Escolher os amigos

  • Vitor Cunha
  • 10 Maio 2024

O que é que mudou? A tecnologia e a massificação da manipulação. Tudo o resto é a Humanidade a ser humana. Enquanto houver FB, TikTok e outros haverá muita mentira, mas também meios para a combater.

  • Números da DataReportal mostram que em janeiro de 2024 havia 7,43 milhões de identidades ativas de utilizadores de social media em Portugal.
  • Dados publicados pela Meta indicam que o Facebook tinha 5,95 milhões de utilizadores em Portugal.
  • O alcance de anúncios do Facebook em Portugal no início de 2024 era de 58,1% da população total.
  • Os dados do Google indicam que o YouTube tinha 7,43 milhões de usuários em Portugal no mesmo período.

Toda a vida nos venderam a ideia de que os amigos, ao contrário da nacionalidade ou da família, podiam ser escolhidos. A liberdade de escolher os amigos permite-nos imaginar que podemos viver uma vida mais próxima daquilo que pensamos ser. Daí os pais quererem saber quem são os amigos dos filhos: sentem que qualquer heterodoxia é, no fundo, uma renúncia ao gene e ao modus de vida da família. E é também por isso que os filhos, quando querem provocar, optam por ambientes muito diferentes daqueles onde foram criados: o charro não é uma mania ou um vício, é uma demonstração de liberdade e de definição da criatura face ao criador.

Os dados acima citados (retirados de https://datareportal.com/reports/digital-2024-portugal) exibem um país muito amigo das redes de amigos. Em sistemas mais agressivos, como o X, a violência é uma regra e um fator de sucesso; no Instagram exibem-se outros dotes, como a capacidade de captar a beleza; no TikTok mostra-se o lado infantil que nos resta; mas é no vetusto Facebook que os velhos e alguns novos confraternizam, discutem, engatam, enganam, capturam.

Ninguém tem cinco mil amigos, exceto no Facebook. Ninguém que não goste do Chega tem tantos “seguidores” do Chega como no Facebook. Aliás, parece haver mais simpatizantes desse partido no FB que votantes (circa 1,16 milhões, dados de 10 de março de 2024).

Nos últimos meses tenho sido abordado essencialmente por dois tipos de candidato a “amigo(a)”: apoiantes do Chega e jovens meninas com ar duvidoso. É relativamente certo que “ter amigas” no FB não é um problema (exceto quando se abre a página da rede em casa, em família, e se depara com alguma nudez boçal); mas ter “amigos” (centenas) apoiantes da referida agremiação é um enorme embaraço (felizmente não surgem em pêlo).

As redes sociais mudaram as nossas vidas, mudaram a política mundial, os planos estratégicos das empresas, geraram novos negócios e podem ter contribuído para matar outros. Milhões de pessoas saíram da solidão; outros milhões viciaram-se e perdem longuíssimas horas ligadas. As empresas de media tradicional têm perdido biliões em receita publicitária e têm o seu futuro em perigo; as democracias estão em perigo; os piratas, os perfis falsos, as notícias inventadas inundam-nos e ameaçam a nossa liberdade.

Mas não há pior ameaça à liberdade que a falta de instrumentos para combater os que a põem em causa. As redes sociais têm vindo a ser utilizadas por estados estrangeiros para fazer contrainformação, são usadas para enganar incautos, criam-se imagens com recurso a IA para engatar distraídos num ambiente geral de manipulação e mentira.

O que é que mudou, perguntam.
– A tecnologia e a massificação da manipulação. Tudo o resto é a Humanidade a ser humana. Enquanto houver FB, TikTok e outros haverá muita mentira, mas também existirão meios para a combater. Usar as redes para lutar contra este inimigo é um bom caminho. E há que fazer escolhas, sendo que a opção não é entre o príncipe africano milionário que nos legou uma herança, o agitador populista e aldrabão, ou a menina falsa que nos ama até ao infinito (até porque amar até ao infinito é coisa para profissionais, não para virtuais). Resta, portanto, que cada um de nós faça um esforço para duvidar, criticar, pensar e escolher. E que a tecnologia nos ajude no processo: é evidente o esforço da Meta, da Microsoft e de outras empresas responsáveis no desenvolvimento de metodologias de combate às notícias falsas, perfis inventados e outras técnicas de distorção da verdade. Sim, porque o relativismo moderno ainda não a exterminou.

  • Vitor Cunha
  • CEO da JLM & Associados

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