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Partidos sem consenso sobre financiamento público do jornalismo

Rafael Ascensão,

No Congresso dos Jornalistas PS e BE foram favoráveis a um eventual financiamento do Estado aos media, PSD não exclui, mas que "não é o ideal". IL e PCP mostraram-se contra.

O financiamento dos media pelo Estado não colhe unanimidade junto dos partidos, mas há que proponha apoios indiretos ou a criação de um fundo alimentado pela taxação sobre as gigantes tecnológicas multinacionais como Google ou Facebook ou os novos modelos de inteligência artificial. O quinto Congresso dos Jornalistas decorre até domingo.

A informação e a sua qualidade é um bem público e fundamental. “Acreditamos que o Estado tem de tomar iniciativas que o preservem”, o que não significa financiamento direto a grupo empresariais que têm, no quadro de mercado, de tomar as suas decisões editoriais, considera Eurico Brilhante Dias, líder parlamentar do Partido Socialista (PS), durante o painel “O papel do Estado” no financiamento dos media.

A atuação do Estado tem de ser feita na intermediação, defende o líder parlamentar socialista, avançando que o PS vai incluir no seu programa eleitoral incentivos do lado da oferta e procura, os quais “não têm apenas adesão à circunstância da Global Media”.

O PSD não exclui a possibilidade de financiamento público, mas que isso não é o ideal. “Não me parece que seja função do Estado financiar grupos privados”, argumentou Joaquim Miranda Sarmento. O líder parlamentar do PSD defende que deve ser dada a liberdade de escolha às pessoas, algo que pode ser feito com apoios diretos ou fiscais, tendo o partido no Orçamento de Estado para 2024 proposto dedução à coleta para a compra de assinaturas de meios de comunicação.

O jornalismo desempenha um “papel fundamental” em democracia, “não estamos perante um mercado tradicional”, afirma o social-democrata, defendendo que o Estado tem um papel de serviço público a desempenhar na televisão (RTP), rádio (RDP) e Lusa. É “importante” que o Estado e os contribuintes financiem um serviço público de informação, diz, embora se deva voltar a discutir o que deve ser o serviço público e como deve ser financiado.

Para Miranda Sarmento, a discussão que é preciso existir “enquanto país mas também a nível europeu” é de como tributar as grandes plataformas digitais — seguindo exemplos do Canadá e Austrália — e como usar esses fundos, sugerindo que a receita devia financiar a compra de mais produtos de meios de comunicação por parte dos consumidores de forma e aumentar o negócio dos órgãos de comunicação social.

Pedro Filipe Soares, do Bloco de Esquerda, apoia a ideia do financiamento do jornalismo pelo Estado. A Lusa gratuita “parece-nos uma ideia necessária”, defendeu.

Mas não só. O bloquista explicou que a proposta do seu partido passa pela criação de um fundo alimentado pela taxação sobre as gigantes tecnológicas multinacionais como Google ou Facebook ou os novos modelos de inteligência artificial, que “parasitam” a riqueza gerada pelos meios de comunicação.

Este fundo iria ser usado para oferecer assinaturas a cidadãos — como jovens estudantes, por exemplo — o que permitiria um financiamento indireto e a criação de novos públicos. Além disso, o fundo distribuído para os cidadãos usarem como quisessem, iria “promover a concorrência” no sentido em que os media teriam de ter qualidade para disputar esse espaço.

E não é preciso esperar que estas medidas sejam avançadas a nível da União Europeia, defendeu o bloquista, pois Portugal tem a “soberania” para o fazer. Além disso, Espanha e França também têm legislação “na calha”, pelo que os países se podem unir para o efeito. “Há falta de ação e de coragem para Portugal responder ao problema”, atirou.

Rodrigo Saraiva, mostrou-se contra este financiamento “tirando a Lusa da equação”. “Não se pode deixar de ver a comunicação social como um mercado”, embora este seja um mercado com as suas “especificidades”, considera o líder parlamentar da Iniciativa Liberal (IL). O papel do Estado é, sobretudo, o de regulador e que houve uma “clara falha” nos episódios recentes e fez saber que o seu partido vai continuar a defender a privatização dos meios detidos pelo Estado, como a RTP.

Paula Santos, líder parlamentar do PCP, afirmou que deve haver um reforço na RTP, RDP e Lusa, mas que o financiamento de grupos privados não deve ser feito. Para Paula Santos, “não é solução” o Estado financiar grupos económicos na área da comunicação social, os quais “não podem ser exonerados das suas responsabilidades para com os trabalhadores”.

A líder parlamentar do PCP apontou a concentração da propriedade da comunicação social, com os “interesses privados a predominar” como um dos problemas da evolução negativa do setor, realidade que “não está dissociada” da exploração e degradação das condições de trabalho de muitos jornalistas.

Lusa 100% do Estado já reúne consenso nos partidos

Sobre a compra da totalidade da Lusa pelo Estado, Brilhante Dias disse que a mesma devia ser resolvida o mais rapidamente possível e lamentou que tal não tenha sido possível acontecer na presente legislatura.

“Não parece que haja forma de a agência noticiosa seja privada” disse Rodrigo Saraiva sobre este tema, defendendo que esta tem de ser detida pelo Estado. No entanto, alertou que disponibilizar o serviço da agência de forma totalmente gratuita a todos os meios de comunicação “pode ter efeitos bastante perversos”.

Sobre a Lusa, Pedro Filipe Soares considera que o Estado devia ter a sua propriedade plena e que o serviço da agência devia ser oferecido a todos, até porque “a reprodução de notícias não é o futuro para um meio de comunicação social. Achar isso é caricaturar o futuro”, disse em resposta às reservas mostradas pelo líder parlamentar da Iniciativa Liberal.

A representante do PCP também também apoia a ideia de que o Estado deve ter o controlo pleno da Lusa pelo que esta significa em termos “estratégicos” mas também pela sua ligação às comunidades e aos países de língua portuguesa. Paula Santos criticou ainda o porquê de não se ter avançado com a aquisição da totalidade da Lusa quando houve essa oportunidade, afirmando que “nem o PS nem o PSD tiveram essa vontade política”.

Eurico Brilhante Dias criticou ainda as diferenças salariais entre diferentes estratos hierárquicos dos órgãos de comunicação social, desde os trabalhadores precários aos diretores desses órgãos, defendendo que se deve questionar se isso é “saudável para a própria condução” destes meios.

Para o líder parlamentar da Iniciativa Liberal um dos problemas do jornalismo em Portugal é não conseguir “escalar”, defendendo uma política de Estado de valorização da língua portuguesa. Não se pode deixar de “olhar para a língua portuguesa naquele que é o seu valor económico”, defendeu. A promoção da literacia mediática, “porque as pessoas têm de perceber que a informação não é grátis”, foi outra das propostas do líder da IL.

A deputada do PCP, Paula Santos, defendeu ainda a necessidade de reforçar os organismos públicos de regulação, para que estes possam “conseguir dar cumprimento às suas obrigações e intervir mais rapidamente e eficazmente”.

O líder parlamentar do partido Chega, Pedro Pinto, também indicado no programa da sessão, não esteve presente.

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