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Marca Portugal: Rebranding em curso?

Carla Borges Ferreira,

O Governo quer uma nova ‘marca Portugal’. O que queremos para o país e como chegamos lá? Os especialistas apontam os desafios.

  • Este artigo é parte integrante da 9.ª edição do ECO magazine. Pode comprar aqui.

A marca Portugal é aspiracional? Faz sonhar? É um tema de todos os stakeholders? Transmite positividade? Mudar a resposta a estas quatro questões será uma meta para o ministro da Economia, que elenca estes quatro atributos como objetivo para a marca Portugal.

Se acreditamos que a marca é a chave de todo um posicionamento da economia — e é —, se queremos construir foco e um argumentário sustentável, então temos de encontrar uma estratégia transformacional nessa matéria. No dia em que o conseguirmos, certamente teremos capacidade para haver uma dinamização própria e essa será a chave da internacionalização”, afirmou Pedro Reis no final de maio, no congresso anual da Centromarca.

O tema “marca Portugal” voltou a merecer destaque em julho, quando o Governo apresentou o pacote de 60 medidas para “Acelerar a Economia”. O objetivo número 36 é claro: “Afirmar a marca Portugal no contexto global.” Para o fazer, a ideia será a “elaboração de um plano de ação para o desenvolvimento do conceito ‘Marca Portugal’ de forma transversal a todos os setores económicos do país, de maneira a afirmar os seus produtos e serviços com maior valor acrescentado nas cadeias globais”. O plano “será assente em dimensões como o conhecimento, inovação, segurança, criatividade, qualidade e sustentabilidade”.

Ora, se o objetivo parece claro, a execução é mais complexa. Cerca de dois meses e meio após o anúncio, o ‘caderno de encargos’ ainda não foi divulgado. “O Ministério da Economia está empenhado e comprometido com o desenvolvimento de uma proposta de valor robusta para fortalecer a marca Portugal num cenário global”, responde o ministério, quando questionado sobre a evolução da medida. “Estamos a trabalhar internamente, baseados nas melhores práticas implementadas em diversos setores exportadores, e lado a lado com alguns dos nossos organismos, em particular com a AICEP, na abordagem deste tema”, conclui.

Do plano de intenções à prática haverá então todo um caminho a percorrer, neste momento dominado por interrogações. Neste cenário, o que aconselham os especialistas?

Como alguém dizia, ‘o Diabo está sempre nos detalhes’… Um plano desta magnitude e com a ambição certa, não pode ser construído para durar uma legislatura. Nem uma década. Se queremos ser sérios na sua implementação e fazer algo que ultrapassa a medida de relações públicas para aparecer nas rubricas económicas das TV, rádios e imprensa, o plano deve ser coordenado e ajustado com as diversas forças políticas para que não seja posto em causa na próxima rotação de poder”, começa por defender João Santos, chief operating officer (COO) do WYgroup.

As dúvidas de João Santos fazem eco na opinião de Daniel Sá. “Honestamente, estou muito cético. Vale a pena recordar que este não é o primeiro Governo a pensar em criar e desenvolver a marca Portugal. No início dos anos 90, já o Governo propôs o mesmo e mais de 30 anos depois a gestão deste processo tem sido feita aos solavancos, ao sabor do vento e dos humores dos diferentes governantes”, recorda o diretor do IPAM, salientado que “a primeira medida deste Governo foi detonar o logo (da República) desenhado pelo Executivo anterior para repor o que existia previamente”. “Se dois governos não se entendem quanto a um logo, tenho sérias dúvidas que se mantenham consistentes sobre a marca Portugal”, nota o responsável da marketing business school.

Duarte Vilaça aplaude a intenção mas, tratando-se de um tema que “requer uma combinação de visão, coragem e consistência”, tem “todas as reservas” de que passe “do campo das intenções”. “O programa apresentado pelo Governo fala sobre turismo, sustentabilidade, tecnologia e conhecimento. Há muito a fazer nesses campos, mas diria que 70% dos países poderiam falar da mesma coisa. Sem uma visão estratégica não haverá marca possível.” E onde entra a coragem? “Olhe-se para o tema do turismo… A aposta feita há cerca de 10 anos no surf e golfe em detrimento de muitos outros clusters teve sucesso. A marca Portugal não pode ser um colecionável de virtudes. Tem que estar assente num set de valores relevantes para os territórios onde nos queremos posicionar, deixando outros de fora”, aponta o partner e chief creative officer da Born. Quanto à consistência? “Vigora em muitos casos a política da terra queimada. Novo Governo, nova estratégia. Enquanto isso se mantiver poderá falar-se em marca como algo orgânico, que resulta daquilo que dizem de nós pelo mundo fora, não numa estratégia de marca”, aponta.

Carlos Coelho, especialista em marcas, acredita que Portugal é uma marca com vitalidade, mas ainda com pouco valor real para a maioria dos portugueses. “Há uma dissonância entre a evolução que a marca do país tem tido e a capacidade de transformar esse sucesso em criação de riqueza concreta”, diz. “Somos vistos como um país mais moderno, mas continuamos a alimentar uma certa forma de estar servil, contentamo-nos em ser prestadores de serviços ou fazer componentes para as marcas dos outros; ou trabalhar para as melhores marcas do mundo quando, na verdade, deveríamos aspirar a criar algumas das melhores marcas do mundo, mas portuguesas”, defende o presidente da Ivity Brand Corp. Em suma, “a country is not a company”, resume Carlos Coelho, para realçar a ideia de que um país é “um agregado identitário que reúne, numa geografia, uma história e uma cultura que se expressa na economia”.

Os dois piores erros são acreditar que a marca é o começo de uma estratégia, quando no limite é um fim, e achar que a marca deve ser tudo, uma espécie de enumeração infinita de virtudes”, comenta Duarte Vilaça. “Parece-me que nada disto é visto como um todo. Por isso sobra o Sol, o Fado e o Cristiano Ronaldo…”, reforça.

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