
De quem é a culpa?
Se agências e marketeers gostavam de ser mais ousados, porque é que as campanhas continuam, na maioria das vezes, tão certinhas, previsíveis e.… chatas?
Há uns dias li aqui no +M/ECO um artigo sobre um estudo da DMEXCO que me deixou a pensar: 75% dos profissionais de marketing acreditam que uma presença ousada é essencial para o sucesso das marcas e 81% dizem que essa ousadia vai ser ainda mais importante nos próximos cinco anos. Mas depois vem a surpresa — apenas 8% afirmam colocar a ousadia em prática… Em resumo: todos falam de ousadia, mas muito poucos arriscam.
E aqui está o paradoxo que me intriga: se agências e marketeers gostavam de ser mais ousados, porque é que as campanhas continuam, na maioria das vezes, tão certinhas, previsíveis e.… chatas? A resposta não consegue ser respondida por questões culturais ou com a falta de talento de qualidade. Tem mais a ver, na minha modesta opinião, com pressão por resultados. E, sejamos claros, essa pressão não surge do nada. Na maioria das empresas, ela vem bem de cima, dos acionistas institucionais, como fundos de investimento, que querem retorno rápido e previsível. O CEO responde aos fundos, o CMO ao CEO, e assim a criatividade fica condicionada por horizontes trimestrais e dashboards cheios de métricas de curto prazo. A lógica da valorização da marca e da empresa foi substituída por outra mais alinhada com os objetivos destes acionistas.
Do lado das agências, existe sempre vontade de trazer ideias frescas, diferentes, que façam a marca sair do barulho de fundo. Mas com o cliente preso a ciclos curtos de performance e resultados, medo de críticas nas redes sociais e preocupação com reputação, é difícil ser arrojado. E tudo isto é legitimo e perfeitamente entendível. Para a agência, uma campanha ousada pode ser uma oportunidade de brilhar e se destacar. Para o cliente, pode ser um risco comercial, de imagem, financeiro ou de todos os anteriores. Logo, ideias que poderiam ser memoráveis têm, muitas vezes, morte prematura.
O mais curioso é que, apesar de tudo, o estudo revela que 80% dos profissionais acreditam que campanhas ousadas permanecem na memória dos consumidores. Num mercado saturado por conteúdos repetitivos e cada vez mais gerados sinteticamente, jogar pelo seguro é a forma mais rápida de se tornar irrelevante. E é aqui que entra a reflexão mais profunda: a chamada “crise da criatividade” não é apenas cultural ou geracional — é também um reflexo do modelo económico dominante, que valoriza previsibilidade e retorno imediato em detrimento da experimentação, da ousadia e da diferenciação. Entre o crescimento da marca e a sua consequente valorização e o retorno trimestral, a escolha tem sido óbvia!
No fundo, todos querem ser ousados, mas poucos estão preparados para assumir o preço do risco. Talvez o desafio esteja em encontrar formas de experimentar a ousadia de maneira controlada: testar em menor escala, criar laboratórios de marca, aceitar que nem todas as ideias vão resultar, mas que algumas podem transformar uma marca e até gerar retornos extraordinários. Porque, no fim do dia, a maior contradição é esta: não arriscar é, na verdade, o maior de todos os riscos.
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