“Não há aqui cartas escondidas na Global Media. O acionista é o fundo”
José Paulo Fafe, CEO do grupo que tem o JN, a TSF e o DN, explica a forma como o fundo entrou no capital, mas não identifica quem está por detrás. E ataca a Impresa e o Público.
“Um dia, uma pessoa minha amiga, ligada ao mundo financeiro, disse-me ‘aquela sua ideia, estou farto de pensar nisso’. Ainda no outro da estive com uns tipos ligados a um fundo, na Suíça, que iam investir no Leste, no setor dos media e digital, e com esta confusão não foram para lá. Porque é que não vai falar com eles? Arranjo-lhe uma reunião’.” Foi assim que José Paulo Fafe, CEO do Global Media Group, conta que se proporcionou o seu primeiro encontro com responsáveis da gestora de fundos Union Capital Group (UCAP), que culminou na compra de uma posição que lhe permite controlar o grupo dono do Diário de Notícias, TSF ou Jornal de Notícias. “Estamos a falar de um fundo em que a sociedade gestora gere um capital de 34 mil milhões, não é propriamente ali o tipo da esquina”, reforça.
A ideia que levou, segundo conta, a Genève já é antiga. “Sempre tive esta ideia, já falei nisso várias vezes a várias pessoas ao longo dos últimos 20 anos. Sempre disse, no dia em que nos preocuparmos com 300 milhões de falantes – não são leitores, são falantes -, se alguém fizer um grupo assumindo que somos a quinta língua mais falada do mundo, há espaço. Sempre defendi isso.” E porque é que um grupo português podia ser bem sucedido? “As pessoas procuram a informação fora, porque não acreditam na informação que têm dentro. A explicação é essa, não é outra”, resume.
O ponto de partida é então um grupo com receitas de 33 milhões de euros e custos de 40 milhões, um processo de reestruturação em curso e muitas insinuações sobre a identidade e motivações do novo investidor. “Acho que há uma grande hipocrisia em Portugal. Eu sei porque é que há esta obsessão com o fundo, é porque foi a única entidade que nos últimos anos investiu nos media em Portugal”, atira José Paulo Fafe.
Fala com frequência em evitar a falência do grupo e o encerramento de títulos.
O grupo só ainda não fechou porque o Marco Galinha nos últimos anos pôs aqui dinheiro.
São as únicas alternativas? Houve, por exemplo, a tentativa de vender títulos?
Não sei.
Marco Galinha entrou no final de 2020 e houve um despedimento coletivo. Passado um ano, em janeiro de 2022, era anunciado que os números de 2021 eram muito bons, que tinha havido uma grande recuperação e a faturação tinha crescido para os 35 milhões. Passado uns meses, no verão, foi aberto um programa de rescisões e anunciado que a situação se tinha complicado.
Só sei falar dos números de agora. As receitas são 33 milhões e os custos 40 milhões, faltam sete milhões para equilibrar. Em cinco anos este grupo perdeu praticamente 40 milhões de euros.
O vosso objetivo é crescer no mercado da língua portuguesa. Há projetos para lançar marcas no Brasil?
O projeto é ter um braço brasileiro. Não sei quando nem sei exatamente qual. Há várias ideias, mas não vou falar delas. Se já tenho a concorrência assanhada como tenho, imagine quando falar do Brasil. Vai ter inevitavelmente um braço brasileiro, não lhe sei dizer qual, porque não está decidido.
E em Angola?
Angola também.
Mas estão a pensar lançar lá um título?
Estamos a pensar lançar um título dirigido a Angola. Pode ser um dos títulos existentes. E há outros títulos que estão adormecidos. Nada diz que não possamos relançar o 24 Horas.
O 24 horas da era Alexandre Pais é possível hoje em dia. Um jornal ligeiro, light, acho que tem espaço.
Era uma das ideias, confirma?
Pessoalmente, tenho isso em mente, mas muito para um nicho. Muito na área do entretenimento, televisão, redes sociais. Conheço bem o 24 Horas, fui um dos fundadores. Para mim teve duas grandes fases, a do Jorge Morais e a do Alexandre Pais, são os dois grandes períodos. O 24 Horas da era Alexandre Pais é possível hoje em dia. Um jornal ligeiro, light, que tem espaço. Só falo disso porque a concorrência está tão ou mais aflita do que nós e não tem capacidade para lançar um concorrente do 24 Horas.
A concorrência é quem? Refere-se à Impresa?
Por exemplo. Tem uma dívida de mais de 140 milhões à banca e ninguém fala disso. Está a despedir e ninguém fala.
Não está a despedir 150 a 200 pessoas.
Não? Veja nos relatórios e contas dos últimos anos quanto é que têm para despedimentos. Venderam também o prédio e ninguém falou.
Foi muito falado, na altura.
Acha que o Público está bem? Há quantos anos é que perde dinheiro? E porque é que existe? Em nome de quê? E é engraçado que as pessoas que escrevem no Público, e que são grandes defensores dos jornalistas, não se preocupam em serem pagos por um grupo de distribuição que trata os trabalhadores como trata, dizem – todos os grupos de distribuição têm questões desse tipo. Esses vultos dos direitos, com isso não se preocupam. Acho que há uma grande hipocrisia em Portugal. Eu sei porque é que há esta obsessão com o fundo, é porque foi a única entidade que nos últimos anos investiu nos media em Portugal.
É como em relação ao Alpac, houve sucessivas acusações. Porquê? Porque há quem esteja acomodado, quem se julgue indispensável no setor dos media em Portugal, há 50 anos que se julga indispensável, e não gosta de ver que há investimento. Gostava de ter esse investimento no grupo dele, mas não tem. E não gosta, eu percebo. Estou a falar do Dr. Balsemão. Está numa posição de aparente liderança e não gosta de ver que chega um fundo húngaro e investe cá, depois chega o World Opportunity Fund que investe X, e não gosta. Gostaria mais que investissem no grupo dele e se calhar até fez por isso.
Mas acha mesmo que há alguma perseguição do grupo Impresa?
O Dr. Balsemão não gosta de ser incomodado, está no seu direito. Eu comecei no jornalismo pela mão do Dr. Balsemão, portanto estou à vontade. Tenho simpatia pessoal, mas não confundo as coisas. Agora, o Dr. Balsemão comporta-se como se fosse indispensável ao setor dos media. Não é.
Acho que há uma grande hipocrisia em Portugal. Eu sei porque é que há esta obsessão com o fundo, é porque foi a única entidade que nos últimos anos investiu nos media em Portugal.
Porquê? Porque é que diz que se comporta dessa forma?
Basta ver a forma como o Expresso trata a concorrência. Mas acha que o Dr. Balsemão não mete prego nem estopa no Expresso? Não, claro que não… Eu trabalhei no Expresso. Veja a Lusa, é o jazigo pessoal do Dr. Balsemão. Quando se quer ver livre de alguém, põe-nos na Lusa. Essa é a verdade, não tem mal nenhum. Eu percebo o Dr. Balsemão, a quem a imprensa portuguesa deve alguma coisa, tem imensos méritos e ninguém os tira, longe de mim. Mas há uma coisa, nós não somos todos empregados do Dr. Balsemão, nem andamos a reboque. Quem está nos media tem vida própria, com todo o respeito que o Dr. Balsemão merece. Nós saímos da Plataforma dos Media Privados (PMP) porque aquilo, aliás nas palavras que Luís Nazaré me disse, “tens que perceber que isto é um clube”. Mas é um clube porquê?
Saíram agora?
Saímos. O Dr. Balsemão estava tão preocupado que eu fosse às reuniões, expressou-o publicamente, que fiz-lhe a vontade, saindo da Plataforma.
Há várias insinuações sobre quem está por trás do fundo. Como é que responde? Quem são os donos?
Vou dizer quem já ouvi. Lula, mulher do Lula, Zé Dirceu, um empresário que é o Menin, dono da CNN Brasil, isto no Brasil. Depois já ouvi o chefe de gabinete do Trump, nos EUA, o Sócrates, que é extraordinário, ouvi o George Soros e ouvi os serviços secretos espanhóis, que é a melhor de todas. Houve quem tivesse criado e quem tivesse ajudado a veicular esses boatos.
E aí refere-se a Marcelo Rebelo de Sousa?
Refiro. Mas digo-o tranquilamente, porque já lhe disse a ele, tanto por mensagem escrita como pessoalmente. No último encontro que tive com ele, disse-lhe que achava excessivo o interesse que tinha mostrado pelo negócio de aquisição do controlo de gestão. Disse à frente do chefe da Casa Civil e de dois colegas meus da administração. Disse que achava excessivo e expliquei a história do negócio e quem estaria envolvido. E ele ouviu e disse “eu estava mal informado, pelos vistos”. E assim ficou.
Vou dizer quem já ouvi. Lula, mulher do Lula, Zé Dirceu, um empresário que é o Menin, dono da CNN Brasil, isto no Brasil. Depois já ouvi o chefe de gabinete do Trump, nos EUA, o Sócrates, que é extraordinário, ouvi o George Soros e ouvi os serviços secretos espanhóis, que é a melhor de todas.
E quem está envolvido no negócio?
Ninguém. “Vamos lá ver”, como diz o Dr. Costa, nós sabemos que o mercado português não é apetecível para ninguém. É um mercado exíguo, pequeno…
Certo. E porque é que um fundo das Bahamas teria interesse em investir num grupo de media em Portugal?
Digo-lhe como é que isto nasceu, foi de uma forma tão simples. Eu estive entre cá e o Brasil durante oito anos, a fazer uma coisa que me deu muito gozo, até um determinado momento da minha vida.
Marketing político?
Sim. E eu sou um consumidor louco de jornais, adoro papel. Estou desfasado no tempo, mas ainda hoje adoro, leio tudo. No Brasil tínhamos um grande jornal que era a Folha de São Paulo, tivemos uma grande revista que era a Veja. E eu sempre achei que uma coisa que falta no Brasil é: as pessoas não acreditam na imprensa.
Se vir os números do digital deste grupo, no “top 5” das cidades que mais leem o DN, o JN e O Jogo, e que mais ouvem a TSF, está sempre São Paulo e Rio, e Luanda. E isso porquê? As pessoas procuram a informação fora, porque não acreditam na informação que têm dentro. A explicação é essa, não é outra. Luanda chega a a estar à frente de Lisboa e do Porto, é muito engraçado.
E sempre achei que um grupo para o mercado da língua portuguesa, basicamente Angola e Moçambique – Brasil não tanto, também não vamos sonhar muito alto, temos que ser realistas -, que tivesse títulos com prestigio nesses países, permitia fazer um grupo e tinha margem de crescimento.
Sempre tive esta ideia, já falei nisso várias vezes a várias pessoas ao longo dos últimos 20 anos. Sempre disse, no dia em que nos preocuparmos com 300 milhões de falantes – não são leitores, são falantes -, se alguém fizer um grupo assumindo que somos a quinta língua mais falada do mundo, há espaço. Sempre defendi isso.
Um dia, uma pessoa minha amiga, ligada ao mundo financeiro, disse-me “aquela sua ideia, estou farto de pensar nisso. Ainda no outro da estive com uns tipos ligados a um fundo, na Suíça, que iam investir no Leste, no setor dos media e digital, e com esta confusão não foram para lá. Porque é que não vai falar com eles? Arranjo-lhe uma reunião.”
Essa conversa foi quando?
Há um ano e pouco.
Esse seu amigo é português?
Sim, é português, mas anda pelo mundo. O mundo dele é financeiro, não tem nada a ver com jornais.
Nem com política?
Nem com política, rigorosamente a leste. E um dia pergunta-me se quero ir a Genève na semana seguinte. E eu respondi que sim. E fui. Não levava nada escrito. Fui falar com duas pessoas da UCAP, que é quem gere o fundo, e expliquei-lhes por alto. Foi numa terça-feira à tarde. Quando aquilo estava a acabar, um deles pergunta-me quando é que me vou embora. Respondi que ia no dia a seguir de manhã e perguntou-me se podia pedir para ficar até ao final do dia, porque gostava de ter outra reunião comigo e gostava que outra pessoa do fundo me ouvisse. Pediu-me para pôr num papelinho o que tínhamos falado.
Saí de lá entusiasmado. Fui para o hotel, fiz o papelinho, imprimi, dobrei o A4 e guardei-o para a manhã seguinte, às 11h. Fui para a reunião, onde estava mais uma pessoa, com quem falei, expliquei-lhe e a pergunta que me fizeram foi “que grupo em Portugal é que está à venda?”. E eu disse “todos. Não há grupo que não esteja à venda, é tudo uma questão de nos sentarmos”.
E ele pergunta “e que grupo é que acha que tem mais potencial para se fazer uma operação deste tipo”. E eu respondi claramente a Global Media. Por três razões, tem títulos nesta senda que mais ninguém tem. O DN, a TSF, o JN e O Jogo, por esta ordem. Segundo, não tem dívida bancária, que é uma coisa que grande parte dos grupos tem. Terceira, eu tenho uma boa relação com o homem que controla a gestão daquilo e sei que ele está recetivo, nem que seja a uma parceria.
Uma boa relação com Marco Galinha.
Sim. Conheço-o aí há dez anos e quando comprou o grupo pediu para falar comigo e perguntou o que é que faria ao grupo. E eu respondi que poria o DN rapidamente em banca novamente. Perguntou se queria ir trabalhar com ele, respondi que não porque estava noutra coisa, mas que ajudaria no que precisasse. O único conselho que lhe dei foi para pôr novamente o DN nas bancas, porque achava que as pessoas iriam gostar.
Que foi uma das primeiras coisas que fez.
E ia fazer uma grande campanha de publicidade, que não foi feita porque acima de Coimbra descobriram que havia mupis com o DN, mandaram tirar e substituir pelo JN. Adiante. E assim foi. Comecei a falar com o Marco Galinha, foi um negócio muito difícil, o Marco Galinha é muito complicado a negociar. Estica, estica, estica. E chegámos a um acordo, em maio ou junho.
Esta é a história. É só esta, não há mais nada. Tudo o que foi dito, tudo o que fomentaram, todas as especulações que criaram são, no mínimo, ridículas
A primeira reunião foi quando?
Há um ano. A primeira reunião com os advogados foi em novembro, com os nossos. São advogados que têm escritório em Macau e cá, porque como havia um acionista em Macau preferi contratar advogados com escritório também lá.
Esta é a história. É só esta, não há mais nada. Tudo o que foi dito, tudo o que fomentaram, todas as especulações que criaram são, no mínimo, ridículas. Porquê o Lula? Se tenho boas relações no Brasil? Tenho. Sou amigo do Zé Dirceu, como sou amigo de outros, muito mais à direita. O Brasil tem essa grande vantagem, apesar de parecer que não, no fim do dia toda a gente se dá bem. Porque é que falaram do Menin? Não faço ideia.
De Sócrates?
Não faço ideia. Mas estou à vontade, na Visão, há não sei quantos anos, até diziam que era um dos artífices da história do Freeport, envolvendo o Sócrates. Conheço o Sócrates, estive com ele duas ou três vezes, não tenho qualquer ligação ao Sócrates. Pelo contrário, sempre estive do outro lado.
Também já se ouviu falar “do outro lado”…
Do PSD nunca tinha ouvido e é extraordinário, até pensando no comportamento que têm tido com a Global Media. Mas conheço muita gente, meti-me na política aos 14 anos.
Reporta ao quem?
Eu reporto ao fundo.
A quem?
Ao sr. Ducasse ou a quem ele entender. É a quem reporto e com quem eu falo. É que é tudo tão simples, não há aqui cartas escondidas. Agora, a ERC dedica uma atenção à Global Media e ao fundo que também podia dedicar a outros fundos que estão na imprensa portuguesa. A Imprensa tem lá fundos, a Newsplex também. Não há mal nenhum, mas qual é o mal?
É suposto saber-se, de acordo com a Lei da Transparência dos media, quem são os donos dos órgãos de comunicação social.
Está bem, tudo bem. É um fundo, tem um beneficiário efetivo, está tudo registado, foi tudo entregue. Agora virem pedir a identificação dos detentores de unidades de participação de um fundo? É uma coisa de doidos. Não me pergunte quantos depositantes tem o fundo, porque não lhe sei dizer. Três mil, 10 mil? Primeiro, nem o fundo os pode identificar, depois seria impensável.
Daqui a quanto tempo é que o fundo prevê recuperar algum do investimento que fez na GM?
Vou ser muito sincero, o fundo não prevê recuperar investimento enquanto não “atacarmos” a questão do mercado da língua portuguesa, que é onde podemos ter algum retorno. Mas deixe-me dizer, temos custos reputacionais todos os dias, qualquer notícia tem custos reputacionais. Quando há aí um tipo de um site, que trata do presidente do fundo da forma que trata…
O Página Um.
Sim. Quem não se sente não é filho de nova gente. Mas isto aconteceu com todos. Olhe o que aconteceu com o Alpac, com os próprios sócios da Global Media, que ainda são sócios: o Kevin Ho era dinheiro do jogo, o José Pedro Soeiro era dinheiro roubado da Sonangol ou não sei de onde. A estratégia é sempre a mesma. Difamar e caluniar quem investe nos media em Portugal. E as pessoas fartam-se. Estão a levar pancada todos os dias, a propósito e a despropósito. A propósito não sei de quê, mas a despropósito é certamente.
Há um momento em que as pessoas dizem “já chega”. Oxalá esse momento nunca chegue, mas não me espantava que um dia alguém dissesse “acabou, quero lá saber do dinheiro que perdi”.
Estamos a falar de um fundo em que a sociedade gestora gere um capital de 34 mil milhões, não é propriamente ali o tipo da esquina. Isto é uma experiência dura, não é nada fácil. Mas enfim, vamos fazer o melhor que soubermos e pudermos. É a única coisa que posso prometer.
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