Media

Sindicato dos Jornalistas apela à proteção dos postos de trabalho na dona da Visão

Lusa,

Luís Simões, presidente do sindicato, aponta que a concentração nos media é "muito perigosa”, considerando que a intervenção do poder político nestas situações pode ser uma solução.

O presidente do Sindicato dos Jornalistas considera essencial proteger os 80 postos de trabalho que, atualmente, asseguram todas as publicações do grupo Trust in News (TiN), como a Visão, Caras ou Exame, apelando à intervenção do Estado em momentos de crise.

Em entrevista à agência Lusa, Luís Simões explica que os títulos que constituem o grupo TiN eram assegurados por 140 pessoas das várias áreas, não só jornalistas, “hoje são 80”, por isso é preciso “proteger esses postos de trabalho, dessas 80 pessoas, proteger os títulos e esta memória coletiva, que não pode desaparecer”.

Sobre a decisão do Tribunal da comarca de Lisboa Oeste, o responsável sindical refere que “a culpa não é da juíza que decretou o fim das empresas, a culpa é de quem durante anos geriu de uma forma inacreditável aquelas empresas, que empurrou todos estes órgãos para a situação em questão, que fez com que os trabalhadores de todos estes órgãos tivessem de um ano e meio a esta parte, permanentemente, salários em atraso, subsídios por pagar, condições de trabalho que se foram degradando”.

As mais básicas obrigações de uma entidade patronal não foram nunca respeitadas”, afirmou.

Neste sentido, para o presidente do sindicato, “não é solução o regresso de Luís Delgado”, até porque “ao mesmo tempo que a empresa estava em crise, o gestor Luís Delgado recebeu propostas para vários dos órgãos. Algumas recusou porque entendeu que era pouco dinheiro e a outras nem sequer respondeu”.

No atual contexto, Luís Simões refere que “muito provavelmente o que irá acontecer é dizer-se àqueles trabalhadores que vai ter de ser feita uma liquidação controlada, provavelmente com venda de títulos, se houver comprador”.

Neste sentido, o responsável alerta que “a concentração [no mercado] é muito perigosa”, pelo que a intervenção do poder político nestas situações pode ser uma solução, o que está em causa “é um rombo na pluralidade”. “Não temam a interferência do Estado porque os jornalistas saberão resistir nos momentos em que haverá interferências”, afirmou.

Para o responsável, em causa está a necessidade de preservar a memória do país, mencionando: “a Visão tem sido, ao longo dos anos, uma news magazine fundamental para entendermos a sociedade e o que nos rodeia. A Visão é memória. A Visão mostra-nos a forma como este país evoluiu ao longo dos anos”.

É um momento de a defendermos, de defender os trabalhadores, de defender a Visão e a memória coletiva“, disse o presidente.

Questionado sobre que balanço faz do panorama mediático português no primeiro semestre do ano, Luís Simões afirma que o país “anda de crise em crise”, estando o sindicato “a tentar que o diálogo com as empresas aconteça para não continuar uma coisa que tem sido muito séria, a degradação da condição de trabalho dos jornalistas, que tem sido inacreditável”. “Hoje é muito difícil ser jornalista”, afirmou o presidente do Sindicato dos Jornalistas.

Concentração do mercado e baixo consumo noticioso amplificam desinformação

Luís Simões defende também que a elevada concentração do mercado mediático em Portugal e o baixo consumo noticioso são fatores que contribuem para a amplificação da desinformação.

“O fenómeno da desinformação será muito idêntico em todos os países, centrando-nos na nossa realidade é algo um pouco mais grave. Somos um país pequeno, com pouca gente a consumir informação“, explicou o responsável.

Ao mesmo tempo que vamos perdendo órgãos de comunicação e assistindo a uma enorme e perigosa concentração, a desinformação vai conquistando espaço“, afirmou.

Além disso, os grandes investimentos em desinformação e “investimento zero na informação” podem fazer perder esta batalha, pois, em Portugal, sente-se “uma enorme resistência de todos os governos e de grande parte do poder político, (…) no apoio efetivo e eficaz à informação“, acrescentou.

Neste sentido, Luís Simões, admitiu que a “extrema-direita é a grande responsável por disseminar retóricas que não são verdade“, porque hoje em dia, no jornalismo, “em muitos momentos, é mais importante ser rápido do que ser rigoroso e verificar tudo”.

“Quem tem a responsabilidade de verificar não são os polígrafos”, afirmou o responsável, referindo que para combater a desinformação é preciso ter memória histórica e diversidade nas redações e “não só homens brancos de 50 anos”.

As grandes empresas de comunicação no século XXI têm vivido sempre nos limites. Temos 25 anos deste século e não lembro de não haver palavra crise colada à palavra jornalismo“, refere.

Apesar disso, o líder sindical refere que “provavelmente os grandes meios tiveram condições de responder bem à desinformação nos primeiros tempos, quando tinham redações maiores (…) e não havia a loucura de ter que se dar a notícia no segundo depois do acontecimento”.

“Se há condições para verificar tudo o que escrevemos, provavelmente em alguns momentos não há“, admite o responsável, embora o combate à desinformação tenha vindo a ser feito através de trabalhos jornalísticos de grande qualidade.

Neste contexto, Luís Simões destaca o caso do jornalismo desportivo, em que os jornalistas se afastaram nas suas fontes, fazendo com que a informação chegue através de outras pessoas, como as agências comunicação, “que em muitos casos têm mais gente e condições do que os próprios jornais”, admitindo que este é já um erro generalizado.

Apesar do cenário atual não ser catastrófico, a pandemia foi um momento “que não soubemos capitalizar”, considerou Luís Simões, afirmando que foi um momento em que houve um ‘boom’ de desinformação, mas em que as pessoas perceberam que a informação estava no jornalismo, pois “o jornalismo desmontou muitas das retóricas”.

O presidente do Sindicato dos Jornalistas considerou ainda que a Inteligência Artificial (IA) trouxe desafios para os quais os jornalistas não estavam preparados, pelo que é importante apostar na formação.

Tem havido “zero contacto” com o SJ no desenvolvimento do Amália

O desenvolvimento do chatbot português ‘Amália’ foi outro dos temas abordados na entrevista, com o presidente do sindicato a lamentar que ainda não tenha havido qualquer contacto das universidades responsáveis pelo desenvolvimento do projeto, bem como por parte da tutela governativa.

Luís Simões começa por explicar que, pelo que sabe, o modelo de Inteligência Artificial (IA) português está “na vertente do debate e engenharia”, o que não inviabiliza uma conversa sobre diretos de autor da informação utilizada para treinar a ferramenta de IA.

O Amália vai servir-se de informação produzida por jornalistas, na sua maioria, e é bom que assim seja, para a informação ser verificada”, por isso, “era muito interessante pensarmos que há direitos de autor e conexos que devem ser preservados”, explica.

Neste sentido, o presidente do sindicato diz ter havido “zero contacto” entre as universidades envolvidas no projeto, bem como por parte do ministro da Presidência, António Leitão Amaro, que detém no seu ministério a pasta da comunicação social.

Assim, para o responsável, este “é um bom momento de se pagar aos jornalistas pelo trabalho que fazem, que é informar“, ao mesmo tempo que se questiona se o Estado estará a preparar uma forma de salvaguardar o pagamento dos direitos de autor, quando determinada informação é usada para treinar o chatbot.

O que tem vindo a acontecer há muito tempo é que as empresas e os jornalistas produzem informação e toda a gente vai buscar. Utiliza-se essa informação ganhando dinheiro com a publicidade (…) e não acontece nada porque ninguém paga por essa informação produzida por outro”, explica.

Assim, para o responsável sindical este é o momento para as empresas, jornalistas e sindicatos discutirem uma forma de contornar este fenómeno, nomeadamente com o modelo de IA português.

Em matéria de IA no jornalismo, Luís Simões diz que o sindicato apresentou várias propostas para o livro branco de IA no jornalismo, medida presente no “Plano de Ação para a Comunicação Social”, apresentado pelo anterior governo, medidas essas que não avançaram por falta de tempo.

“Não houve tempo para trabalharmos muitas outras [medidas] que apresentámos e eu achei que este trabalho podia ter desenvolvimento e lamento hoje dizer que as eleições já foram há algum tempo, o sindicato tem pedido uma audiência com o ministro Leitão Amaro e ainda não tivemos resposta (…) não sei se isso quer dizer que o diálogo que mantivemos antes acabou”, concluiu.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.