Associação Salvador arranca com campanha de consignação de IRS: Comunicação tardia dos resultados é um entrave
Associações esperam cerca de 10 meses pela comunicação, por parte da AT, do valor angariado com as doações de IRS. Uma demora que põe em causa o planeamento, diz a Associação Salvador.
Desde 2001 que os contribuintes podem doar 0,5% do seu IRS a entidades de cariz social, ambiental ou cultural. Sem custos para o contribuinte, esta opção permite ajudar uma das 4.700 entidades elegíveis para o efeito. Escolher uma é o primeiro desafio e, com o aproximar do período de entrega do IRS (entre 1 de abril e 30 de junho), muitas associações apostam em campanhas nas quais divulgam esta possibilidade. Ao longo do ano, este é dos principais momentos de comunicação para grande parte das associações.
A Associação Salvador, a assinalar o vigésimo aniversário, é um exemplo. Prestes a reforçar uma campanha “especial”, a associação partilha com o +M também alguns dos constrangimentos inerentes a estas iniciativas. O principal é a demora, por parte da Autoridade Tributária, em fornecer informação sobre os valores recolhidos no ano anterior. Para se ter uma ideia, apenas no dia 9 de março foram informados do valor angariado em 2022. Filipa Mourão, responsável pela coordenação de angariação de fundos da associação, aponta que a comunicação dos resultados e transferência do valor por parte da Autoridade Tributária é muito tardia e defende uma campanha geral de divulgação por parte do Estado, uma vez que parte da população ainda desconhece alguns aspetos desta possibilidade de consignação.
“Há 20 anos a tirar sonhos do papel” é o mote da campanha deste ano da associação, coincidente com os seus 20 anos de luta pela melhoria das condições de vida de pessoas com deficiência motora. Chegar às pessoas de uma “forma emotiva”, de modo a dar a conhecer o trabalho desenvolvido e o seu impacto na vida das pessoas com deficiência motora, é o objetivo.
Transportar os portugueses para o seu imaginário infantil, fazendo-os recordar os seus sonhos de criança, e pensar se estes seriam concretizáveis caso estivessem numa cadeira de rodas, é a premissa da campanha que representa as histórias verídicas de três pessoas que viram os seus sonhos saírem do papel graças ao apoio da Associação Salvador: ter uma casa adaptada às suas necessidades, ter um emprego ou praticar surf.
“Já alcançámos muito nestes 20 anos mas ainda há muita coisa para fazer, e esta campanha lembra isso, lembra que já fizemos muita coisa mas que há igualmente muito por fazer na área das acessibilidades e de ofertas iguais para as pessoas com deficiência motora, seja no acesso à cultura, aos eventos, ao emprego, ao desporto, aos transportes, ao turismo, em todas as componentes que fazem a vida do ser humano“, diz Filipa Mourão.
A criatividade é assinada pela agência 9, com produção da Casperfilms, realização de André Caniços e voz off do ator Ivo Canelas. A banda sonora é produzida por Máximo Francisco. Os atores principais, Sara Soares, Sandra Manuel e Rui Aguiar, são todos beneficiários da instituição, que viram a sua vida “mudada” com o apoio da Associação Salvador.
“É sempre muito importante contar com o que os profissionais sabem fazer de melhor para elevar ainda mais a qualidade destas campanhas e todas as agências produtoras e profissionais enriqueceram muito aqui esta ideia e concretizaram-na de uma forma muito especial, muito bonita e muito bem conseguida na nossa opinião“, considera Filipa Mourão, esclarecendo que foi tudo feito em regime pro bono.
O grande foco da divulgação da campanha passa pelo meio digital, através do site e redes sociais. A Associação Salvador espera também contar com partilhas por parte de pessoas “anónimas”, de beneficiários, amigos, doadores e voluntários da associação, que façam o papel de “embaixadores” e “divulgadores”. Ao mesmo tempo, e também de forma pro bono, espera-se a possibilidade de distribuição de uma versão offline da campanha – através folhetos, cartões e cartazes – em empresas, grandes superfícies ou cadeias de restauração.
Torna-se difícil “atuar de uma forma consistente e profissional, quando cerca de 20% do nosso orçamento, é imprevisível e incerto”
“Em 20 anos, já mudámos a vida de mais de 4 mil pessoas com deficiência motora através do nosso trabalho. Quando olho para trás, vejo que foram muitos os sonhos que tirámos do papel, mas também sei que ainda há muitos por concretizar. Muitas vidas em suspenso pela falta de oportunidades, de acessibilidades… Este é um caminho que não se faz sozinho e que só é possível com o envolvimento de todos. Esta não deveria ser uma luta apenas de pessoas com mobilidade reduzida, mas de toda a sociedade. Esse é o grande sonho e objetivo que queremos concretizar e tirar do papel”, refere Salvador Mendes de Almeida, fundador da Associação Salvador, citado em comunicado.
As dificuldades associadas a estas campanhas
Uma grande dificuldade das associações com estas campanhas prende-se com o facto de as mesmas só conhecerem tardiamente os resultados da campanha do ano anterior, por norma em março. Este ano a Associação Salvador soube a 9 de março – por lei o Estado pode comunicar até ao final de março – sendo que por essa altura a associação já se encontra a implementar os projetos e a realizar o seu trabalho com base numa previsão de orçamento. Relembra-se que o período da submissão das declarações de IRS começa no dia 1 de abril.
“Esta iniciativa é muito relevante para as organizações e ainda bem que o Estado possibilita a consignação do IRS de cada um, no entanto, a comunicação dos resultados e transferência do valor por parte da Autoridade Tributária é muito tardia. De acordo com todas as organizações com as quais temos contacto e parceria, se tivéssemos acesso, pelo menos ao valor que iremos receber de consignação, o planeamento do orçamento e atividades do ano seguinte seria realizado de uma forma mais realista e eficiente“, defende Filipa Mourão, acrescentando que se torna difícil “atuar de uma forma consistente e profissional, quando cerca de 20% do nosso orçamento, é imprevisível e incerto”.
A responsável pela angariação de fundos e envolvimento da Associação Salvador defende que seria “realmente importante” que o setor social tivesse conhecimento em tempo mais útil do valor para uma previsão e planeamento do ano seguinte. Não é defendido o recebimento antecipado da verba, mas a informação de qual seria o valor total das consignações alocado a casa associação, reforça.
“Ao saber o valor, pelo menos já conseguimos preparar o plano do ano seguinte, ou seja, perceber melhor o impacto que conseguimos ter, as pessoas a que conseguimos chegar, de uma forma mais profissional, mais assertiva e mais eficiente. Não sabendo o valor com que vamos contar então estamos a planear um pouco no ar, porque depois podemos ter uma boa ou má surpresa. Não se podem fazer planeamentos de projetos e de apoios aos nossos beneficiários – pessoas com deficiência motora – sem saber o valor exato. Temos muitas pessoas a contar com os nossos projetos e com a nossa missão anualmente para depois termos uma má surpresa de IRS e não conseguirmos chegar até eles”, afirma, adiantando ainda que um conjunto de organizações já fez chegar ao Ministério das Finanças e à Autoridade Tributária uma carta exatamente com este pedido.
As associações também só conseguem saber o valor total do montante que recebem e as declarações de IRS correspondentes da campanha de consignação, não se sabendo de onde vêm ou qual o valor unitário de cada doação. Apenas se conhece o bolo. Em 2021 foram 10.991 as pessoas que escolheram a Associação Salvador para consignar 0,5% do seu IRS, número que baixou para 9.514 em 2022. Apesar da redução, a receita manteve-se para a associação. Facto “curioso” e que pode ser explicado ou por os consignantes de 2022 serem pessoas com rendimentos maiores ou pelo aumento do imposto em si mesmo, avança Filipa Mourão.
A estratégia para estas campanhas são assim também difíceis de delinear, uma vez que não é possível saber o que resultou mais na divulgação da campanha, se foi o formato digital, offline ou mesmo a comunicação presencial – como acontece em algumas ações feitas junto das empresas, onde se tenta conferir um cunho mais personalizado, através de testemunhos reais dos beneficiários – pelo que esta campanha é “muito imprevisível e muito desafiante”, considera Filipa Mourão.
“E por isso nós nunca conseguimos perceber qual a estratégia de comunicação que funcionou mais. É um bocadinho pensar pela nossa experiência pelos anos que passaram e pelos resultados que temos tido, o que é que fomos fazendo, e tentarmos fazer mais ou menos a mesma coisa e ir tentando inovar. E com alguma criatividade tentar apelar a uma parte mais emotiva do nosso trabalho, mas também a uma parte mais informativa porque temos a noção que há muitas pessoas que ainda não percebem o conceito desta campanha ou têm ideias erradas”, diz Filipa Mourão. Há pessoas que pensam que vão pagar mais ou receber menos, “e não é isso, é um imposto liquidado que já vai para o Estado e que nós apenas estamos a decidir para onde é que vai 0,5% desse imposto“, clarifica.
Segundo os dados avançados pela Associação Salvador, em 2020 foram 845.591 os contribuintes que consignaram o seu imposto (num montante conjunto de 21.036.527,86 euros), sendo que, de um total de 5.479.417 agregados familiares que entregaram declaração referente ao ano de 2020, cerca de 61% não fizeram nenhuma doação. Existe assim “uma grande margem de crescimento que poderá beneficiar em grande escala o Terceiro Setor”, acredita.
Filipa Mourão considera, aliás, que seria positiva e “muito importante” a realização de uma campanha de sensibilização por parte do próprio Governo para esta consignação, tendo em conta que existem organizações que não têm maneira de investir na realização destas campanhas. “Uma campanha geral que beneficiasse todas as associações era fundamental”, afirma.
Também as empresas podem aqui desempenhar um papel social muito importante. “As empresas podem fazer muito porque são feitas de pessoas”, diz Filipa Mourão, defendendo que estas têm um papel “importantíssimo” na divulgação das campanhas das associações. Há empresas que escolhem um conjunto de associações cujo trabalho reconhecem como meritório para divulgarem junto dos colaboradores, explica a responsável, adiantando que a Associação Salvador conta com algumas destas empresas como parceiras.
Além da campanha de consignação de 0,5% do IRS – que representa cerca de 20% das receitas da Associação Salvador – esta associação conta com contribuições por parte de empresas e de doadores regulares. Aposta ainda em candidaturas a prémios e fundos e em iniciativas solidárias de modo a, com criatividade, fazer com que as pessoas se envolvam “para em conjunto chegarmos a um país mais inclusivo, mais acessível para todos e com oportunidades iguais para as pessoas com deficiência motora”, diz Filipa Mourão.
A importância da comunicação
A comunicação figura assim como uma “peça-chave” na angariação de fundos por parte das associações, mas não se resume a esta área, afiança Mariana Corrêa Nunes, responsável de comunicação da Associação Salvador.
No entanto, embora sejam duas áreas de trabalho diferentes, a equipa de comunicação e de angariação de fundos “trabalham sempre em sinergia, garantindo que os objetivos são cumpridos e isso é crucial para o sucesso do nosso trabalho”, continua. Os destinatários da comunicação da associação são vários – entre pessoas com deficiência, doadores regulares, mecenas, sociedade civil, imprensa ou instituições públicas -, pelo que isso obriga a uma “estratégia muito bem definida e a trabalhar com os parceiros certos, de forma a que seja sempre garantida a coerência da mensagem e a sua eficácia”.
Na Associação Salvador o objetivo, no final, é sempre o mesmo: promover a inclusão e melhoria de vida das pessoas com deficiência motora e sensibilizar para a igualdade de oportunidades, garante a responsável de comunicação da associação.
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