Bruxelas continua a passar o cheque sem OE, mas capacidade de execução do PRR fica comprometida

Não há nenhuma lei que, perante um chumbo do OE, determine que não se possa atribuir fundos europeus. Mas sem aumentar tetos de despesa, execução dos projetos pode estar em risco.

O Presidente da República fez um alerta à navegação: caso o Orçamento do Estado para 2022 não passe no Parlamento e haja eleições antecipadas, o país corre o risco de ficar seis meses sem fundos comunitários. O risco não está do lado de Bruxelas, ou seja, viver de duodécimos não impede as transferências da Comissão Europeia, mas a capacidade de execução dos projetos por parte das entidades públicas fica comprometida.

“Imaginem que o Orçamento era chumbado. Se ele fosse chumbado, dificilmente o Governo poderia continuar a governar com o Orçamento deste ano dividido por doze, sem fundos europeus. Portanto, muito provavelmente haveria eleições”, disse Marcelo Rebelo de Sousa esta quarta-feira, dramatizando as dificuldades dos partidos mais à esquerda para viabilizar o Orçamento e alertando que um possível chumbo “muito provavelmente” conduzirá a eleições antecipadas.

O ECO contactou vários especialistas que explicaram que não existe nenhuma razão ou lei que determine que perante a não aprovação do OE se possa deixar de atribuir fundos europeus. Nem um governo de gestão está impedido de os executar. O ponto é se tem ou não condições para o fazer.

O problema coloca-se sobretudo ao nível do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), apesar de neste caso não ser necessária contrapartida nacional. Uma grande fatia é executada por entidades públicas — um facto que gerou fortes críticas dos empresários — que viram por isso o seu orçamento dar saltos substantivos face a 2021. Para poder levar a cabo os projetos há que ter capacidade financeira, mas se durante seis meses, essas mesmas entidades têm de viver com uma percentagem do orçamento do ano anterior, isso pode comprometer a execução física desses mesmos projetos.

A lei estabelece tetos à despesa por programa orçamental e se houver um programa particularmente beneficiado para poder executar o PRR vai necessitar de um teto de despesa superior face ao aprovado em 2021, teto esse que só pode ser alterado com a aprovação da Assembleia da República caso o país esteja a viver em regime de duodécimos. Mas, o Parlamento pode passar a dotação disponível de um programa orçamental para outro, resolvendo provisoriamente a questão.

Mas o problema surge depois num segundo nível. O PRR, ao contrário dos outros fundos estruturais que são pagos mediante a apresentação das faturas — sendo o horizonte temporal os sete anos do quadro comunitário em questões mais dois ou três anos subsequentes –, só é financiado mediante o cumprimento de metas e marcos previamente acordados com Bruxelas. Caso não sejam cumpridos, Portugal pode perder parte das verbas que lhe foram atribuídas. Um risco que o próprio primeiro-ministro já dramatizou por diversas vezes.

Mas, tal como explicou ao ECO fonte governamental, existe alguma margem para negociar com Bruxelas pequenas derrapagens de prazos desde que devidamente fundamentado. E, claramente, viver seis meses de duodécimos até ser aprovado um novo Orçamento em abril, na sequências de eleições antecipadas seria um tipo de explicação que a Comissão Europeia teria facilidade em aceitar. Mas uma eventual mudança de Governo também não poderia implicar mudanças no PRR e eventuais atrasos por essa via porque os projetos já estão contratualizados. Um novo Executivo apenas poderia optar por não os realizar e perder as verbas associadas a esse projeto.

Do lado do tradicional quadro comunitário de apoio, o Portugal 2020, a questão não se coloca com tanta premência porque os projetos já estão aprovados, muitos são executados por promotores privados (são eles que têm de colocar a contrapartida nacional) e alegadamente com cabimento orçamental, uma vez que já só faltam dois anos para acabar de executar os quase 26 mil milhões de euros. No Orçamento do Estado para 2022 está previsto que no âmbito do PT2020, Portugal deverá receber 4,2 mil milhões de euros este ano e 5,91 mil milhões no seguinte. O atual quadro apresentava uma taxa de execução de 66%, no final de agosto e de compromisso de 112%. Mas o objetivo é executar 17% do quadro, para conseguir uma taxa acumulada de execução de 88% no final desse ano.

Já no que diz respeito ao Portugal 2030 a questão não é de legalidade mas de legitimidade política. O próximo quadro comunitário também tem verbas inscritas no Orçamento do próximo ano — 106,2 milhões de euros em 2021 e 474 milhões de euros em 2022 –, por via do recebimento do pré-financiamento anual, bem como do reembolso do financiamento de execução prevista, isto porque o Governo parte do princípio que é possível aprovar os programas operacionais ainda em 2021. Se o Governo cair e estiver apenas limitado a funções de gestão tem a legitimidade política para negociar um Acordo de Parceria e definir regulamento e condições de acesso aos fundos ou contratar pessoas para gerir os programas?, questionam os especialistas ouvidos pelo ECO.

O ECO contactou oficialmente o Ministério do Planeamento mas a opção foi não comentar as declarações do Presidente da República. Já o Ministério das Finanças não respondeu até à publicação deste artigo.

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