Presidente por exclusão de partes

  • António Fuzeta da Ponte
  • 10:44

Num candidato, tal como numa marca, o seu DNA é a base do caminho do sucesso. Um passo em falso, tal como uma promoção enganadora, e tudo muda. Vamos ver.

Tenho muitas vezes a tentação de fazer paralelismos entre campanhas eleitorais e planos de comunicação de marcas de grande consumo. Marcas humanas a par de marcas comerciais. Às vezes nem preciso de me esforçar muito, as semelhanças surgem-me óbvias. Já vimos muitas candidaturas tipo challenger, outras em puro registo auto-promocional num estilo agreste de Black Friday que chumbaria nos critérios da Deco e, às vezes, até mesmo candidatos inusitados que parecem políticas de vendas push de gelados no inverno. Deixo à vossa imaginação quem seriam alguns candidatos passados que preenchem estes estereótipos.

Mas agora estamos à porta de uma campanha presidencial que me parece fascinantemente atípica.

Primeiro de tudo pelo tempo de antecipação. As campanhas de Natal duram dois meses, as de verão duram uns três. Nestas presidenciais de 2026 temos candidatos que se lançaram em 2024. Um exercício de estoicidade. Ou de voluntarismo. Ou de inexperiência. Ou pura vaidade, perdão, vontade. Mas inusitado, sem dúvida. Fica mais difícil gerir uma campanha em formato ultra-maratona do que em sprint promocional. É muito maior o desgaste de mensagens, de euros e de GRP’s, se quiserem traduzir em segundos na TV. E mais difícil de assegurar a coerência e consistência.

Depois, para as presidenciais de 26, parece-me que também estamos a viver uma mudança de polarização de dois blocos para uma grande pulverização de candidatos e espectros. Deixou de ser um mercado a duas ou três grandes marcas para ser um mercado ultra pulverizado de candidaturas. Se a renhida corrida entre Soares e Freitas em 1986 foi um prenúncio do que décadas mais tarde foi a interessante disputa Sagres ou Super Bock, agora parece que fomos para o mercado dos iogurtes. São muitos, líquidos, magros, não magros, gregos, com pedaços, sem pedaços, ex-militares, ex-cavaquistas, ex-líderes quase esquecidos, caras da nova direita e até candidatos a primeiro-ministro mas na eleição ao lado.

E isto é falar da oferta, porque do ponto de vista da procura, dos consumidores, ou melhor, dos eleitores, parece-me que se está a assistir uma mudança comportamental muito interessante e que tanto acontece no grande consumo, como acontece no eleitorado e até pelas sondagens se tem visto: é a forte tendência da mudança de one size fits all para o Big Nicho. As pessoas parecem não mais se rever numa só figura, numa só mensagem. Parece-me que estamos a seguir afinidades mais desagregadas entre si. Há candidatos que apelam a mais que um nicho, mas não agregam todos. E outros, que diríamos mais “mainstream”, estão com a base em erosão por pessoas que se deixam seduzir por mensagens de outros nichos, por serem mais acutilantes ou mais em sintonia com a sua demografia específica. E estes não são pequenos nichos, mas também não crescem ao ponto de ser tendência nacional e em toda a capilaridade da população. E há também uma interpenetração de nichos, para confundir ainda mais todos os cenários possíveis.

Por isto tudo, uma coisa é certa: nestas presidenciais o candidato vencedor não será, até ao dia da sua eleição, um everybody’s darling. E isso torna muito interessante o tabuleiro do jogo até à data do voto. Para ganhar, quem devem os candidatos seduzir além do seu nicho, além da sua base? E ao fazê-lo, perderão a “sua verdade”? É que num candidato, tal como numa marca, o seu DNA é a base do caminho do sucesso. Um passo em falso, tal como uma promoção enganadora, e tudo muda. Vamos ver. E dia 18 de Janeiro teremos novo presidente ou uma segunda volta. Para sabermos quem será o novo presidente de todos os portugueses, por exclusão de partes.

PS: Uma outra coisa parece-me quase certa. O próximo presidente não deverá ser uma mulher. Era fresco mudar isto, um dia. Tal como no mundo das marcas, quando uma disrompe, o mercado avança.

  • António Fuzeta da Ponte
  • Diretor de marca e comunicação da Nos

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