Quando o copy soa bem demais

  • Joana Garoupa
  • 12 Novembro 2025

A IA escreve sem hesitar, mas também sem pensar. Não tem contexto, nem ironia, nem nervo. E quando o texto deixa de nascer de uma ideia e passa a ser apenas o resultado de um comando, perde intenção.

As máquinas já escrevem melhor do que muitos humanos — e com menos crises existenciais à segunda-feira. Comunicados perfeitinhos, relatórios que cheiram a PowerPoint novo, posts no LinkedIn cheios de “propósito”, “impacto” e “inovação”. Tudo impecável. Só há um detalhe: boa parte desse brilho é sintético. A IA entrou de rompante na indústria da comunicação e está a mudar, sem pedir licença, a forma como as marcas falam, escrevem e se fingem humanas.

Um estudo da Universidade de Stanford mostra que cerca de 17% das comunicações empresariais e institucionais já são escritas ou fortemente assistidas por IA. No caso dos comunicados corporativos, o número sobe para 25%. Um quarto das mensagens que circulam sobre sustentabilidade, cultura organizacional ou transformação digital pode, portanto, ter sido gerado por um modelo de linguagem. Talvez isso explique porque é que todas soam igual: lisas, corretas, mas sem alma.

O caso mais mediático veio da Austrália. A Deloitte foi contratada pelo governo para produzir um relatório de 237 páginas sobre o sistema de proteção social — um trabalho de 440 mil dólares australianos. À primeira vista, tudo profissional. Até que um académico descobriu que o documento incluía citações inventadas e fontes inexistentes. Parte do texto tinha sido escrita com o Azure OpenAI GPT-4o. A consultora corrigiu o relatório, devolveu parte do dinheiro e pediu desculpa. Mas a reputação, essa, ficou abalada.

É aqui que a história começa a ser menos tecnológica e mais humana. O setor da comunicação adora falar de “autenticidade”, mas está a terceirizar a própria voz. O copywriter virou prompt engineer, o planner tornou-se curador de outputs, e o diretor criativo passa o dia a tentar perceber se o texto foi escrito por alguém da equipa… ou pelo ChatGPT. Há eficiência, há velocidade, há produtividade — mas falta aquela centelha imperfeita que faz o discurso ser realmente humano.

A IA escreve sem hesitar, mas também sem pensar. Não tem contexto, nem ironia, nem nervo. E quando o texto deixa de nascer de uma ideia e passa a ser apenas o resultado de um comando, perde intenção. Fica fluente, mas vazio. Parece humano, mas é só estatística bem treinada. O perigo não é a máquina escrever por nós — é nós começarmos a escrever como máquinas.

Ainda assim, há um caminho saudável possível — e até produtivo. Se as empresas e as agências se prepararem bem, podemos ter aqui um casamento profícuo entre criatividade e tecnologia. Tudo começa pela transparência: sempre que um texto for gerado ou assistido por IA, isso deve ser dito. “Parte deste conteúdo foi criada com apoio de IA” não mata a credibilidade — reforça-a. Depois, é preciso auditoria humana obrigatória. Textos produzidos por IA devem ser revistos por profissionais com responsabilidade legal e ética. Se há uma citação errada, alguém tem de responder. Finalmente, urge preservar a voz própria. As marcas precisam de voltar a falar como marcas, não como versões genéricas de si mesmas.

O setor da comunicação precisa de liderar este debate — e não de o seguir. Criar padrões de qualidade e ética no uso da IA não é burocracia, é sobrevivência. Porque o dia em que todas as marcas soarem iguais será o dia em que a nossa profissão deixa de fazer sentido. E, no fim do dia, quando o copy soa bem demais para ser humano… provavelmente é.

  • Joana Garoupa
  • Fundadora Garoupa Inc

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