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“Estamos a assistir ao partir da espinha das redações” da Global Media, denuncia Domingos de Andrade

Carla Borges Ferreira,

“A destruição de valor tem sido tão grande, tão grave e tão gritante, que não consigo sequer vislumbrar o que pode acontecer”, sinaliza o até setembro administrador do GMG e diretor da TSF.

“O que está a acontecer com aquelas redações é de uma gravidade que nunca julguei possível assistir em democracia. Não estamos apenas a assistir ao fim de marcas. Estamos a assistir à destruição reputacional de marcas e redações. E estamos a assistir [a isso], partindo a espinha dessas redações. E partir a espinha pela fome. Não estou a exagerar.”

É desta forma que Domingos de Andrade, até setembro administrador do Global Media Group e diretor da TSF, descreve a situação que está a ser vivida no grupo em que só esta quinta-feira, segundo avançou, foram pagos os subsídios de alimentação do último mês. Os ordenados e subsídio de Natal, recorde-se, ainda não foram pagos.

Ouvido na manhã desta quinta-feira na Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, no âmbito do requerimento do Bloco de Esquerda, Domingos de Andrade recordou a situação financeira do grupo nos últimos anos, a forma como o se deu a entrada do World Opportunity Fund (WOF) na Global Media e também a forma como foi afastado da administração e da direção da TSF.

Se esta administração tem condições para garantir a sustentabilidade do grupo? Está provada a capacidade que tem. Mas, se alguém tem que atuar, são os acionistas. Os acionistas não podem estar confortáveis com o que está a acontecer”, sintetiza Domingos de Andrade, que foi afastado logo em setembro, altura em que entrou em funções a nova comissão executiva.

A única reunião que tive foi com Paulo Lima de Carvalho e Felipe Nascimento, no dia 7 de setembro, na qual foi dito que me queriam afastar da TSF e encontrar uma solução de regresso a casa, ao JN”, conta, acrescentando que os motivos do afastamento não lhe foram avançados.

Com José Paulo Fafe, CEO do grupo, Domingos de Andrade afirma que só se cruzou duas vezes, na TSF Lisboa e na TSF Porto, e que não há relação. “Não sei se há um ‘ódio de estimação’”, diz, mas recua à altura do relançamento do Tal & Qual. “O conhecimento que tenho de José Paulo Fafe é que, quando quis ficar com o Tal & Qual, fui alertado pelos serviços jurídicos de que tinha uma dívida de 150 mil euros ao grupo, desde 2009. E entendi que não podíamos ceder gratuitamente uma marca a alguém que deve 150 mil euros ao grupo”.

Entretanto, segundo conta, houve um acordo entre advogados e a dívida terá sido perdoada em parte muito substancial, passando para 20 mil euros. José Paulo Fafe “ficou de pagar essa dívida e até junho teria liquidado cerca de 400 euros, pagando também cerca de 800 euros pela cedência do título”.

Da entrada do WOF no grupo, Domingos de Andrade explica ter tido conhecimento em maio, quando Marco Galinha, então CEO, lhe deu conta da entrada de um novo administrador, Paulo Lima de Carvalho, já indicado pelo fundo com o qual “as negociações estariam em bom andamento”.

O novo administrador, diz Domingos de Andrade, tinha ligações a Luís Bernardo – da WL Partners – e, citando a revista Sábado, o ex-diretor da TSF refere o cruzamento de interesses entre uma empresa do novo administrador e a agência de Luís Bernardo nos concursos de assessoria para as câmaras municipais. WL Partners que por sua vez, acrescentou perante os deputados, terá inclusivamente, no início em 2021, chegado a apresentar uma proposta para ficar com as parcerias – sobretudo conferências – entre o GMG e as câmaras municipais.

Paulo Lima de Carvalho terá acabado por assumir a gestão de praticamente todas as áreas, menos a editorial. “Se existiram pressões? Claro que sim”, diz, dando como exemplo um episódio em que o novo administrador tenta perceber quem aprovou a publicação de uma determinada notícia.

Hoje, a intromissão terá assumido outros contornos. “Há intromissão da administração no espaço de opinião da TSF. A maior parte da opinião na TSF não era remunerada, nem os programas, salvo raríssimas exceções”, acusa, remetendo para o fim dos espaços de opinião. “Se há intromissão clara da administração num órgão de comunicação social, é preciso que as autoridades competentes atuem a esse nível. E com maior celeridade do que têm demonstrado nos últimos meses”, salienta.

Quanto às contas do grupo, e em particular da TSF, o ex-diretor diz que 2021 foi o melhor ano da rádio, que apresentou pela primeira vez na sua história um EBITDA positivo e os resultados líquidos, embora negativos, foram pequenos.

“Tudo o que aconteceu entre 2020 e 2023 foi uma tentativa de corte de custos, que passava em primeiro lugar pelos custos que entendemos que eram gorduras, como por exemplo o número de diminuição no número de pisos nas Torres de Lisboa”, recorda.

No caso da TSF, os cortes foram ao nível da saída de pessoas – que Domingos de Andrade diz terem deixado o grupo por vontade própria -, nos custos com opinião e programas e com alterações nos custos de manutenção de rede de emissores, que permitiu a poupança de 1,2 milhões de euros. Os custos de estrutura, por seu turno, são imputados às diferentes marcas em função das suas receitas. “O grupo carrega muitas das marcas em termos do que aportam de receita para o grupo, e levam os custos de estrutura em função das receitas”, acrescenta.

De acordo com Domingos de Andrade o grupo fechou o primeiro semestre de 2023 com um EBITDA de 430 mil euros.

Quanto ao aumento de salários, cujo não cumprimento levou à greve da TSF em outubro, e que de acordo com José Paulo Fafe terão sido prometidos sem que existissem condições para os viabilizar, Domingos de Andrade garante que foram aprovados em reunião da comissão executiva, na altura presidida por Marco Galinha, em fevereiro. “Foram aprovados até por uma comissão executiva mais alargada, também por José Pedro Soeiro”, outro dos acionistas, concretiza.

Aprovou-se primeiro um aumento do subsídio de alimentação e estava previsto o aumento salarial escalonado, o que parou quando entrou o novo administrador, que pediu para aguentar os aumentos até setembro”, recorda. Ou seja, sabe-se agora “que era quando entraria a nova equipa de gestão”.

As pessoas sabiam das reais dificuldades do grupo. Por mim. E não era para os ameaçar ou amedrontar, como é prática nas comissões executivas“, frisa em resposta aos deputados.

Domingos de Andrade também diz ser difícil o fundo que controla a GMG não ter conhecimento “das reais condições” do grupo. “Ou não fizeram a due diligence bem feita ou não olharam para ela, o que é mais grave ainda”.

“Foram contratadas mais de três dezenas de pessoas que entraram agora, os custos foram carregados em 1,2 milhões por ano. O que se sabe é que o grupo perdeu nestes últimos meses 2,4 milhões em receitas comerciais, o que é muito exemplificativo dos danos reputacionais que as marcas estão a sofrer”, foi afirmando.

“A destruição de valor tem sido tão grande, tão grave e tão gritante, que não consigo sequer vislumbrar o que pode acontecer daqui para a frente”, sinaliza, frisando que em causa não está “a mercearia ali da esquina”, mas títulos como a TSF, o Jornal de Notícias, Diário de Notícias ou Açoriano Oriental. São “marcas fundamentais e estruturantes para a democracia”, diz, salientando que “há um cardápio de entidades e ferramentas para regular a atividade dos media” e que o que está a acontecer no grupo terá um impacto que o extravasa.

(Notícia atualizada pela última vez às 13h54)

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