“O jornalismo está uma miséria”
E aqui estamos, em 2023, depois de uma pandemia em que nos agarrámos ao jornalismo como se a nossa vida dependesse dele. Mas, ainda assim, continuámos sem perceber que esse valor não é adquirido.
Captei a vossa atenção? Perfeito. Então vamos a isto: a frase não é minha, mas ouve-se repetidamente por este país fora. Por muitos, os mesmos que seguramente não dão um euro para que o jornalismo melhore. Os que se contentam com o Telejornal às 20h00, para quem os alertas com títulos de notícias bastam, que recebem e partilham, orgulhosos, os pdf’s de todos os jornais diariamente no seu Whatsapp. É com toda esta autoridade que concluem “o jornalismo está uma miséria”.
Esta partilha sobre o meu “estudo não científico” sobre o consumo de informação em Portugal, surge a propósito do fim da edição em papel do AutoSport, ao fim de 45 anos. E há neste tema pelo menos três eixos que valem a pena refletirmos: desde logo a valorização do jornalismo e a sua importância para a democracia, os modelos de financiamento do jornalismo e o longo cortejo fúnebre do jornalismo em papel.
Se me permitem vou saltar o tema dos modelos de financiamento porque daria um artigo. O que me interessa hoje é o cortejo fúnebre ao jornalismo em papel, como se vivêssemos numa aldeia de octogenários em que o desaparecimento de mais um membro é aceite com um encolher de ombros. É verdade, saltei o financiamento, mas não a questão da valorização do jornalismo, porque parte do problema reside aqui. É essencial que o consumidor (bem sei que é leitor, mas estamos a falar de produtos de informação) entenda o que paga, a diferença que tem do produto digital e o que lhe acrescenta, do ponto de vista informativo, mas não só. Quem desfila o saco do Expresso transporta uma mensagem sobre si, tal como quem folheia o Ípsilon, do Público, numa esplanada do Chiado.
Chamem-me romântico ou míope, atirem-me com estatísticas internacionais ou com títulos históricos que sucumbiram à crueldade dos dias, que a maior parte assume como simples migração para o digital. Mas o jornalismo digital não é concorrente do jornalismo em papel. É verdade que a conveniência, o imediatismo e até a maior facilidade de fintar o pagamento não ajuda, mas é sobretudo a perceção de que podemos ter o que precisamos nas “fontes gratuitas” que vão minando o valor do jornalismo e parte desse valor também está no seu simbolismo e nas rotinas.
E aqui estamos, em 2023, depois de uma pandemia em que nos agarrámos ao jornalismo como se a nossa vida dependesse dele, fosse para sabermos a contagem de casos diários, ou a evolução da vacina que nos devolveu a liberdade. Mas, ainda assim, continuámos sem perceber (ou assobiámos para o lado?) que esse valor não é adquirido se não pagarmos por ele, sobretudo com novos “vírus” a ganharem força, como a utilização das fake news pelos movimentos de extrema direita e a ameaça da inteligência artificial usada para fins menos nobres.
Talvez seja eu o exagerado. Talvez o problema não seja assim tão grave. Talvez seja apenas a lei do mercado a fazer sucumbir os projetos editoriais sem uma essencial estrutura empresarial. Mas talvez seja mais do que isso. Um sinal de alerta que devia mobilizar, com ações coordenadas, toda a indústria da comunicação social, mas também o poder político. Isto não é um problema do AutoSport, dos anteriores ou dos próximos. É um problema de preservação da liberdade (já avisava Thomas Jefferson), de educação, mas também de marketing e comunicação. Combate-se com estruturação da oferta, investimento público e privado em estratégias de valorização e consciencialização da importância do jornalismo e com campanhas de comunicação, orientadas para atuais, mas sobretudo para os futuros consumidores de jornalismo.
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