O futuro das agências de meios na alvorada da inteligência artificial

  • Pedro Loureiro
  • 15 Fevereiro 2024

As máquinas serão asséticas, higiénicas, politicamente corretas em todos os momentos e circunstâncias. É esse cinzentismo que queremos para o setor?

Selecionar, planear, negociar, comprar e gerir espaços de publicidade numa miríade de canais e suportes de comunicação, cada um com as suas características e especificidades próprias, é uma atividade com cada vez mais valor e na qual as agências de meios têm um papel fundamental no apoio aos seus clientes, para que alcancem os seus públicos-alvo da maneira mais eficaz.

À medida que a digitalização e a tecnologia se assumem, transversalmente e sem exceções, como aliados incontornáveis desta atividade (quem não for digital ou tecnológico vai ficar para trás), dou por mim a pensar que a dimensão humana deste negócio ganha relevância crescente. O que pode parecer paradoxal. Mas não é e explico porquê.

É indiscutível que a automação é um aliado vencedor na recolha e análise de dados, dando maior solidez às pesquisas de mercado, melhorando as formas de compra de espaço, otimizando a gestão de campanhas e as métricas e indicadores de desempenho. Mas este negócio não é um negócio meramente transacional, no qual basta carregar num botão para termos a melhor proposta de valor para o planeamento, a compra e gestão de espaços.

Este negócio – digo-o apoiado em mais de 30 anos de vida profissional nesta indústria – é também um negócio de pessoas. E as pessoas – o talento qualificado – continuarão a ser o fator verdadeiramente distintivo desta atividade.

Podemos achar que a tecnologia é o que nos confere vantagem competitiva neste negócio (e não deixa de ser verdade), mas a verdadeira vantagem vai estar crescentemente nas pessoas. É na singularidade de cada um de nós, com as nossas idiossincrasias, com os nossos defeitos e contradições, com as nossas emoções, intuições e convicções, mas também com todas as nossas qualidades, experiências pessoais e percursos de vida que seremos capazes de trazer os elementos distintivos e diferenciadores ao futuro deste negócio.

A criatividade humana é única e original e é crítica (deverá sê-lo sempre) para gerar narrativas envolventes e desenhar experiências memoráveis para os consumidores (que são humanos). São as pessoas – e não as máquinas – que têm a capacidade de entender o contexto cultural, social, económico e emocional de um dado momento. O que funciona, e o que faz sentido, naquela circunstância em concreto? Só as pessoas interpretam o zeitgeist, o espírito do tempo, o clima social complexo das sociedades, dos lugares e dos tempos que habitamos.

São as pessoas – e não as máquinas – que têm relações de confiança e cumplicidade com os clientes. Discutir (no bom sentido) com um cliente, desafiá-lo, provocá-lo, inquietá-lo é próprio de pessoas, não é tarefa de máquinas. E se a inteligência artificial (IA) nos pode ajudar a analisar quantidades massivas de dados, queremos que a sua interpretação esteja exclusivamente ao seu cuidado?

E, por fim, a ética e a responsabilidade. Confiaremos cegamente na máquina e eliminamos o risco e a vertigem das decisões arriscadas e audazes? As máquinas serão asséticas, higiénicas, politicamente corretas em todos os momentos e circunstâncias. É esse cinzentismo que queremos para o setor?

Devem ser as pessoas – e não a IA – o garante da transparência, do respeito (mas nunca do respeitinho!) e da adequação social das campanhas. A IA deve ser um meio para atingir fins neste negócio (como em todos os outros), mas não deve – não pode – ser um fim em si mesma.

Sim, a IA é um aliado poderoso, uma ferramenta que me arrisco a dizer que será mesmo indispensável para o desenvolvimento da nossa atividade enquanto agências de meios, mas na alvorada deste admirável mundo novo da IA a que estamos a assistir é imperativo que saibamos caminhar para um futuro de integração da tecnologia na atividade humana, e não de substituição simples das pessoas pelas máquinas.

Se o fizemos, todos perdemos, mas quem mais perderá – disso não tenho dúvidas – serão mesmo os consumidores, ou seja, todos nós. Aqueles para quem nós – marcas e indústria – trabalhamos. E se trabalhamos para pessoas, devemos valorizar o elemento humano nas nossas organizações. Com a tecnologia como aliada, mas não como protagonista principal.

  • Pedro Loureiro
  • CEO e founder da Media Gate

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