As marcas têm de saber responder às mutações demográficas
As Marcas serão seguramente, pela adição de valor que proporcionam, uma forma de (re)conquistar o futuro, mas sem perder de vista o presente.
A evolução demográfica é – provavelmente – o maior desafio que, enquanto sociedade, atualmente enfrentamos. Um desafio que tem implícito um conjunto alargado de obstáculos para a sustentabilidade social e para o funcionamento da economia, mas também um leque amplo de oportunidades para produtos e serviços, para as marcas e o mercado.
O Eurostat divulgou, há poucas semanas, as suas mais recentes projeções, que perspetivam o desenvolvimento populacional até 2100 para 30 países europeus, os 27 Estados-Membros da UE e três países da EFTA (Islândia, Noruega e Suíça), usando, como ponto de partida, os dados referentes a 2022.
As projeções populacionais do Eurostat apontam para um crescimento ligeiro nos primeiros 5 anos, seguido por um declínio constante até o final do século, prevendo-se uma diminuição global a rondar os 28 milhões de pessoas (de 447 milhões para 419 milhões) entre 2022 e 2100.
E essa quebra acontecerá, não obstante a migração compensar uma parcela da chamada variação natural (ou seja, a diferença entre o número de nados-vivos e de óbitos) e o incremento do atual padrão de envelhecimento.
No caso de Portugal, as projeções não são mais otimistas – longe disso – com a idade média da população a superar os 52 anos, com a quebra de mais de 1% do peso do escalão dos mais jovens (dos 0 aos 14 anos) na população total, com menos de cinco pessoas em idade produtiva (15-64 anos) para cada três idosos, com o rácio de dependência dos jovens – que compara o número de crianças com o número de pessoas na população em idade produtiva – a ter o maior aumento da UE: quase 4%. E com o rácio de dependência dos idosos – que compara o número de maiores de 65 anos com aquele mesmo número de pessoas na população em idade produtiva – a ser um dos três maiores da UE e a exceder os 60%.
Mas o número que, provavelmente, nos transmitirá de forma mais impactante o inverno demográfico em que estamos mergulhados é o que projeta a já mencionada variação natural com mais 4 milhões de mortes do que nascimentos. Esta variação natural será, de acordo com as mesmas projeções, apenas parcialmente compensada pelo saldo migratório, que, em termos cumulativos, deverá rondar os 2,5 milhões de pessoas.
Ou seja, tendo o nosso país a capacidade de atrair e reter essa enorme quantidade de pessoas provenientes de outros países, ainda assim Portugal perderá até ao fim do século quase 1,5 milhões de habitantes, ou, se quisermos, mais de 15% do nosso atual mercado, o qual ‘albergará’, em 2100, mais de 35% de não nascidos no nosso país.
Uma verdadeira revolução!
Apesar disto, há que ter o cuidado de perceber que muitas das razões para aquela variação natural e para o fenómeno do envelhecimento populacional resultarem de alterações civilizacionais, algumas delas marcadamente positivas.
Alguns exemplos: a melhoria dos cuidados de saúde e o seu impacto em vidas mais longas e bastante mais saudáveis, uma alimentação mais cuidada, mais acessível e mais adequada, em especial em relação aos que precisam de um cuidado adicional (os mais novos e os mais velhos), um planeamento familiar mais efectivo, a valorização educacional e profissional da mulher, com percursos educativos mais longos e percursos profissionais cada vez mais exigentes ou a existência de sistemas de segurança social, apesar de tudo, hoje muito mais eficazes do que os que as gerações anteriores puderam beneficiar.
Mas é também fundamental analisar, do ponto de vista económico, as consequências para o futuro do país, resultantes das alterações demográficas ao nível, por exemplo, do investimento, da inovação, da criação de emprego, da adequação de competências ou do empreendedorismo, nunca esquecendo que um país envelhecido é um país tendencialmente insustentável, que provavelmente se transformará, a breve trecho, num país inviável…
Não é, pois, difícil antecipar o enorme impacto que a demografia terá no contexto socio-económico e nas perspetivas de evolução de todos os mercados e, por maioria de razão, do universo FMCG a operar em Portugal e especialmente vocacionado para ‘alimentar’ o mercado interno.
Já hoje a idade é um fator que influencia, de modo crescente, a forma como consumimos, estabelecendo certos padrões e linhas de conduta e mostram que a estrutura populacional tem forte impacto nas dinâmicas dos mercados, havendo um leque amplo de elementos associados aos diferentes grupos geracionais que deve ser considerado pelas marcas na comercialização dos seus produtos.
Por exemplo, a correlação entre o consumo e a saúde que aumenta com a idade, enquanto o prazer é um atributo transversal a todas as gerações.
A alteração da configuração da pirâmide etária e da estrutura da população implica mudanças nos mercados, pelo que as marcas devem adaptar-se da forma mais assertiva possível a estes câmbios.
Por exemplo, a redução da natalidade e o facto de haver menos crianças resultou numa quebra pronunciada de valor nos mercados dirigidos aos bebés, mas o aumento de animais domésticos nos últimos anos trouxe consigo um forte crescimento do mercado da alimentação dirigida aos animais de estimação.
A inovação pode desempenhar um papel muito relevante na resposta a estas dinâmicas, democratizando produtos e fazendo crescer mercados por meio do seu redirecionamento para grupos-alvo nunca anteriormente explorados.
As gerações mais jovens, por exemplo, à medida que entram no mercado de consumo empurram claramente fatores como conveniência, entrega, acesso ou sustentabilidade. Existem, para além disso, grupos de pessoas, no seio de cada geração, com interesses muito polarizados, com fortes diferenças ao nível do leque de necessidades, mas também em relação aos próprios hábitos de consumo.
Em suma, dar uma resposta positiva às mutações demográficas é, porventura, o desafio mais complexo que como país enfrentamos e se o diagnóstico, de uma forma por vezes excessivamente simplista, estará feito, já em relação às pistas de solução parece-me estarmos longe de uma verdadeira linha de orientação.
Apoios à natalidade? Discriminação fiscal positiva a partir do primeiro filho? Estabilização económica e criação de emprego? Captação dos fluxos migratórios? Fazer regressar ao país muitos dos que partiram para percursos profissionais e familiares no exterior? Tudo isto são mais frases feitas do que propriamente políticas públicas. De mais a mais, quando, em inúmeras situações, o Estado dá com uma mão o que tira com a outra, ou seja, promove duma forma o que inibe de outra.
Este é, efetivamente, um desafio para gerações, um desafio em que muito será exigido a quem nos sucede e em que apenas o somatório de decisões individuais inteligentes, mas solidárias, permitirá a minimização do problema.
Mas é igualmente crucial adaptar as nossas estruturas ao país que somos e ao país que seremos e perceber que sendo este um enorme problema e um sinal claro de decadência civilizacional, é também uma oportunidade para nos adequarmos aos desejos e necessidades daqueles que integram o Portugal de Hoje. E o Portugal de Hoje não pode ficar parado.
Pode dizer-se que o aumento da população à escala global oferece uma oportunidade para as nossas empresas e para os nossos produtos, mas não podemos negar que esse crescimento é, cada vez mais, o resultado de uma natalidade mais controlada associada a um aumento claro da esperança (e da qualidade) de vida.
Por outro lado, a sustentabilidade socioeconómica só é possível se o acréscimo da riqueza gerada pela via do que produzimos e vendemos mais do que compensar aquilo que cada um de nós aporta individualmente nos dias de hoje, e que forçosamente diminuirá com o envelhecimento da população. Para tal, é necessário produzirmos mais, produzirmos diferente e, essencialmente, produzirmos melhor, pois de outra forma essa riqueza por certo não nos irá cair no colo.
Há, por estes dias, uma atenção crescente do mercado e, em especial, do chamado setor do grande consumo, para a necessidade de adequar os seus produtos às exigências de um cada vez mais alargado grupo de consumidores. Hoje, os maiores de 50, em Portugal e para lá das nossas fronteiras, não são, como muitas vezes se ouve, um nicho de mercado. Hoje, os maiores de 50 são já o mais relevante segmento de mercado, um segmento potente, crescente e apetecível.
E são um segmento da população com necessidades específicas não apenas no que se refere às características intrínsecas do próprio produto, mas também, por exemplo, na forma como realiza os seus atos de compra ou ao nível da mobilidade ou das acessibilidades.
Se em muitos produtos, há que fazer uma adequação das suas características, embalagem ou forma de apresentação para ir de encontro às necessidades destes consumidores, noutros há que repensar completamente a oferta disponível ou desenvolver, de raiz, novos produtos.
Como igual atenção deve ser dada à crescente população imigrante. Se as projeções se concretizarem, serão, até ao fim do século, mais de 3 milhões aqueles que, vivendo em Portugal, serão originários de outros países, provenientes de outras matrizes culturais, dotados de hábitos de consumo distintos. E sim, há que os acolher e incluir na nossa sociedade, mas há que respeitar a sua identidade e dar resposta aos seus hábitos e às suas necessidades.
Este é um território de eleição para as Marcas.
Pela sua tradição e especialização, pela inovação dos seus produtos e das suas formas de comunicação, pela proximidade com o consumidor e pela capacidade de fazer parte das suas vidas, as Marcas poderão adquirir um espaço acrescido e serem, por excelência, um modelo de geração de riqueza, num mundo em que inovação, diferenciação e comunicação são as armas mais eficazes no combate à massificação, banalização e empobrecimento.
As Marcas serão seguramente, pela adição de valor que proporcionam, uma forma de (re)conquistar o futuro, mas sem perder de vista o presente.
As Marcas podem ajudar a que consigamos sobreviver às dificuldades que atualmente atravessamos, potenciando as exportações e promovendo uma substituição eficaz das importações.
As Marcas podem contribuir para condições de vida mais dignas para as gerações mais velhas, permitindo-lhes o acesso a produtos e serviços que até há pouco tempo lhes estavam vedados e que são verdadeiros indutores de uma melhor qualidade de vida.
As Marcas podem, finalmente, ajudar a reconstruir as expectativas das gerações vindouras, oferecendo-lhes a possibilidade de desenvolver trabalho qualificado e desafiando-as a explorar o seu espírito inovador e a sua criatividade, ajudando-as a retirar algum do enorme peso que temos vindo a colocar sucessivamente sobre os seus ombros.
Apostar nas Marcas e na consolidação das Marcas Portuguesas é, pois, apostar num Portugal melhor e num Portugal com mais futuro!
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
As marcas têm de saber responder às mutações demográficas
{{ noCommentsLabel }}