A idade e a publicidade
O mercado e os anunciantes são obcecados com a juventude. E os consumidores são cada vez mais velhos. Esta obsessão é um tiro ao lado do mercado mais lucrativo e com maior potencial de crescimento.
Numa entrevista recente, um senhor que é o chefe máximo de um dos principais grupos de agências de publicidade do mundo, afirmou que a maioria dos funcionários das várias agências desse grupo tinham menos de 30 anos, e acrescentou “ainda bem”.
Esse senhor quis parecer moderninho e dar a entender que ninguém com mais de 30 anos consegue criar no mundo atual dominado pelo digital. O que ele não disse é que as suas agências têm maioritariamente menores de 30 pois são os que ganham menos e trabalham mais horas. É um processo de cortar custos e colocar cada vez mais juniores à frente das agências, o que tem dado campo para que as consultoras cresçam. As consultoras, por seu lado, sabem que os anunciantes preferem falar com pessoas experientes e não com juniores que se limitam a tomar notas. É por isso que cada vez mais as agências de publicidade perdem relevância junto dos anunciantes.
Este tipo de comentário reforça os preconceitos sobre a idade. Num mundo que se quer mais inclusivo, este género de comentários preconceituosos deveria ser condenado. Quantos dos grandes empreendedores não começaram os seus negócios depois dos 30 anos?
O facto de quem fez o comentário ter ele próprio mais de 50 anos, não abona muito a favor do seu raciocínio. Eu também tenho mais de 50 anos e nunca tive vergonha disso, antes pelo contrário, adoro mostrar aos “putos” lá da agência que eles ainda vão ter de pedalar muito para criarem o que eu ainda crio ou já criei. E muitas das campanhas que criei recentemente têm por base o digital.
Esse tipo de declaração revela o preconceito generalizado que existe em relação aos profissionais mais velhos na publicidade e no mercado de trabalho em geral. Mas no caso da publicidade, esta afirmação ainda é mais estúpida. David Ogilvy, um dos maiores publicitários da história, escreveu o seu primeiro anúncio com 39 anos e ainda esteve os 25 anos seguintes a revolucionar a publicidade.
No meu caso pessoal, abri a minha primeira agência (Uzina) com 37 anos e a segunda (Mosca) com 50 anos. E, acredito que depois dos 50 tenho criado algumas das minhas melhores campanhas (Porto Velhotes, Café Império, Licor Beirão, Iniciativa Liberal, etc..).
Na minha agência temos uma equipa que reflete a diversidade da nossa sociedade em termos etários. Temos criativos mais experientes e temos jovens criativos sem grande experiência mas com vontade de mudar o mundo. A força da agência tem de vir desse mix. Dos que são nativos do digital e dos imigrantes para o digital, como é o meu caso. Mas o mais importante é acreditar no poder da ideia e uma boa ideia pode vir de qualquer um. Beethoven escreveu as suas melhores sinfonias já com uma idade avançada. A criatividade não desaparece com a idade, antes pelo contrário, a experiência ajuda a criatividade pois dá segurança ao criativo.
Mas, o mercado e os anunciantes são obcecados com a juventude. E, no entanto, os consumidores são cada vez mais velhos. Como é que um criativo de 24 anos pode imaginar o que pensa um consumidor de 40 ou 50 anos, se ele próprio nunca viveu essa experiência? Os bons criativos têm de se colocar na mente do seu público-alvo. Embora todos já tenhamos sido jovens, nem todos nos imaginamos idosos. Por isso, não faz muito sentido campanhas criadas por jovens inexperientes a dar conselhos a pessoas mais velhas. O que acontece normalmente são campanhas à volta de clichês sobre o que significa ter mais de 40 ou 50 anos.
Os próprios marketeers ainda não perceberam que as pessoas mais velhas não são tão fiéis às marcas e que podem mudar. E é acima dos 45 anos que está o maior poder de compra. É acima dos 40 anos que as pessoas se sentem cada vez mais saudáveis e que não querem as marcas a tratá-las como incapazes ou que sejam condescendentes e paternalistas na sua comunicação. É uma geração de “idosos jovens” com vontade de estar ativa, viajar e experimentar novas sensações.
Esta obsessão com a juventude é um tiro ao lado do mercado mais lucrativo e com maior potencial de crescimento.
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