Linha do Douro quer ser Património Mundial da Unesco
Associação Vale d'Ouro desafia região Norte a apoiar a atribuição da classificação máxima da Unesco à linha ferroviária construída no final do século XIX ao longo do rio Douro.
A Linha do Douro como Património Mundial classificado pela Unesco. O desafio foi lançado pela Associação Vale d’Ouro, que pretende valorizar o percurso sobre carris construído no final do século XIX e que acompanha grande parte do rio Douro. A classificação poderá reforçar o papel desta infraestrutura na região e atrair ainda mais visitantes, numa altura em que sobem de tom as críticas à falta de investimento nesta linha ferroviária.
A proposta foi lançada no debate dedicado à ferrovia, organizado pela Liga dos Amigos do Douro Património Mundial. Na Europa, há apenas duas linhas de comboios com esta distinção da Unesco, ambas montanhosas: a Semmering Bahn (Áustria) e a Ferrovia Rética (Suíça), onde foi fixado o recorde mundial de maior comboio de passageiros.
“Esta candidatura deverá ser o próximo desígnio da região para preservar este legado patrimonial de uma das maiores obras de engenharia portuguesas, delicadamente inserida numa paisagem trabalhada de forma sustentada pelo homem há mais de três séculos”, refere Alberto Aroso, especialista em transportes e vias de comunicação.
“O Douro é uma obra de arte única à escala das outras linhas património mundial: do lado português tem 24 túneis e 40 pontes, e do lado espanhol tem 20 túneis e 13 pontes. É uma linha que integra um vasto conjunto de obras de arte, inseridas numa paisagem difícil”, sinaliza Alberto Aroso, um autores da ideia em conjunto com Luís Almeida.
O valor patrimonial da Linha do Douro é muito grande, como gesta de organização de uma região, como valorização do seu produto conforme foi aproveitado para o enoturismo. O processo tem de ser feito de forma muito criteriosa e rigorosa, porque o nível de exigência do Douro já é muito elevado.
Apesar de ocupar o mesmo local desde os finais do século XIX, a Linha do Douro tem sido melhorada nos carris e nos sistemas de comunicação. Nada que impeça uma eventual classificação. “Todas as linhas classificadas foram eletrificadas e modernizadas. Está em causa a classificação da obra de engenharia e do património histórico. As modernizações valorizam a infraestrutura e acrescentam valor“, destaca, por sua vez, Luís Almeida, presidente da Associação Vale d’Ouro.
A proposta passa por classificar mais de 300 quilómetros de via férrea: além do lado português e espanhol da Linha do Douro (Ermesinde-La Fuente de San Esteban), também se pretende incluir o percurso entre a estação de São Bento (Porto) e Ermesinde. Desta forma, a ligação sobre carris pode unir quatro patrimónios mundiais da Unesco: o centro histórico do Porto, o Douro Vinhateiro, as Gravuras do Côa e a cidade antiga de Salamanca.
“O valor patrimonial da Linha do Douro é muito grande, como gesta de organização de uma região, como valorização do seu produto conforme foi aproveitado para o enoturismo. Há um conjunto de acréscimos sobre o valor patrimonial e natural existente que faz sentido continuar a ser valorizado. O processo tem de ser feito de forma muito criteriosa e rigorosa, porque o nível de exigência do Douro já é muito elevado“, comentou o economista e antigo ministro da pasta, Luís Braga da Cruz, após o lançamento do desafio. A economista Cristina Azevedo destacou, por seu turno, a “absoluta evidência” da “excelência do território” percorrido pela Linha do Douro.
Douro sofre com falta de poder
Para que a Linha do Douro possa firmar a candidatura a Património Mundial, primeiro será necessário eletrificar a restante linha e reabrir o troço Pocinho-Barca d’Alva. No caso de Portugal, falta uma autorização das Finanças para lançar o concurso público para elaboração do estudo prévio e do projeto de reativação da linha entre o Pocinho e Barca d’Alva, e a abertura das candidaturas para a eletrificação do troço Marco de Canaveses-Régua.
Está previsto para o terceiro trimestre de 2026 o arranque das obras entre Pocinho e Barca d’Alva. Para tal, será necessário um investimento de cerca de 75 milhões de euros, calculou a Infraestruturas de Portugal, num estudo técnico de abril de 2022. Figueira de Castelo Rodrigo, Vila Nova de Foz Côa, Torre de Moncorvo e Freixo de Espada à Cinta são os quatro municípios com ganhos diretos pela reabertura desta linha. Os benefícios da reabertura estendem-se ainda a outros 17 concelhos, como é o caso de Vila Real, Régua, Lamego, Tarouca, Alijó e Sabrosa.
“Não há justificação para toda a Linha do Douro não ficar pronta daqui a quatro ou cinco anos“, sublinha o presidente da Associação Vale d’Ouro. Já a economista Cristina Azevedo culpa a centralização pela falta de atenção dada ao Douro, porque “a ferrovia é uma grande prioridade comunitária, mas a decisão sobre as prioridades regionais continua a estar condicionada por Lisboa. O planeamento regional perde-se por completo e não há capacidade de o fiscalizar“.
A economista considera ainda que a Infraestruturas de Portugal (IP) “enferma de um modus operandi que se pode qualificar como muito pouco transparente e certamente muito pouco convergente com as prioridades territoriais e mesmo políticas a cada momento. Não é raro perceber que os esforços dos que tutelam politicamente o setor, seja de que partido for, caiam vastas vezes em saco roto quanto à efetiva concretização”.
Já o presidente da Câmara Municipal da Régua, José Manuel Gonçalves, frisa que a IP “é maior do que qualquer ministério” e um “monstro dentro” da pasta das Infraestruturas. “Tenho sérias dúvidas sobre este modelo de organização para dar resposta aos investimentos públicos”, afirma o autarca.
O líder da Liga dos Amigos do Douro também sinaliza a urgência da modernização da Linha do Douro e da reabertura do troço Pocinho-Barca d’Alva. “Mas primeiro é preciso que o ministro das Finanças lance o despacho para a obra começar no terreno”, nota António Saraiva. “Só depois se pode fazer uma candidatura à Unesco, um processo que exige tempo e meios financeiros“, conclui.
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