Ódio Pop

  • Duarte Vilaça
  • 6 Novembro 2023

O grande desafio é a criação de uma agenda de comunicação global para a Tolerância, igualmente eficaz, cujos conteúdos e efeitos rivalizem com a realidade acima descrita, atenuando os seus efeitos.

No dia seguinte ao atentado de Bruxelas, que resultou na morte de dois adeptos da seleção sueca, circulou um vídeo, através do Whatsapp, onde era possível ver a concentração de dezenas de pessoas de origem árabe nas ruas de Lisboa. A mensagem era difundida sem qualquer contexto, mas com uma intenção clara: sugerir que o sucedido na Bélgica podia estar para breve, em Portugal.

A comunicação na Era do Ódio é contundentemente resumida pelo ex-governador do Estado da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, no vídeo de 12 minutos de reação ao conflito ao ataque do Hamas em Israel. “É mais fácil odiar do que aprender.“ E é ainda mais fácil concordar com o antigo Mister Universo quando sabemos que vivemos numa sociedade que se alimenta comunicacionalmente de vídeos de 15 segundos e posts de 140 carateres.

O “showttack” do Hamas de 07 de outubro – criteriosamente documentado pelos seus intervenientes – foi transmitido à velocidade da luz por todo o planeta, condicionando imediatamente a agenda pública global. As imagens de horror marcaram e gritaram mais alto do que os debates subsequentes, que reuniram especialistas em Médio Oriente, antigos militares e políticos.

O quadro comunicacional e a cena política estão montados de forma a que este tipo de episódios se repitam, por todo o planeta. O ódio viajará rápido, de forma massiva, explícita e espetacular.

É demasiado ambicioso esperar que cada cidadão se especialize em temas geopolíticos, ainda mais num contexto de pós-verdade, e saiba enquadrar a violência de todas as imagens.

O grande desafio é a criação de uma agenda de comunicação global para a Tolerância, igualmente eficaz, cujos conteúdos e efeitos rivalizem com a realidade acima descrita, atenuando os seus efeitos.

“O que é que o amor significa para ti?” e “O que queres passar aos teus filhos?” são apenas duas de centenas de perguntas que o extraordinário projecto “7 Billion Others”, de Yann Arthus-Bertrand, colocou, a cerca de 6 mil pessoas de 84 países em 2003, revelando traços de inesperado universalismo e convergência por todo o planeta.

Numa escala diferente, Brandon Stanton fotografou e entrevistou no seu “Humans of New York” cerca de 10 mil moradores da Big Apple, um conteúdo assente em imagem e storytelling que gerou mais de 20 milhões de seguidores nas redes sociais. Sublinhando o poder da diversidade num único território.

Muitos outros exemplos como o longínquo Live Aid de Bob Geldof provam-nos que é possível (e absolutamente essencial) “vender” a solidariedade, a empatia e a tolerância em tempos de paz. Ignorar esta necessidade é estar exposto aos impactos imprevisíveis da agenda do ódio e assistir inclusivamente à contaminação da ação de movimentos como o ambientalista, em que adolescentes, pelos motivos certos, optam por iniciativas como a destruição de obras de arte, numa mimetização ausente de criatividade. Duas coisas erradas não fazem uma certa.

Este é, por isso, um dos maiores desafios dos profissionais de comunicação da nossa geração, cujo know-how deveria estar a ser recrutado ativamente por instituições globais como a União Europeia ou as Nações Unidas. E é, sem sombra de dúvidas, o briefing mais importante das nossas vidas.

  • Duarte Vilaça
  • Partner e chief creative officer da Born

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