Procrastinar para criar é pecado?
Senti necessidade de desmistificar a ideia de que procrastinar é sinónimo de preguiça. Na verdade, é um processo complexo onde a mente se prepara para enfrentar o desafio.
Não. E, embora: “Não.” seja uma frase completa, segundo Anne Lamott, explico porquê.
Quando falamos de procrastinação associamos logo a preguiça, ao fracasso mas, curiosamente, podemos ver isso como uma vantagem competitiva no processo criativo. John Cleese, no seu livro Criatividade, sugere uma teoria que me consola: as pessoas mais criativas adiam até à última da hora o fazer porque, mesmo inconscientemente, estão a trabalhar naquilo. Ou seja, defende que a procrastinação pode ser um aliado criativo. Ao deixarmos tarefas para o último minuto, estamos a dar ao nosso cérebro o espaço necessário para processar e maturar ideias de forma mais profunda. Esse espaço pode parecer um atraso, mas é, na verdade, um passo essencial do processo criativo. O que muitas vezes interpretamos como preguiça é, de fato, um tempo de reflexão valioso onde o subconsciente trabalha em silêncio.
A procrastinação permite que as ideias se desenvolvam e amadureçam. Quando adiamos um projeto, damos ao nosso cérebro a oportunidade de explorar diferentes ângulos e soluções sem a pressão constante do prazo. Muitas vezes, as melhores ideias surgem quando menos estamos focados nelas, e eu tenho o privilégio de saber onde/como normalmente chego às melhores ideias e ponho-me a jeito para isso. Por outro lado, não se pode ignorar o impacto da adrenalina na criatividade de ter uma contagem decrescente. Há algo mágico em trabalhar sob pressão. A iminência de um prazo pode resultar em soluções criativas inesperadas. O medo do prazo pode, paradoxalmente, ser um motor criativo.
Esta teoria que a mim me convém, ensinou-me que a procrastinação pode não ser um sinal de falta de disciplina, mas um método, um passo do processo criativo. Em vez de ver o adiamento como um problema, passei a considerar um estágio necessário para amadurecer ideias.
Eu, procrastinadora de ideias assumida, tenho um relacionamento ambíguo com o conceito de diferimento. Tenho o privilégio de fazer o que gosto e com quem gosto e, isso é um grande benefício. Sou metódica e disciplinada, mas as tarefas que mais gosto de trabalhar criativamente e que considero que melhor executo são frequentemente marcadas por um sentimento de retardar. Dou graças a ter deadlines, porque sem eles, achava que poderia estar sempre a melhorar o que está feito. Sempre à espera de uma “pu%&$#” inspiração que acho que vai cair sobre mim, o que faz com que veja cada projeto como um documento vivo, em constante evolução.
Estes artigos que escrevo são um exemplo claro desse fazer durar o processo criativo. Adoro escrevê-los, mas a ideia de que posso sempre escrever algo melhor mantém-me hesitante até ao último minuto, na esperança de uma epifania inesperada – um eureka! Pontualmente, isso acontece, mas nunca com a frequência ou a perfeição que idealizo. Não sinto uma ansiedade esmagadora, mas convivo com um sentimento constante de inquietação, que só desaparece quando o trabalho está realmente entregue.
A idade, ou melhor, a experiência (para não cair no idadismo) ensinou-me a aceitar que sempre haverá aspetos que poderiam ser melhorados. Por isso, senti necessidade de desmistificar a ideia de que procrastinar é sinónimo de preguiça. Na verdade, é um processo complexo onde a mente se prepara para enfrentar o desafio. Em vez de ver a procrastinação como uma falha, podemos reconhecê-la como uma fase do desenvolvimento criativo, onde o tempo de fazer absolutamente nada é crucial para a incubação de grandes ideias.
Para aproveitar a procrastinação como uma ferramenta criativa, é fundamental saber quando o adiamento é benéfico e quando pode ser prejudicial. A desconexão é essencial para explorar novas ideias e perspetivas. A inatividade produtiva permite ao subconsciente poder trabalhar sem interrupções, pois às vezes, as melhores ideias surgem quando deixamos o cérebro vagar livremente.
Podemos transformar a pressão do prazo numa oportunidade e encará-la como uma aliada no seu processo criativo. Para isso, temos de desaprender alguns mitos, como contou uma outra Marlene, a Dietrich, que a sua mãe lhe ensinou que a ociosidade é o pior dos pecados e que deveria ser evitada a todo custo! Não podia estar mais em desacordo.
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