como consumidores e como profissionais de marketing e comunicação. Por tudo: pela iluminação que embeleza cidades e aldeias; pela excitação de voltar a estar com a família; mas também pelos budgets que engordam nesta quadra e pela oportunidade -– em alguns casos a única do ano -–, de desenvolver campanhas que se destaquem da concorrência (do ponto de vista institucional ou de vendas).

A partir de agora, começa a Liga dos Campeões das campanhas de Natal. Que anúncio se destacará, que música ficará no ouvido, quem ‘ganhará’ nas redes sociais. Os desafios para clientes, criativos e agências são hoje muito maiores do que há uma década. Não basta uma ideia centrada em valores de família, partilha, esperança e solidariedade. É preciso um ângulo que se destaque e que possa ressoar além da execução.

Para as agências de relações públicas, além da amplificação das campanhas, este é, também, o momento para implementar projetos de responsabilidade social, integrados em estratégias de ESG ou promovidos ad hoc. E aqui reside a dúvida de alguns clientes: devem ou não as iniciativas de responsabilidade social promovidas pelas empresas ser comunicadas? Algumas empresas preferem não divulgar as suas ações solidárias porque elas não existem para que a empresa tenha visibilidade. Legítimo e respeitável, mas deverá ser mesmo assim?

Não há uma regra. Mas separemos a pergunta em dois ângulos: em primeiro lugar, importa questionar se estas iniciativas devem ou não ser divulgadas. Acredito sinceramente que sim. Digo-o como profissional de comunicação, mas também como agente com responsabilidades no terceiro setor. Do ponto de vista das entidades apoiadas, a comunicação, quando bem feita, promove a literacia e a consciencialização sobre a causa, podendo contribuir para o envolvimento da comunidade para além da campanha; reforça a ligação emocional à causa (lembrar que algumas IPSS não têm meios para comunicar o seu trabalho); e, por último, pode inspirar outras empresas a apoiarem as mesmas causas.

Para as empresas, a comunicação concorre diretamente para a reputação, pela transferência de valores humanistas e solidários; pode reforçar a ligação com os targets (estudos confirmam que os consumidores preferem marcas com papel social); consolida uma promessa de envolvimento positivo com a comunidade (tantas vezes verbalizados nas narrativas empresariais); tem o potencial de envolver colaboradores; e, sejamos claros, também pode fomentar vendas.

O segundo ângulo a considerar é se todas as iniciativas devem ser divulgadas. E aqui a resposta para mim é clara: não. Há campanhas pouco diferenciadoras, seja pelo valor atribuído à causa, seja pela ideia em si. Por exemplo, campanhas com uma forte dependência comercial (na compra de x, y reverte para a causa) podem ser de extrema importância para as IPSS, mas a sua divulgação deve ser equacionada pelo promotor. A comunicação antecipada pode redundar em acusações de aproveitamento da causa para vender mais. Já a comunicação a posteriori poderá permitir, por exemplo, revelar de que forma a verba angariada será utilizada (aquisição de equipamento, projetos específicos, etc.). Por outro lado, iniciativas simples – atribuição de valores simbólicos; oferta de bens que não sejam equipamentos transformadores para a atividade da IPSS; entre outras – são certamente importantes para a instituição, mas não são relevantes para justificar uma comunicação.

Diria que os critérios para comunicar deverão ser o impacto e a relevância do projeto, bem como a diferenciação face a outros apoios e a relação com o negócio (quando fizer sentido).

Ser responsável e sustentável, felizmente, vai deixar progressivamente de ser uma opção. Mas é importante também ser coerente, não querer beneficiar mais do que a própria causa e evitar acusações de ‘greenwashing’ ou ‘performative activism’. No Natal ou em qualquer outra altura do ano.

  • Elgar Rosa
  • Fundador e diretor executivo da Pure

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