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Comunicação de sustentabilidade não deve ser “boazinha, paternalista, catastrofista ou enganosa”

Rafael Ascensão,

A ideia foi defendida no debate O desafio de comunicar sustentabilidade, no Estúdio ECO, com Judite Mota (CCO da VML), Marlene Gaspar (diretora da LLYC) e Susana Carvalho (partner da Earth Watchers).

“O desafio de comunicar sustentabilidade” decorreu no Estúdio ECO e juntou Judite Mota (CCO da VML), Marlene Gaspar (diretora-geral da LLYC) e Susana Carvalho (partner da Earth Watchers). Foi moderado por Carla Borges Ferreira (diretora executiva do +M) e Ana Batalha Oliveira (diretora executiva do Capital Verde).Hugo Amaral/ECO

Comunicar sustentabilidade é um “tipo de comunicação muito recente”, que exige grande educação e conhecimento por parte de todos os intervenientes – incluindo os criativos e marcas, defendeu Judite Mota, chief creative officer da VML.

Os criativos são quem tem de por o travão. Se os clientes não puserem, os criativos devem estar conscientes para pôr o travão, pois temos a responsabilidade de participar ativamente e de perceber quando se está muito perto de se dizer ‘inverdades’“, defendeu a responsável criativa da agência do grupo WPP.

Segundo Judite Mota, o risco de greenwashing e de desonestidade – às vezes involuntária – é gigantesco. “Faz mais sentido comunicar factos do que tentar encontrar um headline super criativo que pode induzir as pessoas em erro“, defendeu num encontro promovido pelo Capital Verde e reservado a parceiros fundadores da marca, acrescentando que no futuro, quando existirem mais certezas, se vai chegar a uma fase em que se poderá ser “altamente criativo”.

A chief creative officer da VML, agência que opera com este nome desde o início do ano, exemplificou com uma carrinha movida a energia elétrica que diga na lateral algo como “percorremos o mundo de forma verde”, o que “induz a uma conclusão que é completamente errónea”, pois embora possa ter um motor elétrico, continua a ter outros materiais poluentes e poucos sustentáveis.

Afirmando que “às vezes é melhor ser menos criativo e estar mais perto da verdade e honestidade”, Judite Mota defendeu que o momento certo para comunicar sustentabilidade é aquele em que se consiga ser “verdadeiro e claro, sem omissões”.

Judite Mota, CCO da VML entende que “às vezes é melhor ser menos criativo e estar mais perto da verdade e honestidade”.Hugo Amaral/ECO

Susana Carvalho, fundadora e partner da Earth Watchers, consultora na área da sustentabilidade, defendeu por seu turno que a comunicação de sustentabilidade tem de ser “normalizada”. No encontro “O desafio de comunicar sustentabilidade”, no Estúdio ECO, a responsável começou por dar a “receita” do que a comunicação de sustentabilidade não deve ser: “boazinha, paternalista, catastrofista ou enganosa”. A partir daí, deve fazer uso das diferentes ferramentas – como o humor, por exemplo -, para comunicar “de acordo com a situação e target” específicos.

Apontando desde logo que a palavra sustentabilidade “está muito gasta”, a partner da Earth Watchers argumentou que “a sustentabilidade devia estar no marketing“.

É um pouco como o digital há alguns anos, tínhamos a necessidade de dizer que tínhamos digital e que sabíamos fazer comunicação no digital, mas não, é comunicação. E a sustentabilidade é a mesma coisa. Não se tem de ter tudo produtos e serviços completamente sustentáveis – sim, há muito esforço para fazer -, mas diria que é tratar com normalidade, até termos mais produtos e serviços mais sustentáveis”, afirmou a profissional que foi CEO da J. Walter Thompson Portugal durante mais de duas décadas antes de se lançar num projeto próprio.

Susana Carvalho defendeu também que o desafio na comunicação de sustentabilidade – tal como acontece quando se comunicam dados – é conseguir fazê-lo de uma “forma interessante”. “O desafio é normalizar, no sentido de o discurso que é completamente hermético com muitos chavões ser mais simples“, disse, apontando que a “comunicação é sempre um reflexo do que é produzido”.

Segundo Susana Carvalho, fundadora e partner da Earth Watchers, a comunicação de sustentabilidade não deve ser “boazinha, paternalista, catastrofista ou enganosa”.Hugo Amaral/ECO

Já Marlene Gaspar, diretora-geral da LLYC, na opinião de quem a sustentabilidade “já está no marketing”, apontou a necessidade de se ser cada vez mais técnico em relação à sustentabilidade.

O que se exige cada vez mais é que haja mais conhecimento, até da parte legislativa“, disse, referindo que existe um antes e um depois da aprovação das diretivas europeias que visam proibir a utilização de alegações ambientais enganosas (vulgo greenwashing), estabelecendo regras claras para a forma como as empresas devem comprovar as suas alegações ambientais, o que “lança enormes desafios ao setor”.

Em relação aos criativos, existe um desafio muito grande, porque “tudo tem de ser mais rigoroso” e por ser necessário que dominem estes temas para não correrem o risco da prática de greenwashing.

Referindo que o principal é ser-se transparente, Marlene Gaspar defendeu a ideia de que não se deixa de ser criativo ou eficaz por se dizer que um produto ou marca é 30% mais sustentável e não totalmente sustentável. Temos que comunicar com clareza. A transparência é fundamental e agora a diretiva vai obrigá-lo“, defendeu.

À ideia então apontada por Judite Mota de que os jargões são também uma forma de fazer greenwashing, Susana Carvalho argumentou que “sempre houve hipérboles na publicidade” e que o que é necessário de existir agora é controlo e penalizações.

Susana Carvalho defendeu ainda que “há formas de fazer as coisas”, em termos de comunicar sustentabilidade, que não implicam a perda de negócio e com as quais se ganha a atenção do consumidor. “Não temos só que fazer campanhas, a publicidade não muda assim tanto comportamentos como eu pensava. A natureza humana é assim mesmo, não muda muito“, observou.

Judite Mota rebateu então que acredita que a publicidade consegue de facto mudar comportamentos, mas que primeiro muda perceções, sendo algo que “demora tempo”.

“Quando juntamos o earned media com o paid media chegamos muito mais rápido ao consumidor”, defendeu Marlene Gaspar, diretora-geral da LLYC.Hugo Amaral/ECO

Ambas concordaram com a ideia de que a mudança tem de começar antes, a montante, e que enquanto muitos comportamentos e ações por parte das marcas não forem alterados, a comunicação também não consegue mudar. Susana Carvalho sublinhou ainda a ideia de que a comunicação não são só campanhas e que há outros meios para dar mais informações e dados, quando se chegar a uma fase em que a mudança sustentável já esteja mais cimentada.

“Uma empresa que tenha uma linha de roupas produzida a partir de plástico retirado dos oceanos pode perfeitamente comunicá-lo com as mesmas ferramentas de outros tipos de comunicação. Tem é de dar mais números e mais dados, e para isso é que há rótulos, imprensa e outras coisas. Na imprensa podemos ter mais texto, no outdoor temos headlines… é utilizar os mesmos princípios com tudo o que for novidade e não tratar o assunto como uma coisa tão técnica”, explicou.

Por seu lado, Marlene Gaspar defendeu que a comunicação – onde está incluída a publicidade – muda comportamentos. Não são só os anúncios, argumentou, mas tudo o resto – o que vai de presenças nas escolas à imprensa e a diversos outros tipos de comunicação – que permitem esta mudança, reforçando novamente a importância fundamental da literacia em sustentabilidade em toda a hierarquia de uma empresa, para que esta possa depois também chegar ao consumidor. Quando juntamos o earned media com o paid media chegamos muito mais rápido ao consumidor“, resumiu.

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