Os media precisam de boa gestão, escrutínio e marcas corajosas
É uma fatalidade os media serem deficitários? Rudolf Gruner, Gonçalo Reis e Francisco Teixeira asseguram que há caminho, num painel em que se discutiu, no Estúdio ECO, a sustentabilidade dos media.
“Uma sociedade sem media forte é uma sociedade que não respira bem”. Este é, para Gonçalo Reis, o ponto de partida quando se debate o setor da comunicação social. Por outro lado, “o vendaval de disrupção e de pressão sobre os media é enorme e só vai acelerar”, sendo necessária uma “conjugação de fatores”, e não uma “solução básica simples”, para que comece a acalmar.
Esta conjugação, segundo o chairman AEDL-Douro Litoral e CEO IPG Grupo, tem de passar por acionistas sólidos que conhecem o setor e que respeitem o tema da independência editorial.
Mas esta conjugação de fatores passa também por bons gestores – com a capacidade de gestão a desempenhar um “papel decisivo” – e por uma “prestação de conteúdos” de qualidade por parte dos jornalistas, sendo este um setor que continua a atrair “muito talento”. No entanto, os produtores de conteúdo “têm de mudar muito rapidamente o chip“, de perceber que é necessário trabalhar em várias plataformas, serem mais versáteis e “amigos das soluções”, defendeu o ex-presidente da RTP.
Gonçalo Reis lamentou que o que saiu do Congresso dos Jornalistas, onde houve “boas intervenções”, tenha sido uma greve. “Vi tanto talento e ideias e capacidade de contribuir que acho que uma greve não vai robustecer os títulos, não vai chamar a atenção para os pontos mais essenciais. Acho que há outras maneiras de contribuir“, afirmou no painel “A viabilidade dos media como negócio”, inserido na conferência “Jornalismo, as notícias e o negócio”, que juntou no Estúdio ECO também Francisco Teixeira (CEO do GroupM) e Rudolf Gruner (diretor-geral do Observador).
Já Francisco Teixeira, dizendo que a imprensa na última década sofreu uma “transformação profunda”, defendeu que a renovação de títulos “é algo natural”, lembrando que “na verdade, em Portugal terão desaparecido um terço dos títulos, um terço dos leitores e 90% da receita“.
Segundo o CEO do GroupM, tem sido construído um conjunto de mitos, porque o facto de se consumir mais conteúdos em digital ou através de redes sociais “não tira nenhuma relevância aos meios de comunicação social”.
“A notícia, quando é boa e impactante, nova e relevante, nós vamos atrás dela. Isto era assim no início e é agora. Só que agora é mais difícil, mais fragmentado, vive muito menos do canal e mais do conteúdo”, afirmou, defendendo também a importância da diferenciação.
No que toca ao mercado da publicidade, Francisco Teixeira defendeu que o último ano foi “extraordinário”, com um crescimento de 10%, o que “significa que os anunciantes acreditam no mercado e que foi possível encontrar soluções”. O mercado publicitário em 2023 valeu, ainda assim, um pouco menos que em 2010.
“O nosso melhor ano nos últimos 13, coloca-nos abaixo do volume que tínhamos em 2010”, referiu Francisco Teixeira, dizendo que o que aconteceu desde aí é que o digital cresceu 400%. No entanto, desse investimento, para os players nacionais “foi muito menos do que devia ter ido”, concede, alegando “razões várias” e que “o mundo nem sempre faz aquilo que nós queremos”.
O mercado como um todo cresceu 10%, mas que se fosse o Facebook e a Google fossem retirados da equação, este só cresce 5%. E, “se olharmos para os publishers digitais, na realidade o mercado decresceu 5%. E isto num ano em que o mercado como um todo cresceu 10%”, argumentou em contrapartida o diretor-geral do Observador.
“Há um conjunto de razões para isso, podia-se ir para o lado de que os anunciantes não estão a resistir ao facilitismo das métricas das Googles e Facebooks“, mas “nós também seguramente não estamos a fazer bem o nosso papel, porque não estamos a conseguir aliciar ou mostrar as nossas vantagens“, admitiu Rudolf Gruner.
“A verdade é que tudo isto era menos interessante se não tivéssemos Meta nem Google, e a verdade é que ambos nos trazem soluções e ambos levam uma boa parte do investimento que podia ser desenvolvido aqui localmente“, defendeu Francisco Teixeira, acrescentando que são estas plataformas que permitem aos meios uma muito rápida disseminação à escala mundial. “O mundo mudou e a verdade é que o jornalismo demorou mais tempo a mudar do que o mundo“, disse ainda o CEO do GroupM.
Por sua vez, Gonçalo Reis acredita que o setor dos media “mesmo assim, tem alguma capacidade de se reinventar”, referindo o lançamento de alguns projetos recentes, como o Observador, o Novo, a CNN ou o ECO, bem como de podcasts “fabulosos”. “O enquadramento global é muito difícil, mas há uma certa dinâmica, vitalidade e capacidade de atrair talento e capital“, constata.
As marcas em Portugal acabam por investir muito na conversão, na campanha, na parte mais funcional daquilo que é a sua prática, o que prejudica muitas vezes o experimentalismo e o arriscar.
O diretor-geral do Observador concordou com a importância crescente do podcasts, referindo que quase 40% da população portuguesa diz ouvir podcasts regularmente, mas que o “investimento não está lá”, ao contrário do que acontece em outros países como os Estados Unidos, onde se investe bastante neste formato.
Como causas, Rudolf Gruner aponta o facto de Portugal ser um país pequeno e, em consequência, os orçamentos das marcas “tenderem a não ser muito grandes”. Além disso, com os orçamentos de comunicação nas multinacionais a serem geridos centralmente, a parte investida em “institucional, notoriedade e posicionamento”, acaba “por não passar por Portugal”, defendeu.
“As marcas em Portugal acabam por investir muito na conversão, na campanha, na parte mais funcional daquilo que é a sua prática, o que prejudica muitas vezes o experimentalismo e o arriscar“, aponta Gruner.
“Meios fortes criam contextos e ambientes onde as marcas podem existir com maior tranquilidade. Não é comprar notícias nem espaço porque mais cedo do que tarde tudo isso dá asneira. Mas a verdade é que uma marca precisa de um contexto seguro, onde possa ser bem interpretada, e nós sabemos quando as marcas sentem isso e arriscam“, argumentou por sua vez Francisco Teixeira, referindo-se ao recente exemplo da Ikea.
Já Rudolf Gruner afirmou que “antes de pensarmos nas marcas – e pensamos muito nas marcas – pensamos nos nossos consumidores e leitores”, e que se esse trabalho for bem feito “temos o contexto apropriado para as marcas se sentirem seguras e sentirem que há valor”.
O diretor-geral do Observador apontou ainda que a indústria dos medias no digital “vive muito” das visualizações e das visitas, mas que “para quem quer apostar em jornalismo de qualidade e em conteúdo claramente bom e distintivo, isso é claramente insuficiente à luz daquilo que sabemos hoje”.
O Estado não pode permitir passar para as mãos de alguém que não seja credível, com um projeto sólido, que não passa em meia dúzia de perguntas, a responsabilidade que é gerir um órgão de comunicação social. Nem todos estão preparados para assumir uma função destas.
Governança e escrutínio
A transparência da propriedade do media foi outro dos temas abordados. “O Estado não pode permitir passar para as mãos de alguém que não seja credível, com um projeto sólido, que não passa em meia dúzia de perguntas, a responsabilidade que é gerir um órgão de comunicação social. Nem todos estão preparados para assumir uma função destas“, defendeu Francisco Teixeira. E, “o que surpreende é que nós já temos os instrumentos” para o fazer, acrescentou Gonçalo REis, referindo-se à Lei da Transparência da Titularidade, da Gestão e dos Meios de Financiamento da Comunicação Social, de 2015, e à existência da ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social).
“Os instrumentos estão lá, a atuação é que não“, referiu, acrescentando que a “fatura, elevada, paga-se mais tarde, prejudicando a circulação de informação, a sobrevivência dos títulos e o trabalho dos jornalistas“.
O tema da governança nos media é “muito importante”, defendeu Gonçalo Reis, recordando que a ERC, “sistematicamente”, demora um ano a entrar em funções porque é baseada no modelo antigo, que requer um acordo entre dois terços do parlamento.
A Constituição estabelece que a Assembleia da República designa quatro dos cinco membros da ERC, sendo o quinto elemento, o presidente da entidade, cooptado entre os designados pelo parlamento. A título de exemplo, o novo Conselho Regulador da ERC tomou posse só em novembro passado embora o mandato antecedente tenha terminado em dezembro de 2022.
“Se vivemos num mundo fragmentado politicamente, então os políticos que alterem as regras para que a liderança da ERC não precise de ter os dois terços, porque cada vez vai ser mais difícil ter dois terços do parlamento a votar“, atirou Gonçalo Reis.
Financiamento público dos media
Com a discussão sobre eventuais apoios públicos aos media na ordem do dia, Gonçalo Reis defendeu uma maior proximidade entre a Lusa e a RTP. “Faz-me alguma confusão que não se explore alguma sinergia, alguma colaboração, entre a RTP e a Lusa“, avança, realçando a importância de manter a independência editorial e o papel de cada uma. “Mas há vários caminhos e possibilidades para ganhar eficiência, de explorar sinergias. Não estamos em tempo de nem pensar sobre isso. Acho que deve ser equacionado”, acrescentou o CEO IPG Grupo e ex-presidente da RTP.
O chairman da AEDL-Douro Litoral defendeu também a existência da publicidade na RTP, até porque “a publicidade faz parte da experiência televisiva e é fundamental para o modelo de negócio“.
Já Francisco Teixeira advoga o contrário. Num “momento em que temos um mercado publicitário difícil, com um conjunto alargado de players”, devia ser equacionada uma RTP sem publicidade, podendo essas receitas publicitárias serem canalizadas para outros meios. No entanto, questionado sobre se esse investimento que seria libertado pela RTP iria para os players nacionais ou mais uma vez para os internacionais, Francisco Teixeira respondeu que “o dinheiro é como a água, escolhe sempre os seus caminhos“. “É obvio que um gestor de uma marca procura, com o dinheiro disponível, investir onde tem os melhores resultados“, acrescenta o responsável do grupo que detém agências como a Wavemaker, EssenceMediacom ou Mindshare.
Sobre a questão dos apoios ou financiamentos estatais, Rudolf Gruner aponta que o Estado “não deve interferir, deve regular”. Segundo o diretor-geral do Observador, numa “indústria normal”, há empresas boas e há outras que não conseguem ter sucesso, saem e deixam espaço livre, referindo a existência de muitas empresas “zombies” no setor do jornalismo, como um jornal com 30 anos que já perdeu “mais de 100 milhões de euros”.
“Eu como consumidor posso ficar satisfeito por haver um jornal que é apoiado por um mecenas, mas como agente económico desse mercado, apetece-me invocar o fair play financeiro do futebol”, afirmou.
Deixando desde logo patente que existe “um problema de baixos salários na indústria” do jornalismo, Rudolf Gruner questionou ainda se fazia sentido a RTP, que recebe contribuições por parte do Estado, ter 1500 trabalhadores e pagar em média mais 25% a 30% do que a segunda empresa que paga melhor no mercado.
Eu gosto é da vitalidade, grau de autonomia, pluralismo. E esta medida [oferta da Lusa a todos os meios] não convoca para o pluralismo, antes pelo contrário, o que vai estimular é uma camada cada vez mais comum. E quando a camada de media e conteúdo vai beber tudo à mesma fonte, como sociedade, isso assusta-me
A gratuitidade dos serviços da Lusa também tem estado na agenda. A medida não desperta “nenhuma simpatia” a Gonçalo Reis, que a encara como uma “política dirigista“.
“Eu gosto é da vitalidade, grau de autonomia, pluralismo. E esta é uma medida que não convoca para o pluralismo, antes pelo contrário, o que vai estimular é uma camada cada vez mais comum. E quando a camada de media e conteúdo vai beber tudo à mesma fonte, assusta-me“, justifica o ex presidente da RTP.
Além disso, também não deve ser esquecido que é o Governo quem nomeia diretamente a direção e administração da Lusa, o que complica ainda mais a questão, acrescentou Gonçalo Reis, mostrando dúvidas que isso passe no “crivo europeu”.
“O que nós gostaríamos era de ter um Estado forte no sentido da atenção e regulação“, observou o diretor-geral do Observador, referindo que lançar um site é simples mas que no caso de uma rádio é um “horror”, com “restrições que não lembram ao diabo”. “Se quiséssemos apenas fazer podcasts, ninguém nos perguntava nada. Isto é que não faz sentido. Falo de uma lei que está completamente obsoleta e ultrapassada”, avalia.
Quanto ao uso de inteligência artificial no setor, Rudolf Gruner defendeu que no médio prazo vai levar a algo similar àquilo que é o “estreitamento da classe média”, com a existência de bons títulos com artigos diferenciados e de outros apenas com notícias rápidas e curtas.
Sendo o Observador um meio digital, “estranho seria se não já estivéssemos a trabalhar” a área da inteligência artificial, apontou o seu diretor-geral. “Quem não o fizer agora – e percebo que a ausência de meios não ajuda – depois será tarde“, assegurou, lembrando que, em conjunto, o Observador, o Público e o Expresso detêm mais de 80% do mercado de assinaturas em Portugal, que tem crescido a dois dígitos todos os anos.
“Há espaço para aparecerem novos players e novos negócios que tenham realmente a perspetiva de virem a ser um negócio sustentável“, acredita Rudolf Gruner.
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