Para serviço, volte atrás

  • Susana de Carvalho
  • 10:55

Socorro, não quero falar com máquinas! Quero falar com pessoas de carne e osso, que saibam comunicar comigo, que negoceiem, que interajam de forma normal, numa transação, troca, informação.

Chegados a mais um período da Black Friday, não encontro nada de novo por parte das marcas passado mais um ano, salvo a gritaria do costume com as oportunidades, as promoções, os descontos, ou seja, o foco no escoamento de produtos, com um esmagamento de preços. Alguém estará a perder na chamada cadeia de valor, para não falar do desperdício e da depleção de recursos, com mais e mais produção e menos remanufactura, retoma, recondicionamento, vendas em 2ª mão, reparações, ou mesmo trocas.

Para além da qualidade dos produtos, que todos desejamos, e que deviam ser verdadeiramente bens duráveis, em detrimento de preços mais baixos, com que se atrai mais consumo por impulso, há mais um fator que deveria fazer parte do preço, e de que se fala cada vez menos (porque está a desaparecer e custa dinheiro): o serviço.

Não são só as lojas de comércio tradicional ou de bairro que têm aquele serviço, a atenção, autênticos curadores de soluções para resolver problemas. Quando temos serviço, estamos dispostos a pagar mais. Quando não o temos, ou o mesmo é deficitário, o sentimento é contrário. Isto é particularmente evidente em determinados setores, como a restauração, a hotelaria e o turismo. Muitas vezes o produto vale por si, mas se o serviço for muito mau, a compra ou a experiência não se repete. E mais: reclama-se, critica-se, espalha-se a palavra, a não recomendação, a “má publicidade”, afetando um fator crítico que é a confiança, a reputação.

A noção de serviço personalizado tem-se vindo a perder ao longo dos tempos. Que me lembre, começou nos bancos, alastrou-se para as lojas e dificultou bastante as nossas vidas – na minha opinião -, com grandes cadeias de lojas vazias de funcionários e consumidores perdidos nos corredores, aos call centers generalizados, com regras muito estritas para atendimento rápido, de pessoas formadas à pressa, sem experiência do produto ou em comunicação. Para já não falar da deslocalização geográfica e da própria língua. Uma verdadeira calamidade. Para quem procura, e acredito que igualmente para quem está do outro lado, em empregos de curtíssima duração, pela baixa remuneração e desgaste rápido.

Falo por exemplo dos operadores de energia, de telecomunicações, de informática, de saúde, mas também das próprias empresas de serviços, que centralizam helpdesks em determinadas zonas do mundo, fazendo perder um tempo infinito aos seus colaboradores.

Quantas vezes não somos interrompidos em casa ou no trabalho por telefonemas intrusivos, para nos venderem ofertas e serviços concorrentes que não precisamos ou não pedimos? Outras vezes, precisamos desesperadamente de entrar em contacto com alguém responsável e ficamos horas à espera (a pagar), desligam-nos o telefone, passam-nos sucessivamente para pessoas diferentes e muitas vezes, não resolvem de imediato.

É um trabalho feito por humanos, bastante desumano.

Bom, mas pior ainda, são as novas experiências com máquinas. A automação está aí, e veio para ficar. Sei e compreendo que pode ajudar em milhares de procedimentos, de análise de dados, de processos, de fluxos, de sistemas, das fábricas, à logística, aos transportes. Não me refiro ao maravilhoso avanço da tecnologia para o progresso da ciência, da saúde, do funcionamento das cidades, do mundo.

Falo apenas de marcas que necessitam de consumidores diretos, que tenham uma porta aberta, mesmo que funcionando em multiplataforma. Uma marca tem de se preocupar com o atendimento, a manutenção, a assistência técnica, o serviço pós-venda, na verdade, com toda a jornada de experiência do seu potencial cliente, para a sua fidelização.

Percorremos um longo caminho desde os telefones com cavilhas aos call centers, às assistentes virtuais, aos chatbots e ao que mais para aí vem.

Enquanto não se aperfeiçoa a linguagem e todos os processos complexos de mimetismo humano nesta transformação digital, não me ponham robots à frente. Para marcar consultas ou alterar, ainda vá. Agora, como é que eu explico que o sinal que foi extraído tem lá uns fios que devem ser pontos que não saíram? Isso não se aplica em nenhuma das opções 1, 2, 3, 4, ou em press five. Já experimentaram fazer isso? Com esta ou outra situação qualquer? Sim, é trágico-cómico.

Alguém que tenha a missão de ouvir as gravações obrigatórias, deve-se deparar com situações hilariantes.

Socorro, não quero falar com máquinas! Quero falar com pessoas de carne e osso, que saibam comunicar comigo, que negoceiem, que interajam de forma normal, numa transação, troca, informação, num esclarecimento, numa simulação, numa marcação de consulta, no que seja. Simpatia. Empatia. Paciência. Entusiasmo. Conhecimento. Experiência. Competência.

Humanos precisam-se, sempre. E isso vale dinheiro. É mercado. Justo, ético, não necessariamente mais barato. Mas gratificante.

  • Susana de Carvalho
  • Partner Earth Watchers

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