Marketing matemático
Se calhar, digo eu, para um país de aventureiros destemidos, que deu novos mundos ao mundo, cujo o seu arrepiante hino é a “A Portuguesa”, podíamos fazer um pouco mais. Isto é, arriscar mais.
“As abordagens publicitárias são um pouco como um inseticida para as baratas. Funciona algumas vezes, mas depois elas ganham imunidade e a fórmula deixa de ter resultados, até se encontrar outra solução.”
Gosto logo de começar assim, a pés juntos, com afirmações de grande gabarito que metem bicharada repugnante. Pode ser que consiga agarrar-vos para o que vou para aqui discorrer. Ou talvez não. Enfim, de qualquer forma, ficam a saber que esta é da autoria dos publicitários Richard Kirshenbaum e Jonathan Bond. Foi escrita no livro Under the Radar: Talking to Today’s Cynical Consumer, lançado Novembro de 1997.
Se fizerem as contas, chegam à conclusão que isto já tem uns anitos, os suficientes para todos nós os que trabalhamos com marcas sabermos que não podemos ir pelo caminho mais fácil, o tal “mais do mesmo”, como se diz por aí. Mas vamos!
Não interessa apontar o dedo a este ou aquele, ou colocarmo-nos de fora, como se fossemos aqueles pais que nas reuniões de encarregados de educação querem, com presteza, demonstrar que são diferentes e muito melhores. Participam muito, criticam mais, têm a capacidade intelectual do falecido Professor Agostinho da Silva e, por conseguinte, têm uma opinião bem fundamentada “sobre tudo e um par de botas”. Apresentam sempre o remédio e, lá está, são espetaculares. Não são nem fazem parte do problema, pois claro. Mas, caros colegas, no caso do Marketing todos fazemos. Todos fazemos!
O que é que se passa então? Para simplificar, duas coisas:
- Acontece amiúde que a comunicação é praticamente igual, designadamente em alguns setores, parecendo que segue códigos, ou melhor uma cartilha para garantir que tudo sai certinho, redondinho e que nada falha. Chato e pouco apelativo para as pessoas, portanto. Haja é dinheiro para meios, para ver se aquilo dá resultados.
- Ou, determinada comunicação quer ser inovadora, disruptiva e inusitada, como a campanha do momento ou como “…aquela ideia que ganhou lá fora em Cannes…”. Já me chegaram a dizer na passagem de briefings ”…que queremos uma coisa inspirada em…” para não parecer tão mal, quando, na realidade, procurava-se seguir, adaptar, integrar coisas já vistas e feitas. Ora, uma ideia, deve ser por si só, algo de novo, luminoso e peregrino. Para ser inovadora como a outra já não é uma ideia. É uma “ideia tipo”. Como o queijo tipo serra está para o Queijo da Serra.
Para não acharem que estou para aqui a “navegar na maionese”, deixo-vos algumas fórmulas que, mais para a esquerda mais para a direita, referem-se exatamente a isto:
- “Fórmula dos Humoristas”: mais detalhada aqui
- A “Fórmula dos Influenciadores”: mais explicada no mesmo link;
- A “Fórmula Rabo de Peixe”: basta rebobinarem um pouco para perceberem a quantidade de trabalho criativo que foi feito em cima deste conteúdo televisivo (obviamente que Rabo de Peixe é ilustrativo dos muitos outros casos em que as abordagens publicitárias são decalcadas de um filme ou de uma série qualquer);
- A “Fórmula Mais Perto de Si, Juntos Somos Mais Fortes, Somos, Vamos Juntos, Juntos Somos Únicos, De Braço Dado”: normalmente acompanha campanhas meramente descritivas e informativas, cheias de pessoas felizes com desafios e ambiciosas. Metem muitas mesmo, com sonhos concretizados. Podem incluir famílias que vivem em vivendas com piscinas e jardins compridos cheios de relva bem tratada, com um Golden Retriever de pelo bem escovado a correr por ali fora (sugeria começarem a recorrer a um Bouvier Bernois, que tem muito mais pinta). Muitas vezes os filmes são gravados na Herdade da Aroeira e a locução tem aquele timbre de voz de cama, sedutor e bem colocado. Ou, em alternativa, muita energia (o lado B da fórmula, portanto). Tudo muito perfeito e com o lustro bem puxado, tal como são as nossas vidas, não é?;
- A “Fórmula das Fórmulas: estão a ver aqueles anúncios que encontram terreno fértil nos FMCG, que normalmente têm para ali um selo a meio que diz “Nova Fórmula” ou coisa do género? Têm também muita pós-produção para lá meter a Tabela Periódica em forma de bolhinhas e brilhos, que viajam como uma flecha de uma ponta do ecrã para a outra. E têm sempre demonstração do produto, logos fartos e um antes e depois bem vincados, não vá a malta não perceber.
Se calhar, digo eu, para um país de aventureiros destemidos, que deu novos mundos ao mundo, cujo o seu arrepiante hino é a “A Portuguesa”, que arranca com “Heróis do Mar, nobre povo, Nação Valente, imortal”, podíamos fazer um pouco mais. Isto é, arriscar mais. Já o Oscar Wilde afirmou isto melhor que ninguém “A ideia que não é perigosa, não merece ser chamada de ideia.”
Precisam-se dessas, que se atiram para fora de pé. Que nos deixam angustiados sem dormir porque pode não dar, pode não correr bem. Ideias que nasçam de um bom insight que, para quem não sabe, é uma descoberta, ou melhor, uma revelação, mas que é tão difícil encontrar. Por isso é que é precioso e resolve briefings. Toca em verdades emocionais ou comportamentais que não são imediatamente aparentes. A tal “verdade do consumidor”. Sobre isto, o publicitário Dave Trott disse: “Um bom insight é algo que não sabíamos antes. Algo que pode mudar a forma como pensamos sobre o problema.”
Porque acho isto mesmo importante, deixo-vos para o fim, em lista, aqueles que considero serem os princípios essenciais de uma boa ideia:
- Os Básicos:
- Percebida
- Relevante
- Distintiva
- Os de Impacto
- Dissonante
- Inesperada
- Inusitada
- Os de Envolvimento e Participação
- Aberta
- Dá-nos vontade de a fazer evoluir
- Os de Alcance
- Viaja bem
- Torna-se viral
Depois disto tudo, desculpem qualquer coisinha. É que “se a liberdade de expressão significa alguma coisa, será sobretudo o direito de dizer às outras pessoas o que elas não querem ouvir”, disse o George Orwell. Pode ser que faça bem.
Mas, ainda assim, fiquem descansados que também enfio o barrete. Sou só um pai, dos normais.
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