IA, AI, já estamos todos fartos, não estamos?

  • Vera Carrondo
  • 10 Novembro 2025

É o assunto que todos fingem dominar. No meio de tanto entusiasmo e previsões apocalípticas, corremos o risco de banalizar uma das transformações mais profundas da era digital.

Correndo o risco de receber um rol de críticas e comentários negativos e/ou depreciativos, ainda assim, arrisco-me a escrever sobre esta temática, incontornável, para o bem e para o mal.

Nos últimos meses, parece que não há conversa, reunião ou artigo que não inclua, pelo menos uma vez, as duas letras mágicas: IA — ou, se quisermos ser mais cosmopolitas, AI. De repente, tudo é “inteligente”: e-mails, relatórios, campanhas, diagnósticos, e até escovas de dentes. Se há um problema, a solução é “pôr o ChatGPT a tratar disso”. Se há uma oportunidade, é “lançar algo com IA”. E, claro, se há dúvida, alguém diz “a IA vai mudar tudo”. Talvez esteja mesmo a mudar — mas, convenhamos, também está a cansar.

O cansaço não é com a tecnologia em si, mas com o hype incessante, o ruído, a sensação de que vivemos num permanente “boom” de promessas que se atropelam antes de amadurecer. A Inteligência Artificial tornou-se o novo blockchain, o novo metaverso, a nova buzzword obrigatória. É o assunto que todos fingem dominar, mesmo que poucos realmente compreendam. E, no meio de tanto entusiasmo e previsões apocalípticas, corremos o risco de banalizar uma das transformações mais profundas da era digital.

Há um paradoxo curioso: quanto mais falamos de IA, menos a entendemos. O termo “inteligência” carrega uma aura quase mística, como se estivéssemos a criar um (novo) ser consciente — contudo, na prática, falamos de sistemas estatísticos, de modelos de linguagem treinados para prever padrões. É uma proeza tecnológica admirável, sem dúvida, mas não é magia. E o problema é que o discurso público, inflacionado por marketing e medo, oscila entre dois extremos: por um lado, a utopia da automação perfeita, e por outro, o pânico da substituição humana total.

Entre o fascínio e o cansaço, existe também um problema cultural. Estamos a delegar o pensamento crítico a máquinas que apenas o simulam. Usamos a IA para resumir textos que não lemos, para criar ideias que não tivemos, para escrever mensagens que não sentimos. A produtividade aumenta, mas a autenticidade, essa evapora-se. Tornamo-nos editores daquilo que a máquina cria — e, no decorrer do processo, corremos o risco de perder a noção do que é, afinal, trabalho criativo humano.

Mas há esperança, e talvez até um caminho saudável no meio deste ruído. A IA não precisa de ser uma moda nem um inimigo; pode ser uma ferramenta — poderosa, sim, mas uma entre muitas. Tal como a calculadora não matou a matemática, a IA não precisa de matar a criatividade. Desde que saibamos usá-la com discernimento, propósito e ética. O problema não é o avanço tecnológico, mas a pressa em usá-lo sem reflexão e sem ponderação racional.

E talvez seja esse o verdadeiro cansaço: não é da IA, é do excesso de discurso sobre ela — dos profetas e dos alarmistas, dos “gurus” que vendem milagres e das empresas que colam IA a tudo o que mexe só para parecer modernas e na linha da frente. Precisamos de silêncio, de pausa e de sentido. Precisamos de menos “IA em tudo” e mais “IA com propósito”.

Talvez este seja o momento de normalizar a tecnologia — de deixá-la trabalhar discretamente, em vez de monopolizar o palco. Quando deixarmos de falar tanto sobre IA e passarmos a utilizá-la com naturalidade, talvez possamos finalmente dizer: “sim, a inteligência artificial está cá — e não, já não estamos fartos dela”.

  • Vera Carrondo
  • Head of brand strategy & corporate affairs da VisionWare

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