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Carteira de Jornalistas decide na próxima semana eventual reversão do aumento do título

Carla Borges Ferreira,

O organismo prevê receitas de 257 mil euros para este ano, quantia que "não é suficiente". No último ano receberam 86 queixas, a maioria relacionada com a violação dos deveres da profissão.

A Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas (CCPJ) analisa na próxima quarta-feira, dia 15, a eventual reversão do aumento do valor da carteira profissional de jornalistas, bem como a devolução do montante pago a mais aos 101 jornalistas que já revalidaram os títulos. O montante obtido com a renovação das carteiras profissionais representa a maior fonte de receita do organismo responsável por emitir o documento que regula o acesso à profissão. A comissão está a discutir com o governo outras formas de financiamento. Uma transferência do Orçamento do Estado (OE) pode ser uma solução.

“Há um certo obscurantismo sobre para que é que serve a Comissão e até para que serve a Carteira”, diz ao +M a CCPJ, lembrando que mesmo “não tendo a natureza de um Sindicato, ou uma outra qualquer organização que em concreto trabalha em torno da defesa, por exemplo, dos direitos laborais dos jornalistas”, a Comissão, “protege os jornalistas e o jornalismo”.

A existência e a defesa da carteira profissional é o melhor selo para garantir um jornalismo rigoroso, credível imparcial e independente, num tempo em que a desinformação feita por propagandistas a partir de truncagens e imitações da atividade jornalística é um dos problemas maiores do nosso tempo“, argumenta.

Pela independência do Jornalismo e dos jornalistas sim, esta forma de financiamento é a mais indicada. Mas, com os valores que os profissionais da atividade jornalística pagam atualmente pelos seus títulos profissionais, não é suficiente.

As receitas obtidas com a emissão ou renovação das carteiras profissionais — documento exigido a quem exerce a profissão de jornalista — é a principal fonte de receita da CCPJ. No ano passado, o orçamento previa receitas de na ordem 254.6 mil euros, acrescido do apoio dado pelo Estado, no valor de 50 mil euros. Já para este ano a CCPJ prevê arrecadar receitas o valor de 207 mil euros, a título de pagamento de emolumentos, e de 50 mil euros de apoio estatal, concretiza o organismo.

Em 2021, a CCPJ teve de receitas totais 256 mil euros, menos cerca de 37 mil do que no ano anterior. A maior parte dos custos (191 mil euros) é com pessoal. Este montante “não é suficiente”, afirma o secretariado da CCPJ. Uma transferência a partir do Orçamento do Estado (OE) pode ser uma solução, no entender da CCPJ, a discutir com a tutela.

As contas de 2022 ainda não estão fechadas e as previsões para este ano ainda não estão definitivamente feitas, “uma vez que será um ano particularmente atípico”, afirma a entidade ao +M.

A carteira profissional de jornalista, revalidada a cada dois anos, passou a custar 76 euros desde 01 de fevereiro, acima dos 70,50 euros cobrados em janeiro de 2022, após uma atualização. O aumento tem sido contestado pelos jornalistas, que, no início de fevereiro, recolheram mais de 1.200 assinaturas contra o aumento do preço, colocando o tema em cima da mesa entre os profissionais do setor.

Entretanto, já no final de fevereiro, os responsáveis da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) consideraram que há “várias possibilidades” para financiar a entidade, que têm de ser estudadas, e defendem que deve ser o Parlamento a alterar o modelo. A presidente do CCPJ, Licínia Girão, e os dois membros do órgão Jacinto Godinho e Paulo Ribeiro foram ouvidos na comissão parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto sobre o modelo de financiamento e os indispensáveis ajustes dos diplomas que regulam a atividade jornalística.

Em simultâneo, não só o valor da carteira que dá acesso à profissão como o próprio organismo que a atribui merece ser olhado. “Há um certo obscurantismo sobre para que é que serve a Comissão e até para que serve a Carteira”, admitia Jacinto Godinho na comissão parlamentar.

A afirmação é explicada pelo secretariado da CCPJ ao +M/ECO. “Quando recebemos, juntamente com as compreensíveis queixas sobre os aumentos dos emolumentos, questões que nos interrogam desta forma: “A carteira profissional serve para quê?” ou “Temos de pagar para trabalhar?” isto revela uma falta de noção, um certo obscurantismo, em relação à missão e à responsabilidade que um jornalista tem numa sociedade de direito”, avança em nome coletivo a entidade.

O sentimento que temos é de que ainda existem muitos jornalistas que desconhecem as normas deontológicas e condutas éticas que regulam a profissão.

O jornalismo é uma atividade que mexe com direitos liberdades e garantias dos cidadãos, por isso tem de ser obviamente uma atividade regulada. Não pode ser qualquer pessoa que faz jornalismo. Tem de ser um profissional credenciado e acreditado, para ter direitos (como a proteção das fontes) e também ser responsabilizado pelo trabalho que faz”.

“O sentimento que temos é de que ainda existem muitos jornalistas que desconhecem as normas deontológicas e condutas éticas que regulam a profissão”, prossegue o órgão. “A liberdade de imprensa absorve a liberdade de expressão e criação dos jornalistas, contra isso não há imposições ou censura”, continua. No entanto, “a defesa da credibilidade da informação de natureza jornalística que se faz chegar aos consumidores, exige responsabilização só garantida pelo facto de os profissionais estarem acreditados, habilitados com um título profissional e a existência de um organismo independente que garanta o exercício dessa atividade na base do rigor e isenção”, defende a CCPJ, que tem levado pelo país os encontros “Pensar o Jornalismo com os Jornalistas”.

Mas, quais são as certo as competências da CCPJ e de que modo é gerido o orçamento? As questões do +M/ECO foram respondidas, por escrito, por Licínia Girão, Jacinto Godinho e Paulo Ribeiro, jornalistas que compõem o secretariado da CCPJ.

O financiamento da CCPJ, consagrado na lei, são os emolumentos pagos pelos profissionais da atividade jornalística “para garantir a sustentabilidade e também a independência da CCPJ”. Qual o orçamento no último ano e o que está previsto para 2023?

O orçamento da CCPJ para 2022 previa uma receita resultante do pagamento de emolumentos devidos pela emissão e renovação dos títulos profissionais no valor de 254.6 mil euros, acrescido do apoio dado pelo Estado Português, no valor de 50 mil euros. Para 2023 a CCPJ prevê arrecadar de receitas o valor de 207 mil euros a título de pagamento de emolumentos, e de 50 mil euros a título de apoio estatal.

É suficiente para as despesas?

Não. A CCPJ tem vindo a ser confrontada com um aumento de denúncias, queixas, participações, casos em que os profissionais se encontram a exercer funções incompatíveis com o exercício da atividade jornalística ou violam os deveres consagrados no Estatuto, o que tem levado a um aumento no volume de trabalho dos cinco, já insuficientes, funcionários da Comissão, também dos membros, sobretudo dos que fazem parte do Secretariado e da Secção Disciplinar, e a um aumento de impugnações judiciais por discordância com as decisões tomadas pela CCPJ, o que tem feito aumentar significativamente as despesas da CCPJ. Além do aumento dos consumíveis e serviços necessários para a manutenção e funcionamento da Comissão.

Esta forma de financiamento é a mais indicada? Quais as alternativas? Transferência do OE?

Pela independência do Jornalismo e dos jornalistas sim, esta forma de financiamento é a mais indicada. Mas, com os valores que os profissionais da atividade jornalística pagam atualmente pelos seus títulos profissionais, não é suficiente. A CCPJ encontra-se a estudar alternativas em consonância com a tutela (Ministério da Cultura) no sentido de ajustar o financiamento da CCPJ. E sim, uma transferência a partir do Orçamento do Estado pode ser, no entender da CCPJ, uma alternativa.

Quantas queixas recebem em média por mês? Quantas receberam no último ano?

Recebemos, em média, sete queixas por mês, num total de 86 durante o ano de 2022.

Qual é o teor mais frequente das queixas? E quais as consequências?

Os mais frequentes prendem-se com a violação dos deveres no âmbito do artigo 14.º do Estatuto do Jornalista e com incompatibilidades, nos termos do artigo 3.º, também do Estatuto do Jornalista. Depois de analisadas todas as queixas, denúncias e ou participações pelo Secretariado, este pode determinar o arquivamento, fundamentando a decisão. Dessa decisão cabe recurso por parte do queixoso requerente para o Plenário. O Secretariado pode ainda decidir, consoante os casos, abrir um Processo de Contraordenação, designando o instrutor e acompanhando o procedimento, ou encaminhar para a Secção Disciplinar que tem total autonomia para ela própria arquivar ou aplicar uma sanção. Das decisões da Secção Disciplinar cabe recurso também para o Plenário. Das decisões que resultam da finalização dos Processos de Contraordenação e Disciplinares cabe ainda recurso para os tribunais.

Num tempo em que a desinformação feita por propagandistas a partir de truncagens e imitações da atividade jornalística é um dos problemas maiores do nosso tempo.

“Mesmo com o aumento que hoje entra em vigor, a sustentabilidade da Comissão pode começar a estar em causa devido ao aumento das atividades de regulação do setor jornalístico, no âmbito das suas competências”, afirmaram quando foi conhecido o aumento do valor da carteira profissional. Podem concretizar? As atividades de regulação têm vindo a aumentar?

Sim. O aumento de queixas, denúncias e participações só por si fazem aumentar a atividade de regulação da CCPJ. Zelar por uma informação fidedigna é o fim último da CCPJ. Pelo que, também os próprios membros da Comissão têm vindo a redobrar esforços no sentido de garantir o cumprimento dos deveres desta atividade regulada em defesa dos consumidores de informação de natureza jornalística e dos jornalistas.

A CCPJ regula e a profissão e acesso à profissão. Mas protege os jornalistas?

Não tendo a natureza de um Sindicato, ou uma outra qualquer organização que em concreto trabalha em torno da defesa, por exemplo, dos direitos laborais dos jornalistas, obviamente que a CCPJ protege os jornalistas e o jornalismo.

Desde logo porque ao garantir que só os que reúnem os requisitos necessários para o exercício da profissão podem ser titulares de uma Carteira Profissional de Jornalista, todos os jornalistas devidamente acreditados com o título profissional ficam protegidos.

Protege os jornalistas porque escrutina constantemente as incompatibilidades e as usurpações da função de jornalista, o que é uma forma de proteger quem faz do jornalismo, com ética e deontologia a sua profissão principal.

Protege os jornalistas porque, ao investigar e sancionar o não cumprimento dos deveres previstos no n.º 2 do artigo 14.º do Estatuto do Jornalista, assegura aos bons profissionais e à sociedade em geral, que no exercício da profissão de jornalista não vale tudo. Quem abusa da profissão, quem comete negligências graves não pode ficar impune e essa é a melhor defesa do jornalismo e dos jornalistas.

Protege os jornalistas porque a existência e a defesa da carteira profissional é o melhor selo para garantir um jornalismo rigoroso, credível imparcial e independente, num tempo em que a desinformação feita por propagandistas a partir de truncagens e imitações da atividade jornalística é um dos problemas maiores do nosso tempo.

Cada vez mais os jornalistas – e os media — concorrem com produtores de conteúdos, cuja atividade não é regulada e não estão sujeitos a nenhum código de conduta. Como olham para esta realidade?

Com natural e grande preocupação. Essa tem sido também uma das batalhas dos membros desta Comissão que tem vindo, por exemplo, a indeferir pedidos de atribuição ou renovação de títulos profissionais a quem desenvolve conteúdos que não são de natureza jornalística ou trabalha em publicações ou outros meios de divulgação de conteúdos que são predominantemente promocionais.

Por outro lado, temos várias propostas para alterar o regime de registo e de classificações consagrado na atual Lei de Imprensa e que está claramente desatualizado em relação ao ecossistema digital que existe neste momento. Por exemplo, a proposta de classificação dos órgãos distinguindo claramente os que são “Jornalísticos” (e onde devem trabalhar preferencialmente jornalistas profissionais) dos “Não-jornalísticos” poderá ser uma das formas de clarificar melhor um setor onde muitos órgãos promovem conteúdos comerciais disfarçados de jornalismo.

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