Marcas: numa relação séria com cada um de nós

  • Pedro Pimentel
  • 30 Outubro 2023

Entendendo as nossas preocupações, dificuldades e contratempos, mas também os nossos anseios e aspirações, conquistar-nos-ão genuína e infindavelmente também na nossa faceta de consumidores.

O ritmo a que vivemos por estes dias tende a impedir-nos de ter o distanciamento suficiente – físico e temporal – para conseguirmos perceber as profundas mudanças que vão acontecendo à nossa volta e também com cada um de nós.

Seguramente, num futuro mais ou menos próximo, não irão faltar estudos que avaliem o impacto de tudo o que ocorreu neste início de década e de como fomos – TODOS – impactados pela sucessão de acidentes e incidentes que temos vindo a atravessar desde o início de 2020. Muitos deles, arrumados até aí nas prateleiras da ficção científica. Outros, exponenciando ou regredindo fenómenos que estavam já em marcha e que pareciam ter uma dinâmica e uma velocidade própria, mas que foi radicalmente alterada.

Foi um período, em que se vulgarizaram os SEMPRE e os NUNCA que, afinal, não duraram mais que o tempo necessário para surgir a nova leva de sempres e nuncas.

Acima de tudo, este período de pouco mais de três anos, uma gotícula no fluxo de água da história da humanidade, veio trazer à superfície as inúmeras facetas da fragilidade humana e multiplicaram-se os exemplos do mais exaltante heroísmo e tantos outros do mais execrável egoísmo.

Mas, acima de tudo, essa fragilidade ficou clara nos sentimentos de isolamento, de solidão, de saturação da vida em pequenas colmeias, que pareciam um fio muito forte a puxar para o chão o balão de hélio em que o nosso modo de vida agitado, acelerado e globalizado se havia tornado.

A sensação de fechamento, de quase claustrofobia, afeta sempre mais quem está habituado aos espaços abertos e aos mundos sem fronteiras do que a quem, por vontade ou ausência de oportunidade, se confina aos espaços pequenos e fechados. E, em boa verdade, as últimas décadas foram convertendo muitos de nós numa espécie de cidadãos do mundo, não habituados a manter as asas presas e a não voar.

E fomos criando um espelho multifacetado, para onde olhamos e vemos várias versões de nós mesmos – o cidadão, o familiar, o amigo, o profissional, o consumidor, o cliente, o contribuinte, … – e esse mesmo espetro funciona como uma lente de contacto que nos ‘empurra’ a observar os outros dessa mesma forma.

Na verdade, ao olharmos essa versão ‘fatiada’ ou ‘em camadas’ de nós próprios e dos que nos rodeiam, tendemos a esquecer o todo de que aquelas fatias fazem parte ou o núcleo que aquelas camadas sucessivamente cobrem e recobrem. E esse todo é a Pessoa, o ser humano que é bastante mais do que a mera soma daquelas camadas mais visíveis.

Por isso, se queremos reforçar a cidadania, melhorar a interação nos círculos familiares e sociais, incrementar o desempenho profissional dos colaboradores, conquistar o consumidor, construir a relação com o cliente ou sensibilizar o contribuinte, é essencialmente com a pessoa que temos de conversar, com que temos de trabalhar, com que temos de comunicar.

E isto é tão verdade nas comunidades, nos círculos pessoais e nas organizações, como o é no mercado, nas cadeias de valor ou na relação entre as marcas e os seus públicos.

O mundo pós-pandemia veio apenas reforçar essa perceção e essa necessidade. Depois de tudo o que temos vindo a atravessar, somos necessariamente mais pessoas, com todos os defeitos e as qualidades que nos caracterizam, mas – acima de tudo – temos necessidade de ser mais ‘pessoas-de-pessoas’ e ‘pessoas-para-pessoas’.

Hoje, quando tanto se fala de saúde mental, de melhorar o worklife balance, de exigir um melhor mundo ao mundo, da necessidade de desacelerar e de realizar detoxes digitais, de vivermos em paz com a natureza, de construir a educação para a longevidade ou para um consumo mais sustentável, é seguramente muito mais a pessoa do que o cidadão, o profissional, o consumidor ou o contribuinte que está efetivamente em causa.

Focando-nos no mundo das marcas, não esqueçamos que elas são ‘humanas’ enquanto emanação das pessoas que as criaram, as produzem, as comunicam ou as comercializam, mas ‘humanas’ também na medida em que mexem com as emoções, as aspirações, as necessidades e a felicidade e qualidade de vida das pessoas a que se destinam. E, com sustentabilidade, inclusão, equidade e diversidade, com inovação, humanização e personalização, querem ajudar a construir um mundo melhor, para os seus públicos actuais e para as gerações vindouras.

Por isso, se as marcas fossem seres humanos e tivessem o seu próprio perfil nas redes sociais, informariam que estão numa relação séria com as pessoas e não apenas com os seus consumidores, porque afinal são suas companheiras de viagem e estão sempre ao seu lado: nos bons momentos e nos momentos menos bons. E, nesta altura, conteúdo e mensagem devem focar-se nas dificuldades e nas necessidades que as pessoas terão mais problemas em colmatar, sendo que a melhor resposta que as marcas podem dar aos seus públicos, a verdadeira fórmula vencedora, passa por combinar, nas doses certas, inovação e relevância gerando inovação relevante, percebida e adotada pelos seus destinatários.

A construção desta relação passa pelo arrebatamento, mas também pela convivialidade, e tem expressão efetiva quando os seus públicos se convertem em seus seguidores, quando se ultrapassa o pragmatismo e a pura racionalidade transacional, e se consegue construir uma forte componente emocional, assente em cumplicidade e autenticidade, dando origem a uma conversação, consistente e continuada, e, acima de tudo, transparente e empática

Hoje, mais do que a publicidade ou a comunicação comercial no sentido mais amplo, é o testemunho, a partilha e a experiência que mais contribuem para a valorização e adoção da marca e, nesta linha, as marcas tudo deverão fazer para tentar converter cada seguidor num seu fiel embaixador.

Em conclusão: a pandemia e as perturbações que se lhe seguiram, afetaram as pessoas e fizeram alterar a sua racionalidade e comportamentos, tornando-as mais vocais, poderosas e empoderadas. Por isso, mais do que com os consumidores, é com as pessoas que as marcas devem conversar. Reforçando essa interação, essa intimidade e cumplicidade com cada um de nós, entendendo as nossas preocupações, dificuldades e contratempos, mas também os nossos anseios e aspirações, conquistar-nos-ão genuína e infindavelmente também na nossa faceta de consumidores.

 

  • Pedro Pimentel
  • Diretor-geral da Centromarca

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