Rios de chocolate
Quantas pessoas ótimas ficaram pelo caminho. Até em respeito a todas elas, comemore, celebre, beba, coma, engula, devore a vida como se não houvesse amanhã.
Não, não vou falar da Jaguar.
Nem vou perorar sobre os caminhos da publicidade, sobre a fusão de grandes grupos mundiais ou maldizer o uso da IA. Queria apenas falar do mês de dezembro.
Há dezembros mais interessantes do que outros. Por exemplo, o dezembro de 2008 foi marcado pela urgência de esperança trazida pela eleição de Barack Obama. Magnífico na retórica, Obama, como um encantador de serpentes, hipnotizou-nos a todos, fazendo-nos acreditar que o futuro seria melhor e rios seriam de chocolate.
Como constatamos agora que o futuro se tornou passado, a coisa terminou com Donald Trump a ser eleito duas vezes. E o simples facto de sabermos que lá para janeiro de 2025 teremos o planeta governado pelo eterno “Aprendiz” causa-nos até arrepios. Sim, não temos pressa em livrarmo-nos de 2024…
Dezembro é um mês peculiar. Ele obriga-nos a encarar aquele balanço de tudo o que não fizemos nos últimos meses. A dieta que durou até 3 de fevereiro. A inscrição no ginásio feita com tanto entusiasmo, mas que virou apenas um débito automático na conta. Aquele papelinho com uma lista de resoluções que, a esta altura, já está a meio caminho entre o esquecimento e a reciclagem.
Dezembro é um mês indulgente. Não nos pressiona a mudar no imediato, apenas nos lança aquele olhar paternalista, como quem diz: “Vai lá, no próximo ano talvez dê certo.” É o mês que nos permite uma última sobremesa, uma última festa, um último abraço, uma última tentativa de new business. Se der certo, ótimo. Se der errado, coitado do janeiro…
Dezembro é o mês da comunhão, da pausa, da celebração daquilo que passou, mesmo que tenha sido um caos completo. É o mês em que os japoneses, pragmáticos como são, chamam de Shiwasu – “o mês em que até os monges correm”. Porque, claro, precisamos da correria. Dezembro sem correria seria como um Natal sem rabanadas ou “Home Alone” na TV. Existe, mas não serve para nada.
Dezembro é um engano, uma ilusão. A palavra vem do latim “December”, que significava “décimo mês”, mas que hoje ostenta o posto de número 12 no calendário. Talvez seja uma metáfora: dezembro lembra-nos que as coisas nem sempre são o que parecem ser.
Foi em dezembro que Portugal restaurou a sua independência de Espanha, em 1640. Também foram muitos os dezembros em que os romanos celebraram a Saturnália, uma festa tão louca e desmedida que provavelmente seria cancelada nos dias de hoje por excesso de felicidade.
Dezembro tem a capacidade de nos deixar nostálgicos, como quando lembramos aquele Natal de 1997, em que, pela única vez na vida, ganhámos o presente perfeito, ou daquele de 2001, em que o peru ficou cru e foi roubado da mesa pelo cão do vizinho. Dezembro é assim: uma mistura de passado idealizado, presente confuso e futuro incerto.
Se chegou até aqui, dezembro de 2024, parabéns, é sinal de que está vivo. Quantas pessoas ótimas ficaram pelo caminho. Até em respeito a todas elas, comemore, celebre, beba, coma, engula, devore a vida como se não houvesse amanhã. Até porque, um dia, como diria o meu Tio Olavo, não haverá.
Feliz 2025. Os rios de chocolate demoram, mas ainda hão-de chegar.
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