Media

O ano da consolidação dos grandes grupos de media?

Carla Borges Ferreira,

O tema da consolidação dos media voltou à agenda na última semana. Mas, se a escala aporta valor, os riscos de perder receita também são elevados, como destacam os profissionais ouvidos pelo +M/ECO.

Precisar [de consolidação] não precisamos. Mas, se existir algum processo, a Media Capital quer participar”. É assim que Pedro Morais Leitão, desde o final de junho CEO do grupo dono da TVI, da CNN Portugal ou da Plural, reage, em declarações ao +M/ECO, à sugestão de Francisco Pedro Balsemão de que é necessária uma maior concentração, ou consolidação, no setor dos media.

Para o gestor, a consolidação não é necessária na medida em que tanto a Impresa como a Media Capital são grupos que “já têm escala crítica”. No entanto, prossegue, “o problema é que quando um passa a liderar o outro fica desequilibrado, porque tem a estrutura preparada para a liderança”. A vantagem num cenário de consolidação, e falando em abstrato, é que o grupo tem “estrutura montada para produzir canais de televisão adicionais de forma muito eficiente”. “Tanto nós como a Impresa conseguimos fazer conteúdo com qualidade a um custo interessante”, acrescenta.

O tema da consolidação não é novo, mas voltou à ribalta na última semana, quando Francisco Pedro Balsemão, CEO da Impresa, dona da SIC e do Expresso, num almoço-debate do International Club of Portugal, defendeu que deveria haver concentração no setor dos media em Portugal, embora acrescentando que o grupo que lidera não tem qualquer projeto nesse sentido. “Se faz sentido haver tantos grupos de media em Portugal? Acho que não. […] Devia haver maior consolidação”, afirmou citado pela Lusa. O gestor, filho do fundador do grupo, Francisco Pinto Balsemão, acrescentou que falava na necessidade de consolidação “em termos teóricos”, já que “um país como o nosso, com a nossa dimensão, e sem nada em mente no grupo Imprensa, tem um mercado com demasiados grupos de media e está sujeito a consolidação”, reforçou.

Esta não é a primeira vez que o presidente executivo da Impresa fala em concentração. Já em 2018, após a tentativa falhada de compra da Media Capital pela Altice, admitia, no congresso da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações (APDC), essa possibilidade. “É natural. Mas não pode ser uma integração vertical, como a Altice queria fazer com a TVI”, defendia. “Nesse aspeto, tem de ser ‘cada macaco no seu galho’. Nós queremos que haja uma colaboração maior, numa ótica de parceria estratégica, nunca como uma integração vertical, antecipando as investidas das Netflix, Amazon e outros“, afirmava na altura. Cinco anos depois, as ‘investidas’ da Netflix, HBO, Disney+ ou Video Prime, são reais e traduzem-se numa audiência cada vez mais fragmentada e, a curto/médio prazo, quando estes serviços começarem a incorporar também publicidade, a fragmentação vai alargar-se ao bolo publicitário, hoje ainda concentrado maioritariamente em televisão.

Para Pedro Morais Leitão, a situação ainda não é critica. “As receitas de TV em sinal aberto ainda são materiais e têm caído a um ritmo razoável, tendo em conta [a quebra] das audiências”, diz. Apesar da fragmentação, “ainda não há nenhum outro meio com a mesma escala, que provoque o efeito ignição” alcançado pela televisão, reforça, lembrando que apesar da promessa “da eficácia e do controle” do digital, a audiência está dividida por muitos meios em simultâneo, pelo que o mais eficaz, quando se pretende massificar a informação ou levar à ação num curto espaço de tempo, continua a ser a televisão, defende.

Os três grandes envolvidos em movimentos de concentração?

Não tendo sido na última semana a primeira vez que Francisco Pedro Balsemão defendeu a necessidade de consolidação, o tema ganha maior destaque pela pronta reação de Luís Mergulhão, CEO do Omnicom Media Group Portugal, a criticar a ideia e, sobretudo, por ter sido proferida numa altura em abundam os rumores sobre hipotéticas negociações, em formatos distintos, a envolver Impresa e Cofina ou Cofina e Media Capital. Contactadas pelo ECO/+M, tanto a Cofina como a Impresa optaram por não responder a nenhuma questão que envolva o tema da consolidação, nomeadamente se esta é ou não necessária e porquê e se os grupos estariam dispostos a fazer parte de uma solução que conduzisse nesse sentido.

Uma oferta cada vez mais única e uma oferta cada vez mais semelhante ou quase igual vai, obviamente, retirar audiências a quaisquer que sejam os media destes novos grupos agrupados e, portanto, vai fazer com que, aí sim, os cidadãos migrem cada vez mais para as plataformas sociais ou para as plataformas globais.

Luís Mergulhão

CEO do Omnicom Media Group

Luís Mergulhão, por sua vez, num artigo publicado na Lusa no dia a seguir às declarações do presidente executivo da Impresa, pedia “sensibilidade e bom senso” e argumentava que concentração não significava necessariamente maior viabilidade económica. “Nós temos, grosso modo, em termos de grupos de media de hoje, quatro grandes, se considerarmos a presença do Estado através de rádio e televisão portuguesa, ou seja, temos quatro televisões generalistas”, começava por caracterizar o responsável do grupo que detém, entre outras, as agências OMD e PHD, assumindo que quando se fala em consolidação “se está a falar dos grandes grupos” e lembrando que a televisão ainda vale 50% do investimento publicitário. Se pensarmos que a privatização da RTP ou de um dos seus canais não está em cima da mesa, como chegou a estar há cerca de 10 anos, sendo uma das bandeiras do governo liderado por Pedro Passos Coelho, esta fica automaticamente excluída. Restam então os canais privados.

Assim, na opinião de Luís Mergulhão, concentração “vai significar aquilo que normalmente se chama sinergias e, portanto, essa diminuição da pluralidade ao nível da informação é um problema importante que tem que ser tido em conta do ponto de vista nacional e do ponto de vista da cidadania”. “Este ponto é crucial e não podemos pensar apenas do ponto de vista meramente económico”, acrescentava. Mas, do ponto de vista das receitas de publicidade, o responsável também alerta para que “uma oferta cada vez mais única e uma oferta cada vez mais semelhante ou quase igual vai, obviamente, retirar audiências a quaisquer que sejam os media destes novos grupos agrupados e, portanto, vai fazer com que, aí sim, os cidadãos migrem cada vez mais para as plataformas sociais ou para as plataformas globais”.

A consolidação, tal como afirma Francisco Pedro Balsemão, poderá ser benéfica se favorecer a capacidade de criar/adquirir e fornecer conteúdos mais diversos e que sejam capazes de atrair aqueles, das mais diversas idades, que hoje migram para outras plataformas. Neste sentido ela seria benéfica para o consumidor, acrescendo à sua capacidade de escolha”, diz por seu turno Pedro Gândara, executive director do Publicis Group, ao ECO/+M. No entanto, “se a consolidação conduzir a subtração de oferta, obviando à capacidade de aumentar audiências, então todos, consumidores, marcas e meios perderemos”, prossegue o responsável, deixando as duas possibilidades em aberto.

Se a consolidação conduzir a subtração de oferta, obviando à capacidade de aumentar audiências, então todos, consumidores, marcas e meios, perderemos.

Pedro Gândara

Executive director do Publicis Group

Alberto Rui Pereira, CEO do IPGMediabrands, vê algumas virtudes na consolidação. “A vantagem da consolidação – e falo de consolidação, não de duopólio – é dar escala. Somos muito pequenos, ganhar escala é interessante, não dá saúde financeira, mas ajuda”, diz em conversa com o ECO/+M o responsável do grupo que detém entre outras a Initiative e a UM, reforçando que pode ser interessante se potenciar “um grupo mais multifacetado e com melhor oferta”. Esta hipótese não lhe parece, no entanto, muito plausível.

Se tentarmos projetar cenários mais concretos, envolvendo a Cofina e a Impresa ou a Media Capital, a probabilidade de alguma concentração se revelar interessante diminui. “Do ponto de vista da forma como se posicionam na informação, são culturas opostas. Não estou a ver como podem conviver, colidem. O ADN é demasiado distinto”, diz o responsável. E, se em teoria os targets são complementares, o todo acabaria por resultar menor do que a soma das partes. “Não havia nada a ganhar, o ADN é demasiado diferente. Ambos são relevantes, mas são diferentes. Havendo um casamento, um vai absorver o outro e perde-se diversidade”, antecipa Alberto Rui Pereira. “Não era bom matar um deles”, declara.

Não havia nada a ganhar, o ADN é demasiado diferente. Ambos são relevantes, mas são diferentes. Havendo um casamento, um vai absorver o outro e perde-se diversidade

Alberto Rui Pereira

CEO do grupo IPG Mediabrands

 

Tal como Pedro Morais Leitão, Alberto Rui Pereira também não antecipa que a perda de audiências dos canais generalistas seja proporcional ao desvio da receita publicitária. Para termos uma ideia, em 2018, a soma do share de audiência da TVI, SIC e RTP1 situa-se nos 49,5%. No final de 2022, os mesmos três canais valiam 45,2% de share. Na quota do mercado publicitário, Alberto Rui Pereira antecipa que a quebra este ano possa ser de um ponto, montante esse que fugirá para os canais temáticos e para o digital.

A diminuição não é dramática e é gerível”, acredita o responsável, acrescentando um dado que terá reflexo direto na coluna das receitas no excel: a subida de preços. Esta, motivada por duas ordens de razões. Por um lado, a operação vai ser mais cara, por via da subida generalizada dos custos. Por outro, a diminuição da audiência leva a uma maior dificuldade em gerar GRP – gross rating points, a métrica que mede os contactos da publicidade em televisão -, e “em muitos períodos do ano, os canais não vão conseguir responder à procura”, explica o responsável. “Com a perda de audiência, a ‘fábrica’ não tem capacidade para entregar GRPs, não há outro caminho senão aumentar o preço”, diz. “É o caminho da sobrevivência, o aumento do preço vai ajudar a conseguir receitas”, resume.

A título de exemplo, no primeiro semestre do último ano – no qual o grupo foi vítima de um ciberataque – a Impresa registou prejuízos de 2,2 milhões de euros, número que compara com os lucros superiores a 3,3 milhões no mesmo período do ano anterior. A Media Capital fechou o semestre com lucros de 40,8 milhões de euros, números impactados pela venda das rádios, transação que ascendeu a a 69,6 milhões e que gerou uma mais-valia líquida de 46,5 milhões, e a Cofina fechou o primeiro semestre do último ano com lucros próximos dos 3,3 milhões de euros

Voltando à concentração, e cruzando com as receitas de publicidade, qual é a vantagem? “Não vejo nenhuma vantagem”, responde o CEO do grupo IPGMediabrands. “Quando os publishers são mais fortes é positivo, porque têm capacidade para produzir bons conteúdos”. Se os conteúdos pioram, é um ciclo vicioso: “piores conteúdos levam a piores audiências, piores audiências levam a piores receitas, piores receitas levam a piores conteúdos,…”. Ou seja, “consolidação, se melhorar a robustez financeira, é uma vantagem. Mas, diz Alberto Rui Pereira concordando com Luís Mergulhão, não é sinónimo. “Por vezes, grupos mais pequenos podem ser mais saudáveis”, acrescenta, falando em abstrato.

Nos últimos anos, aliás, tanto a Impresa como a Media Capital alienaram áreas de negócio. A Impresa no início de 2018, quando fez o spin off da área de revistas dando origem à Trust in News, editora da Visão, Exame ou Caras, entre outras, e a Media Capital no último ano, quando vendeu as rádios ao grupo Bauer. Alberto Rui Pereira vê vantagens nos dois movimentos.

No primeiro caso, “num setor muito penoso”, o foco passou a estar todo no papel, ao contrário do que acontecia quando os títulos estavam na Impresa, coabitando num grupo com televisão. “É quase heróico”, caracteriza. No caso da venda da Comercial, Cidade FM ou Smooth FM, “ganham atendendo ao acionista que têm”, dos maiores operadores de rádio na Europa. “É um acionista com experiência e capacidade financeira. São especialistas em áudio, o foco é 100% no áudio. Vão inovar, trazer outros formatos. Vai ser bom para o mercado”, acredita, apontando também como positivo que um grupo com esta dimensão tenha olhado para Portugal. “É a constatação de que ainda temos algum valor”, diz.

Pedro Morais Leitão, por seu turno, classifica a venda das rádios até meados do ano passado da Media Capital como um “bom negócio”, com o “comprador disposto a pagar o que nenhum grupo português arriscaria a investir nas rádios”. “O setor da televisão não gera esse interesse nem atrai esses montantes”, diz. “Só se a Impresa ou a Media Capitel estivessem à venda”, acrescenta em tom de brincadeira.

Mais do que a concentração no setor dos media, o CEO da Media Capital diz-se preocupado com a concentração entre operadores [de telecomunicações]. “Representam uma fonte de receita importante para os canais e os problemas não se resolvem com concentração dos media. Isso sim, é um problema. Deixa-nos incomodados ter canais com ‘enlatados’ levados ao colo pelas operadoras”, afirma.

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