Parlamento volta a enviar desagregação de freguesias para Belém

As próximas autárquicas terão 302 novas freguesias no mapa eleitoral. PS e PSD deixam palavras de respeito ao Presidente da República, mas alertas caíram em saco roto.

Alcácer do Sal
O mapa de fusão da “Lei Relvas” envolveu mais de um milhar de freguesias. Entre elas, um trio no concelho de Alcácer do Sal, que criou uma união de freguesias com mais de 900 km2, maior que a Região Autónoma da Madeira e que 295 concelhos do país. Santa Maria do Castelo, Santiago e Santa Susana voltarão a ter o seu próprio presdente da juntaHugo Amaral/ECO

 

O Parlamento reafirmou, no Plenário, nesta quinta-feira, a decisão de desagregar 135 uniões de freguesias e criar 302 novas freguesias para o mapa eleitoral das eleições autárquicas deste ano, desafiando o veto de Marcelo Rebelo de Sousa. Os votos favoráveis do PSD, PS, CDS, Livre, PCP, PAN e BE votaram a favor e secundaram o seu próprio voto de 17 de janeiro, levando adiante a reformulação territorial. A mesma coerência de posição foi mantida pela Iniciativa Liberal, que votou contra nesta reapreciação do decreto da Assembleia da República. Já o Chega alterou o sentido de voto, da abstenção de 17 de fevereiro para voto contra nesta quinta-feira.

Ao contrário da primeira votação, em que bastou uma maioria simples para aprovar a medida, agora exigia-se uma “maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções”, tal como preconizado no artigo 136 da Constituição.

O encontro de posições entre PSD e PS que, somados, têm 156 deputados, foi por si suficiente. O diploma regressará agora a Belém, de onde, prometeu Marcelo Rebelo de Sousa, não voltará a surgir oposição à desagregação.

“Qualquer mensagem dirigida ao Parlamento pelo senhor Presidente da República deve ser ouvida, deve ser escutada, deve ser considerada. Ponderámos muito as palavras do senhor Presidente da República na fundamentação do veto exercido”. As palavras iniciais do deputado Jorge Paulo oliveira, do PSD, no debate de reconfirmação da desagregação das uniões de freguesias, poderiam indiciar uma mudança de sentido de voto inicial, depois do veto presidencial a 12 de fevereiro.

Contudo: “Dessa ponderação, concluímos que parar esse processo violaria de forma desnecessária e injustificada as legítimas expetativas das populações”. Além disso, prosseguiu o social-democrata, há “expetativas” da população “que cresceram” com a lei 39/2021, do Governo de António Costa, a qual definiu as metas a cumprir pelas uniões de freguesias que pretendessem o divórcio e partilha de território entre as freguesias unidas pela reforma de 2013.

Lei essa que foi “promulgada sem qualquer reparo por parte do senhor Presidente da República” – que à data era, precisamente, Marcelo Rebelo de Sousa –, frisou o deputado social-democrata. Esta é uma “correção da reforma e não de uma qualquer contrarreforma como muitos alegam”.

Na subida à tribuna do hemiciclo, seguiu-se Jorge Botelho, o mesmo que já defendera a desagregação na primeira votação parlamentar, a 17 de janeiro – ao contrário do PSD, os socialistas mantiveram o seu porta-voz nesta discussão.

As dúvidas de Marcelo Rebelo de Sousa “mereceram a devida análise” pelo grupo parlamentar do PS, disse Jorge Botelho, assegurando que a sua bancada “salienta o papel fundamental do Presidente da República” e “respeita o teor das dúvidas manifestadas” aquando do veto. Mas “discorda das mesmas, pelo que irá confirmar o diploma, porque no nosso entender o mesmo deve entrar em vigor o mais rapidamente possível”, ou seja, a tempo das autárquicas de 2025.

O apoio expresso à desagregação teve a oposição clara da Iniciativa Liberal, que reforçou a sua oposição inicial à criação das novas freguesias, e uma ressalva do CDS. Mariana Leitão, da IL, considera que “em janeiro já havia poucas condições políticas para a desagregação de mais freguesias, em março, em plena crise política e após um veto presidencial, insistir neste processo é irresponsável”. Mais freguesias “significa aumentar o Estado à custa de todos para beneficiar uns poucos”, defendeu.

Já o centrista João Almeida repetiu o entendimento de que “uma reforma do território não devia ter sido feita da maneira que foi feita” e que “a lei que esteve na génese deste processo [39/2021] é uma lei errada, que não deveria ter vigorado”.

Frisando o voto do CDS contra a lei de 2021, Almeida explicou que “a partir do momento em que a lei foi aprovada, é uma lei da República, criou condições e expetativas” às populações e freguesias, “seria incompreensível e uma frustração de direito que o Parlamento não tinha direito a fazer, tirar agora, no final do processo, a estas populações, a possibilidade de concretizarem a sua ambição e a sua expetativa”.

Mais à direita, Barreira Soares, do Chega, deixou críticas que indiciaram a posição de oposição à desagregação que o partido viria a firmar na votação final, dissonante da abstenção verificada a 17 de janeiro. “A reposição de freguesias levanta questões fundamentais que não podem ser ignoradas. Como bem assinalou o Presidente da República, estamos perante uma reversão parcial de uma reforma que procurava racionalizar e modernizar o poder local”.

Para o deputado do Chega, “todo este processo foi marcado pela falta de transparência, avanços e recuos constantes, mudança de posição dos partidos e critérios poucos claros na escolha das freguesias a desagregar. Como se pode esperar uma decisão rigorosa e informada sobre uma proposta que foi construída sem clareza”, perguntou o porta-voz do Chega, partido que protagonizou, ele mesmo, uma mudança de posição, passando da abstenção para o voto contra, alegando agora “risco de conflitos patrimoniais, financeiros e operacionais entre as freguesias agora desagregadas”.

A contagem final

O processo de desagregação das 135 freguesias conheceu uma travagem, para muitos inesperada, quando o Presidente da República vetou a decisão tomada por mais de dois terços dos deputados do Parlamento. Se a 17 de janeiro, data da votação no hemiciclo, se festejou o surgimento de 302 novas freguesias no mapa eleitoral das autárquicas de setembro ou outubro de 2025, no dia 12 de fevereiro os ânimos arrefeciam abruptamente.

“A minha ideia não é travar por travar. É pedir à Assembleia que reflita uma vez, porque do que se trata não é apenas mudar uma lei eleitoral”, mas sim “pôr em funcionamento freguesias que há 11 anos não funcionam autónomas. É dividir o património, as finanças, organizar coisas”, salientou o Presidente da República após a chuva de críticas ao seu veto.

Teria preferido que isso tivesse sido preparado com mais tempo. A razão por que me apressei a vetar foi para dar chance do Parlamento, se quiser, dizer ‘é este ano, tem de ser este ano’. Eu ficaria de consciência pouco tranquila por não chamar a atenção para isto. Separar ou unir não se pode fazer a correr. Foi por causa disso que eu fui contra a agregação que foi feita muito a correr em 2013”.

Nessas declarações aos jornalistas, Marcelo deixou a garantia de não fazer tentar reverter nova decisão do Parlamento, aquela que nesta quinta-feira se consolidou: “É a vontade popular quem mais ordena. Não fico preocupado, ferido, melindrado, nada”.

A reversão destas uniões de freguesas é “um erro crasso”, na opinião de Miguel Relvas, dinamizador da reforma administrativa efetuada em 2013, em consonância com o acordo firmado com a “troika”. “É um erro crasso e um retrocesso político, que o país vai pagar caro”, disse ao ECO/Local Online o ex-ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares no Governo de Pedro Passos Coelho.

A reforma foi bem além das uniões de freguesias, acentuou, abrangendo a designada “Lei dos Compromissos”, que estabeleceu limites nas despesas das autarquias e a criação das Comunidades Intermunicipais (CIM), estruturas potenciadoras de ganhos de escala.

A votação favorável nesta quinta-feira ainda permite levar o processo avante nas autárquicas do final de setembro ou início de outubro. Ao ECO/Local Online, o presidente da Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE), Jorge Veloso, dizia, a 17 de fevereiro que “se houver promulgação [pelo Presidente da República] até dia 15, 20 de março, tem tempo, não há problema absolutamente algum. Ficaremos a seis meses e mais uns dias do ato eleitoral, portanto estamos dentro do prazo”.

Ora, como Marcelo Rebelo de Sousa tem, por lei, dez dias para se pronunciar, e considerando a sua garantia de que não voltará a levantar barreiras à desagregação, a promulgação ainda poderá ocorrer nesta janela temporal considerada pelo líder da ANAFRE. Contudo, se o Parlamento repetir a demora no envio do diploma para Belém – Marcelo disse aos jornalistas que só 13 dias depois da aprovação da Lei esta lhe chegou às mãos –, não é de excluir que seja furado o prazo para alteração do mapa territorial, e que é de seis meses antes das eleições, ou seja 28 de março, a confirmar-se a data avançada informalmente a Jorge Veloso.

A escolha da data para as eleições autárquicas caberá ao Governo, o qual poderá ser de Luís Montenegro, ou de outro primeiro-ministro que venha a sair das legislativas que tudo indica venham a ocorrer em maio deste ano.

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