Coerência é o novo absurdo

Neste universo de mensagens rápidas e pré-candidatos improváveis, Manuel João Vieira nos lembre de algo essencial: é possível entreter, satirizar e, ainda assim, dizer coisas sérias.

O que têm em comum um candidato presidencial que promete vinho canalizado em todas as casas e uma marca em Black Friday? Ambos sabem que, para se ser ouvido, é preciso primeiro criar dissonância. E ambos vivem numa nova era: a do entretenimento antes da substância, do impacto antes da profundidade, do scroll antes do voto.

Manuel João Vieira não quer ganhar. Mas quer ser ouvido. E, curiosamente, consegue-o melhor do que muitos que querem governar. Com uma coragem desconcertante — ou, nas palavras de Pedro Chagas Freitas, um “estoumeacagadismo crónico” –, atravessa o circo político com um “desprezo elegante” pelas regras do jogo. Não grita contra o sistema; dança-lhe em cima com um chapéu de capitão da TAP.

Este fenómeno diz mais sobre nós do que sobre ele. A política tornou-se entretenimento. E quando o conteúdo se esvazia, a forma toma conta do palco. Vieira torna-se um voto de protesto com sentido de humor, uma alternativa para quem já não leva a sério quem se leva demasiado a sério.

Também as marcas comunicam hoje num espaço saturado, onde os formatos são mais efémeros do que as promessas. Tal como na política, destacar-se já não depende apenas de ter razão — mas de saber tocar, provocar, surpreender.

Se Manuel João Vieira é coerente na sua incoerência, a oportunidade para algumas marcas está em fazer diferente, sem fingir que são outra coisa. Marcas que sabem quem são conseguem adaptar-se ao tempo sem se perderem nele. Mudar o contexto, as plataformas ou até a linguagem é agilidade — não incoerência. Manter um núcleo estável de valores, propósito e tom de voz é o que distingue consistência de rigidez.

Nem todas precisam de ser disruptivas, mas todas ganham em ser humanas. Talvez por isso, neste universo de mensagens rápidas e pré-candidatos improváveis, Manuel João Vieira nos lembre de algo essencial: é possível entreter, satirizar e, ainda assim, dizer coisas sérias.

O aparente absurdo “só desisto se for eleito” é, por isso mesmo, coerente com o mundo que criou à sua volta. Já as marcas não se podem dar ao luxo de desistir: vivem comprometidas com os resultados do próximo trimestre, com o ROI da próxima campanha, ou com o clique da próxima hora. Entre o absurdo e a coerência, entre o improviso e o guião, existe um espaço onde as ideias respiram e se tornam memoráveis. É esse espaço que vale a pena eleger.

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