Cannes Lions 71: Da experimentação à transformação
O Cannes Lions consolidou-se uma vez mais como palco de celebração e reflexão sobre o panorama atual e futuro da indústria criativa. Dos vários temas que centralizaram as discussões, destaco alguns.
A edição 2024 do Festival de Criatividade Cannes Lions que decorreu durante cinco dias intensos, consolidou-se, uma vez mais, como palco de celebração e reflexão sobre o panorama atual e futuro da indústria criativa.
Para além da premiação das campanhas mais marcantes do último ano, o evento reuniu uma multiplicidade de vozes, desde economistas e cientistas até realizadores, atletas e até mesmo monges, que partilharam diferentes perspetivas sobre os desafios e as oportunidades que a indústria enfrenta, num momento de profunda transformação.
Enquanto as agências tradicionais tiveram presença mais discreta, os gigantes da tecnologia, como Amazon, Meta, Google, Tik Tok, robustecem cada vez mais a sua presença em Cannes. Através de diversas sessões, apresentaram novos paradigmas tecnológicos para a comunicação publicitária, bem como as múltiplas facetas da nova media digital impulsionada pela inteligência artificial.
O LinkedIn também se destacou com uma forte presença no rooftop do Hotel Carlton. Pela primeira vez convidou influenciadores B2B, para quem a plataforma valoriza mais a consistência e relevância do conteúdo publicado, em detrimento do número de seguidores. O objetivo é reforçar a mensagem de que o LinkedIn é muito mais do que uma rede social para pesquisa de emprego, é acima de tudo uma plataforma para partilha de ideias e conhecimento.
Foi também no espaço LinkedIn, que o tema sobre a importância dos Chief Marketing Officers (CMOs) foi amplamente debatido. Nos últimos anos os CMOs perderam protagonismo nas decisões estratégicas das empresas, deixaram de ter “lugar à mesa”, nas reuniões de administração. O debate em Cannes indicou um retomar da sua importância como líderes na definição da identidade e cultura das marcas num mundo cada vez mais digital e complexo.
Dos vários temas que centralizaram as discussões, destaco alguns.
“Creator Economy”
Segundo a Goldman Sachs, em 2023, esta economia já representava 250 mil milhões de dólares em receita, podendo atingir os 480 mil milhões até 2027. Os criadores de conteúdos e influenciadores tiveram a sua maior participação de sempre em Cannes.
Dois fatores contribuíram para isso:
- Creator Pass: O festival em colaboração com a Viral Nation (líder em agenciamento de influenciadores) lançou um passe especial – Creators Pass– e um programa feito à medida que decorreu durante a semana no rooftop do Palais. Diversos painéis exploraram o potencial de uma nova era do marketing de influência, onde foram debatidos temas como a monetização de conteúdos, as parcerias com marcas, a construção de novas culturas e de comunidades on-line, e a sua influência no futuro do trabalho criativo.
- A nova data da Vidcon: A Vidcon, um dos maiores eventos para influenciadores, não coincidiu com as datas do festival este ano. Ao contrário do evento na Califórnia, onde os influenciadores se encontram maioritariamente com os fãs, em Cannes encontraram-se com as marcas para fazer negócio.
Inteligência Artificial
Pelo segundo ano consecutivo, a IA Generativa volta a dominar o palco. Apesar de estarmos ainda no início de uma nova era, passámos já da experimentação à transformação. Tanto as agências, como os anunciantes, diante do leque de novas possibilidades que a IA oferece, demonstraram claramente que há já uma profunda e crescente adoção desta ferramenta no seu dia a dia.
Investimentos anunciados em IA:
- Havas: O CEO da Havas, Yannick Bolloré, anunciou em Cannes um investimento de 400 milhões de euros em tecnologia nos próximos quatro anos.
- WPP: A WPP, que já havia anunciado investimentos milionários anteriormente, apresentou uma plataforma – Production Studio – que utiliza IA para a criação de conteúdo e produtos 3D. A empresa também anunciou uma parceria com a IBM para a criação de um projeto com IA destinado a profissionais de marketing B2B.
IA nas campanhas premiadas:
- WoMen’s Football: Um anúncio de dois minutos criado pela Marcel Paris para a empresa de telecomunicações Orange, que utilizou tecnologia deepfake para confrontar os espectadores com seus próprios preconceitos (muitas vezes inconscientes) em relação ao desporto feminino, que para além de outros prémios ganhou o Grande Prémio em duas categorias (Film e Entertainment Lions for Sport).
- Handshake Hunt: Criada pela GUT de São Paulo para a empresa de comércio eletrónico Mercado Libre, que ganhou o Grande Prémio de Media. Esta campanha notabilizou-se pela forma criativa e inovadora de usar a televisão. Para se diferenciar da concorrência habitual, no período da Black Friday trabalharam com a TV Globo, para rastrear os apertos de mão nos vários programas do canal (rastrearam cerca de 2.000) os quais eram depois emparelhados com um QR code exclusivo e que digitalizado pelo espetador oferecia cupões de desconto.
Para além destas campanhas muitas outras têm nos seus créditos o recurso a IA. Estas duas são um bom exemplo de que sem a inteligência artificial não seriam possíveis.
Esta “colaboração” entre máquinas e humanos está, no entanto, a causar alguma ansiedade, devido ao ritmo acelerado de mudança e de incerteza. Muitos receiam em não conseguir acompanhar, ou não saber adequar o algoritmo certo à sua realidade. O que vem de encontro à afirmação do CCO da Creyentes, Lucas Panizza: “A IA é como um carro de fórmula 1, uns sabem guiá-lo, outros estampam-se na primeira esquina”.
Humor
Apesar dos resultados comprovados, o uso do humor e da sátira na publicidade tem sofrido um forte declínio nos últimos anos. Uma das principais razões é o medo de que o humor não seja adequado ao clima sério e complexo do mundo atual.
No entanto, como ouvimos em Cannes este ano (tema que já vinha da edição de 2023), é precisamente neste contexto que as marcas, quase como a cumprir uma função social, devem voltar ao advertainment. Segundo um estudo da Forbes, 85% dos consumidores dizem que são mais propensos a comprar um produto, se o anúncio os divertir. Os anúncios bem-humorados têm maior poder de persuasão, são diferenciadores na comunicação, têm maior memorização e humaniza a marca.
Reconhecendo a importância do humor, o próprio festival introduziu-o na arquitetura dos prémios, em 13 subcategorias. Na sessão da VML -“Ready To Laugh Again“-, o comediante e produtor Kenan Thompson, defendeu o humor como uma ferramenta para ajudar as pessoas a superar momentos difíceis e notícias deprimentes, afirmando que “uma boa gargalhada é o melhor remédio”.
Um bom exemplo é a campanha “The Last Barf Bag” para a Dramamine (comprimidos anti náusea) criada pela FCB de Chicago que nesta edição ganhou o Grande Prémio na categoria de Health & Wellness
Elon Musk
Uma das sessões mais concorridas do Cannes Lions foi, sem dúvida, a da WPP, – “Exploring The New Frontiers of Innovation” -, que teve como protagonista o “maverick” da tecnologia, Elon Musk. Logo de início, questionado sobre seu polémico comentário dirigido no passado aos anunciantes (que se F*…) esclareceu que sua crítica não se dirigia a todos, mas sim àqueles que querem limitar a liberdade de expressão e adotam uma postura inquisitiva.
Durante a sessão, Musk referiu estarmos a viver um dos momentos mais interessantes da história com o poder da tecnologia e o impacto da Inteligência Artificial na criatividade e nos negócios. Defendeu a necessidade de criar civilizações multiplanetárias, e robots para libertarem os humanos do trabalho, um tema recorrente nas suas visões futurísticas.
Sobre o impacto da IA no futuro, disse concordar com o Geoff Hinton em relação à probabilidade de 10% a 20% para que as coisas possam correr mal, mas ainda assim há 80% de probabilidade de correrem bem.
Apesar de ter no passado declarado a sua preferência por receitas provenientes de assinaturas em detrimento da publicidade, a presença de Musk em Cannes foi interpretada como uma estratégia para estreitar relações com os anunciantes. Essa aproximação foi evidenciada com a sua presença, na Sport Beach da Stagwell, para reuniões privadas com alguns CMOs e também na festa exclusiva organizada pela consultora MediaLink no Hotel-Du-Cap em Antibes, acompanhado pela CEO do X, Linda Yaccarino, onde o artista convidado foi Lenny Kravitz.
Prémios
Apesar de pequeno recuo no número total de trabalhos inscritos no festival (menos de 0,9%), foi interessante observar o aumento de 6% nas inscrições feitas diretamente pelos anunciantes.
As campanhas mais premiadas foram claramente aquelas que mais do que vender um produto, procuraram solucionar necessidades; são exemplo disso algumas campanhas como:
- “Cars for Work” criada pela Publicis Paris para a Renault e que entre outros prémios ganhou dois Grandes Prémios (nas categorias de “Creative Commerce” e “Sustainable Development Goals”);
- “Transition Body Lotion” criada pela Ogilvy de Singapura para a Unilever, ganhou o Grande Prémio na categoria de” Glass|Lion for Change”;
- “SightWalks”_ criada pela Circus Grey do Perú para Cemento Sol, ganhou o Grande Prémio em “Design”.
Destaco por último as campanhas:
- “Pay it Safe” que ganhou Grande Prémio de Filme, criada pela The Monkeys |Accenture Song de Sidney para celebrar os 50 Anos da Ópera de Sidney. Mais do que um anúncio, este filme de mais de quatro minutos é uma ode à criatividade, que nos prende ao ecrã do início ao fim;
- “Magnetic Stories”, criada pela AREA 23, para Siemens Healthineers ganhou o Grande Prémio na categoria de “Pharma”, para além de muitos outros prémios (um Leão de Ouro, dois Leões de Prata, três Leões de Bronze e quinze shortlists). Esta campanha tem nos seus créditos a produtora portuguesa BRO e o Viton Araujo (SVP Creative Director na AREA 23), que com este prémio soma já dois Grandes Prémios na sua carreira. Este último pontuou para os EUA, mas o seu primeiro pontuou para Portugal, com Grande Prémio em Design na edição de 2022. O “Magnetic Stories” é um projeto notável, implementado nos hospitais da Cuf em Portugal e que consiste numa coleção única de audiolivros que transformam os ruídos assustadores da ressonância magnética numa experiência de entretenimento única, para os pacientes mais jovens.
Portugal
Só temos que parabenizar as agências BarOgilvy por ter ganho um Leão de Bronze, e duas shortlists, a Dentsu Creative três shortlists, a Judas, a Coming Soon e Havas com uma shortlist, e os seus clientes, o Jardim Zoológico, a Meo, a Betclic e a Amnistia Portugal, o que contribuiu para que Portugal ocupe a 33ª posição no ranking 2024, composto por 92 países.
Apesar dos resultados desta edição na secção principal do festival não terem igualado os do ano passado, não poderemos dizer que foi um mau ano para Portugal. Importa lembrar que só 10 % dos trabalhos inscritos conseguem ser finalistas (shortlist) e só 3% conseguem ganhar um Leão.
Na secção Young Lions, superámos o ano passado visto que, para além de medalha de Bronze na categoria de “Digital” tivemos mais duas duplas finalistas, na categoria de “Design” e na categoria de “Filme” respetivamente.
Os Tangity Young Lions Portugal, estão de parabéns!
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