Media

Montenegro admite “algum” financiamento público para os media. Gestores apontam ao Governo o caderno de encargos

Carla Borges Ferreira,

Luís Montenegro admitiu, sem detalhar, "algum" financiamento público para os media. O +M/ECO ouviu os gestores dos principais grupos de comunicação social, que apresentam o caderno de encargos.

Pedro Morais Leitão (Media Capital). Francisco Pedro Balsemão (Impresa), Luís Santana (MediaLivre), Rudolf Gruner (Observador), Luís Delgado (Trust in News) e Paulo Padrão (Swipe News)

A novidade para os media chegou este domingo, pela voz do primeiro-ministro, que admitiu a possibilidade de “algum” financiamento público para a comunicação social. “Aqueles que cumprem serviço público naturalmente que devem esperar do Estado o reconhecimento do serviço que prestam”, afirmou sem detalhar.

Luís Montenegro acrescentou que a atração de capital privado deve também ser estimulada” e que o Estado deve “garantir um bom retorno dos investimentos que ocorreram”. “Também precisamos de instrumentos de mecenato para a comunicação social, precisamos que o capital que é atraído para esta atividade possa ter condições de retribuir o esforço que está a dar”, adiantou ainda o chefe do Governo.

As declarações foram proferidas na conferência dos 136 anos do Jornal de Notícias, título em vias de sair do perímetro da Global Media e integrar um novo grupo, criado para absorver alguns dos principais ativos da também dona do Diário de Notícias e da TSF. Para além destas declarações, e ainda no âmbito do aniversário do Jornal de Notícias, o ministro que tutela a comunicação social, Pedro Duarte, avançou que o plano de ação para o setor dos media seria apresentado em breve.

O Estado, recorde-se, transfere cerca de 190 milhões de euros para a RTP, não através do Orçamento de Estado mas da contribuição audiovisual, cobrada na fatura da eletricidade. No porte pago investe 4.5 milhões de euros e para a agência Lusa o montante transferido pelo Estado é de 18 milhões de euros.

As afirmações, tanto na forma como no conteúdo, e o local escolhido para as fazer, parecem ter apanhado de surpresa os responsáveis dos principais grupos de media do país

Fazia sentido repensar o que é o serviço público. Se há outras entidades que o fazem [para além da RTP] e se também vão ser subsidiadas”, começa por defender Pedro Morais Leitão, CEO da Media Capital. Para o responsável pela empresa que detém a TVI, no entanto, a Global Media é “uma situação complicada do ponto de vista da sustentabilidade financeira”, com um histórico de “diferentes vagas acionistas” a não ajudar. “Se vamos começar a discutir o que cada grupo acha que é serviço público, temos um problema”, comenta.

“O Preço Certo é o programa de maior audiência da RTP e não é serviço público. Os 200 milhões gastos na RTP não são só para cumprir serviço público, são para manter a estrutura de custos criada a funcionar. Uma estrutura que ninguém faz grande esforço para reduzir”, repete ainda a propósito da RTP.

No entanto, em sua opinião faz sentido discutir o papel da RTP e o que se quer como serviço público, “se isso é dizer que vamos dar dinheiro à Global Media, já é muito discutível”. “Custa-me que as declarações tenham sido no contexto da conferência de Jornal de Notícias. Já se percebeu que o serviço público deve ser discutido. Mas ser discutido em contexto Global Media é tentar apagar um fogo que devia ser apagado pelos seus donos”, crítica Pedro Morais Leitão em conversa com o +M.

Notando que o Governo tem tomado uma série de decisões rapidamente, e sem dados sobre o plano para o setor que o Executivo promete apresentar, para Pedro Morais Leitão as prioridades situam-se em três frentes: uma pressão firme em relação às plataformas digitais – “nos EUA foi tomada uma posição que podia levar ao fecho do TikTok, se calhar está na altura de os governos europeus fazerem o mesmo em relação às plataformas americanas” –; o reforço do montante atribuído via Instituto do Cinema e do Audiovisual à produção – “em Espanha há incentivos no valor de 2,5 mil milhões, em Portugal são entre 30 e 40 milhões”, dá como exemplo –; e a questão da televisão digital terrestre.

“A RTP, SIC e TVI gastam em conjunto 12 milhões de euros por ano num serviço que ninguém vê”, sustenta, defendendo que sejam tomadas no imediato medidas com vista a desativar a TDT a partir 2030, quando termina a licença.

“O plano de ação deve incidir sobre a rede e não sobre o peixe ou a esmola”, aponta Francisco Pedro Balsemão

Francisco Pedro Balsemão, CEO da Impresa, defende por seu turno que “o jornalismo tem de ser valorizado” e, para isso, é preciso “projetos financeiramente viáveis, capazes não de sobreviver mas sim de crescer, num setor com concorrência leal e com players que encarem os media pelas razões certas”.

Questionado sobre como é que o Estado pode ou deve apoiar os media, o responsável do grupo dono da SIC e do Expresso responde, por escrito, que acredita e vai continuar a acreditar, que os media podem ser um bom negócio. “Nunca como hoje, por exemplo, se consumiu tantos conteúdos noticiosos. E nunca como hoje, numa sociedade polarizada e em que a desinformação grassa impunemente, as funções de um jornalista foram tão relevantes”, aposta.

Assim, “e sempre respeitando de forma escrupulosa a independência dos jornalistas, deve ser feita uma ampla reflexão sobre de que forma os media merecem ser olhados com as especificidades próprias, no que respeita à sua importância para a defesa da democracia e liberdade de expressão, mas também como outras indústrias com valor económica, e que são apoiadas com o objetivo de exportar ou de se modernizar tecnologicamente”, escreve o CEO do grupo.

Quanto a medidas concretas, Francisco Pedro Balsemão afirma que quaisquer medidas para o setor devem ser sempre benéficas não só de forma transversal mas para o próprio país. “Ou seja, o plano de ação deve incidir sobre a rede e não sobre o peixe ou a esmola”.

Assim, o responsável defende alteração de regras no que respeita a incentivos financeiros e fiscais específicos para o setor e a criação de programas específicos para os media na canalização de fundos europeus, à semelhança de outras indústrias. Podem ser relevantes apoios específicos e substanciais para a formação em áreas tecnológicas, modernização, promoção à exportação de produtos, acrescenta.

O responsável lista também o investimento em publicidade institucional de uma forma criteriosa, em matérias em que o Estado precisa de comunicar (temas relacionado com a saúde, campanhas rodoviárias, prevenção de fogos florestais); a promoção do ensino da literacia mediática nas escolas, universidades e junto da sociedade civil; e apoio mobilizado dos agentes políticos e sociais para que se efetive o pagamento justo pelos direitos de autor.

Os media não podem continuar dependentes de algoritmos que nunca dominarão e de empresas de distribuição digital que não têm qualquer respeito por conteúdos produzidos profissionalmente, sem os quais não teriam atingido o seu estatuto”, conclui o presidente executivo da Impresa.

“Os grupos têm que ser bem geridos”, diz Luís Santana

Ao contrário de Pedro Morais Leitão, Luís Santana, CEO da Medialivre, aplaude que as declarações de Luís Montenegro tenham sido feitas no âmbito da conferência do Jornal de Notícias, mas diz que o mais importante é que “os grupos sejam bem geridos”. “Meter dinheiro nos grupos de media é esbanjar dinheiro sem nenhum benefício”, aponta, mostrando-se também desfavorável a qualquer espécie de mecenato.

É necessário salvaguardar a independência, a informação livre e rigorosa. Os grupos têm que ser bem geridos, ser auto suficientes e distantes de todos os interesses. Isso é o fundamental”, defende o também acionista do grupo dono da CMTV e que vai lançar no dia 17 o Now. Grupos fortes traduzem-se em grupos sólidos, naquilo que é a independência editorial”, reforça o responsável.

Assim, e mostrando-se contra apoios diretos ou qualquer espécie de mecenato, Luís Santana defende sobretudo a existência de benefícios fiscais. O IVA zero, que baixaria o preço das publicações, e benefícios em sede de IRS seriam duas medidas a adotar.

Numa segunda frente, o responsável diz ser urgente, a nível europeu, a taxação das receitas de publicidade das grandes plataformas. “Em sede de UE, é necessário que tenhamos benefícios sobre a publicidade dos GAFA”, reforça.

Luís Santana apoia a eventual gratuitidade dos serviços da Lusa, como era defendido pelo Governo anterior, e deixa um forte alerta para as questões da distribuição. “Qualquer dia não há jornais no interior, têm que ser tomadas medidas no sentido dos jornais chegarem a todo o país, seja através do alargamento do porte pago ou de outras medidas”, apela o responsável do grupo que tem também o Correio da Manhã, o Record, o Jornal de Negócios ou a Sábado.

“Dar dinheiro a meios que não são sustentáveis não resolve os problemas”, defende Rudolf Gruner

Rudolf Gruner é também contra qualquer espécie de apoio direto aos órgãos de comunicação social. O diretor-geral do grupo dono do Observador e da rádio Observador, que durante a pandemia recusou o apoio de cerca de 90 mil euros do Estado, adianta que voltaria a fazê-lo. “Estranhamos qualquer forma de apoio público aos órgãos de comunicação social, seja subsídio ou outra forma de financiamento. É contra natura com a nossa missão de escrutínio”, defende.

O diretor-geral do Observador avança, em alternativa, realçando mesmo assim não ser isento de riscos, o apoio à compra de assinaturas. Aqui, mais do que benefícios fiscais, “cujo impacto seria reduzido”, o responsável diz que se podia ir mais longe. A sugestão é então a oferta de assinaturas. O mecanismo seria, por exemplo, um código no Portal das Finanças, que permitiria a cada pessoa fazer uma assinatura de forma gratuita.

A grande vantagem é que o apoio seria colocado na mão do cidadão, que decidia escolher o órgão A, B ou C. Seriam eliminados os critérios subjetivos e sempre atacáveis”, explica. “Pode funcionar de forma simples e eficaz. Se 100 mil pessoas subscreverem, podemos estar a falar de 10 milhões de euros, se 200 mil subscreverem, de 20 milhões”, concretiza. “Seria importante na estrutura de receitas”.

Gruner também não se mostra contra a gratuitidade dos serviços da Lusa, mas descreve a eventual medida como “uma gota de água, que estruturalmente não resolve nada”.

Quanto ao mecenato, diz já ser uma realidade, referindo que “muitos órgãos têm na sua estrutura acionistas que vão apoiando os projetos”. “Para nós o mais importante é o mercado funcionar de forma justa e equilibrada. Dar dinheiro a meios que não são sustentáveis não resolve os problemas. É alimentar zombies que vão sobrevivendo e alterando as regras do mercado”, critica.

“É urgente uma taxa de internet”, defende Luís Delgado

Luís Delgado vê com bons olhos a existência de apoios do Estado à comunicação social, um setor que, como lembra, vem consagrado na Constituição. “É o quarto poder, o único setor que vem referido na Constituição. Mantê-lo tem custos, tal como manter a democracia tem custos”, defende o dono da Trust in News, dona da Visão e da Exame, empresa entrou em processo de PER na última semana.

Assim, Luís Delgado começa por defender o porte pago universal para todos os meios de comunicação social. “A pessoa paga a assinatura, sem os custos de envio, que ficam a cargo do Estado”, explica. Num segundo plano, o responsável aponta a compra da participação da Lusa ainda nas mãos de privados, tornando o serviço da agência gratuito para todos os meios. “Não, podemos, como acontece, pagar duas vezes a Lusa. Já a pagamos através do Orçamento de Estado”, frisa o também ex-administrador da agência de notícias.

Como terceira medida, o dono da TiN sugere a “taxa internet”. Ou seja, tal como na fatura da eletricidade há a contribuição para o audiovisual, depois entregue à RTP, nas faturas das telecomunicações/internet seria adicionado um valor, a distribuir por todos os órgãos de comunicação social que têm presença digital. “Tenho 15 revistas e 15 sites, tudo é roubado, tudo é lido de graça. Se for explicado, tenho a certeza que os portugueses concordarão com a medida”, afiança.

Considerando que a inteligência artificial vai ser, para os media, “uma ameaça muito mais complicada do que o Google”, Delgado reforça que as medidas são urgentes, não sendo sustentável esperar por decisões da União Europeia neste campo.

Mostrando-se contra a transferência direta de verbas para os privados, o responsável mostra-se também contra quem diz que apoios do Estado colocariam em causa a independência editorial. “Mas, então, estamos a dizer que os jornalistas da RTP e da Lusa não são independentes?”, questiona.

“O Estado bem podia preocupar-se antes em garantir que não permite incentivos à “má” gestão versus a gestão que cumpre”, defende Paulo Padrão

Paulo Padrão, diretor-geral da Swipe News, dona do ECO e do +M, é de todos os responsáveis ouvidos no âmbito deste trabalho o que mais se opõe a apoios do Estado aos media.

“Por princípio, sou contra a intervenção ou apoio do Estado aos media. Vejo sempre com enorme dificuldade o Estado a decidir sobre apoios e, através dessa política, ser ele a decidir o que é “bom” jornalismo, para usar a expressão do primeiro-ministro”, enquadra por escrito.

“O Estado bem podia preocupar-se antes em garantir que não permite incentivos à “má” gestão versus a gestão que cumpre. Há meios que se financiam aos milhões não pagando à Segurança Social e à AT, expondo uma situação concorrencial desleal face aos que têm as suas obrigações em dia”, acusa o fundador do ECO, que tal como o Observador recusou apoios na altura da pandemia.

Paulo Padrão identifica como principal problema da gestão dos media a escassez de capital, seja para garantir o financiamento de projetos de crescimento, seja para garantir liquidez e uma tesouraria que não esteja sempre em modo estrangulado. No entanto, prossegue, este não é um problema exclusivo dos media, sendo transversal a uma grande parte da atividade económica.

Assim, “encontrar um mecanismo de apoio ao investimento de capital em media, sem criar uma situação de favorecimento ineficiente do ponto de vista económico face a outras atividades, é um desafio, mas considero que é o caminho mais correto”, diz.

Em vez de apoios às assinaturas ou incentivos fiscais, o responsável da Swipe News aponta, a título de exemplo, a criação de um fundo para financiar projetos de jornalismo. “Um fundo em que o Estado podia participar desde que abdicando completamente de qualquer participação na sua gestão. Em que a participação do Estado fosse apenas um estímulo a uma co-participação do capital privado, num movimento que teria de ser um call to action à sociedade civil, nomeadamente como forma do meio empresarial devolver à sociedade uma parte da sua rentabilidade”, explica.

Depois, “desde que fosse assegurada uma gestão privada e independente, deveriam existir benefícios fiscais à participação nesse fundo. Mas, mais do que os benefícios fiscais, o que deveria estar subjacente era uma coesão do empresariado em torno do objetivo de capitalizar órgãos de comunicação social que obedecessem a uma gestão rigorosa e equilibrada”, prossegue Padrão.

“Vejo com alguma perplexidade a pressão que se faz sobre o Estado para apoiar os media e não se use o mesmo finger pointing ao setor privado que só tem a ganhar com uma informação plural e de qualidade. Um setor privado que tanto elogia esses atributos do jornalismo, mas depois resiste a put your money where your mouth is”, conclui, na resposta por escrito.

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