000 – Licença para desconectar?
Deixemos que, em férias, a nossa fadiga de decisão se prenda com preocupações como: mais ou menos um mergulho, mais ou menos uma página que vamos ler, bola de Berlim ou o gelado, praia ou piscina.
Licença total. Desconectar torna o cérebro mais elástico, adaptável, criativo e funciona como um antídoto para o stress.
Estamos a gerir internamente o período de férias. A equipa sugeriu que eu escrevesse sobre os desafios da liderança neste período e o impacto na gestão das pessoas. Como liderar é servir, então aceitei o desafio, mesmo sendo um tema difícil de refletir para mim, porque, das diversas barreiras que tenho de ultrapassar, desconectar não está no topo. Sou abençoada com uma espécie de botão ON/OFF relativamente fácil de desligar. Ora então, que legitimidade tenho eu para escrever sobre o assunto?
Não sei quantificar. Mas tenho a responsabilidade de aprender e melhorar todos os dias. Ainda sinto maior compromisso, porque “aquilo que dizemos enquanto líderes é metade da equação. Os nossos colaboradores também olham para aquilo que fazemos, por isso, temos de dar o exemplo”, como refere Greg Peters, Diretor de Produto da Netflix. E é aqui que eu tomo consciência que não posso usar o argumento de: olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço.
As férias, as vacaciones, a holiday season, ocupam o topo das nossas ambições do ano. Só prepará-las já é dopamina para os nossos ouvidos. Sim, só de marcarmos as férias, elegermos um destino ou uma experiência, já sentimos adrenalina. A definição formal: “interrupção relativamente longa de trabalho, destinada ao descanso dos trabalhadores” não capta a verdadeira essência do descanso e revitalização que estas nos proporcionam.
Embora sejam bastante desejadas, as férias são precedidas por um momento anti-clímax – a sua preparação! E não falo das malas e afins (que não deixam de ter o seu quê de exigência), mas no estado de ansiedade que se apodera de nós só de pensar e deixar tratado tudo o que é necessário para seguirmos para o ambicionado destino. Parece que o inferno nos toma por assalto, como o preço a pagar para se chegar ao paraíso, que soa a algo como:
– Ah, queres ir para as Maldivas e ficar umas semanas de papo para o ar? Vais, mas antes disso, embrulha pelo menos uma semana de 1001 compromissos e tarefas que tens de dar vazão. Valha-nos a recompensa do merecido descanso.
Por não ter dificuldade em conectar e desconectar nas férias, prefiro que me contactem, se se justificar, poupando uma infinidade de horas a alguém a trabalhar em algo que eu possa resolver em poucos minutos. Rapidamente volto para o que sou fortíssima – dolce far niente (000).
Mas, por eu funcionar dessa forma, tenho de ter a capacidade e empatia de reconhecer que esta facilidade de “liga/desliga” não é transversal a todas as pessoas. Uso então o exemplo de quem sente na pele, o Tim Ferris onde creio que muitos se reveem: “Qualquer problema encontrado na caixa de correio fica no cérebro durante horas ou dias depois de desligar o computador, tornando o tempo livre inútil por causa da preocupação. O pior dos estados de espírito é quando não se consegue nem relaxar, nem ser produtivo.”
Um telefonema, por mais curto que seja, para alguns pode significar um boicote às férias. Então, na dúvida e por defeito, o melhor é não ligar para quem está de férias. E quem está de férias tem de disciplinar-se para não sentir-se invadido por essa cabra da preocupação.
Precisamos de espaço para escapar, de modo a podermos discutir o essencial do trivial. Uma vez que o tempo é escasso temos de usá-lo com o que realmente queremos fazer com ele, e isso não é igual para todos.
Li que Bill Gates tira regularmente uma semana de férias apenas para ler artigos (o seu recorde são 112) e livros, estudar tecnologia e pensar no quadro geral. Wow! Sinto-me invejosa! Mas provavelmente, não é o que todos escolheriam. Um dia, quando for grande vou experimentar, mas ainda não me sinto preparada para usar uma semana só para isso (leia-se, ainda não tenho semanas de férias suficientes para tirar uma só para isso). Até lá, independentemente de poder investir uma hora por dia, uma semana por ano ou cinco minutos diariamente, o importante é arranjarmos espaço nas nossas vidas para podermos escapar, voltar reenergizados e com mais capacidade para inovar e sermos melhores.
Mas a dúvida persiste. Como líderes, temos licença para desconectar? Claro que sim. Devemos permitir que pequenas coisas deem errado na nossa ausência para que grandes coisas aconteçam. Não estarmos presentes permite que outros resolvam situações e inovem. Alguns reclamarão, mas superarão rapidamente e serão surpreendidos positivamente. Erros reparáveis geram confiança e crescimento.
Recordo-me da primeira vez que assumi o comando do escritório durante as férias da liderança. No início, o medo deu o ar da sua graça, seguido da convicção de dar conta do recado. Surgiram novas situações, exigindo soluções que não estava acostumada a lidar. Ao assumir a responsabilidade em nome dos outros, esta cresce exponencialmente! A primeira tentação é perguntar como é que se faz, que rapidamente se dissipa e entende-se que não é o suposto. É uma das melhores e mais rápidas formas de promover o crescimento pessoal e profissional.
Então deixemos que, em férias, a nossa fadiga de decisão se prenda apenas com preocupações como: mais ou menos um mergulho que vamos dar, mais ou menos uma página que vamos ler, dúvida entre a bola de Berlim ou o gelado, entre a praia e a piscina. Aproveitemos generosamente o tempo para nós. Para nos cuidarmos, porque só assim também conseguimos cuidar dos outros.
Citando o nosso CEO, Alejandro Romero – work hard, play hard(er).
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