Com a preocupação diária de que as marcas do grupo Aveleda continuem a ser saudáveis, Ana Sampaio, na primeira pessoa
Com raízes em Sanfins do Douro, Ana Sampaio encontrou no vinho a ligação natural que viria a moldar a sua carreira em marketing, que já se estende por duas décadas. Adora teatro e romances históricos.
A liderar há quase oito anos o marketing da Aveleda — dona de vinhos como Casal Garcia, Adega Velha ou Villa Alvor — Ana Sampaio tem como preocupação diária assegurar que as marcas do grupo “continuem a ser saudáveis, em relação a todas as métricas”, como notoriedade, visibilidade ou conversão.
“É este o meu dia-a-dia, monitorizar a performance das marcas nos diferentes parâmetros e tomar as medidas corretivas quando alguma coisa está a sair da trajetória que tínhamos definido. Cuidar das marcas, sem dúvida nenhuma, é a minha missão“, diz a diretora de marketing em conversa com o +M.
A grande diversidade de marcas do grupo é também ela um “desafio grande” para Ana Sampaio, que tem de ter uma perspetiva global sobre todas as marcas. Mas este é na mesma um “desafio muito bom”. “Gosto muito de estar a pensar em Casal Garcia, em grande consumo e ativações de milhares pessoas, e no minuto a seguir estar a pensar em Quinta Vale D. Maria, em luxo, e como conseguir chegar a esse consumidor. É esse nível de elasticidade que é exigido e que é um grande e bom desafio“, aponta.
Mas cada uma das marcas tem também os seus desafios específicos. Embora seja mais conhecido e esteja presente em vários mercados, também Casal Garcia, marca bandeira do grupo, enfrenta “muitos desafios diários, nomeadamente de continuar a estar presente na mente do consumidor, de ser a sua marca preferida e de estar constantemente a inovar para conseguir recrutar novos consumidores e rejuvenescer a sua base”, exemplifica a responsável.
“Não é o facto de uma marca ter uma posição forte e estar consolidada que torna a questão mais fácil. Pelo contrário, ainda se torna mais difícil porque o nível de responsabilidade é maior“, acrescenta.
Mas também as marcas mais pequenas têm “desafios enormes”, associados à sua ambição de crescer, sendo que o crescimento em marcas de posicionamento premium “é mais complexo”, por contar com uma base de consumidores menor, uma linguagem diferente e um nível de desenvolvimento emocional distinto, entende Ana Sampaio, que lidera uma equipa composta por outras 14 pessoas (entre gestores de marca, digital, relações públicas e um designer gráfico) e que conta com o apoio criativo d’O Escritório (para a marca Casal Garcia), e com as agências Media Tailors (assessoria), Wise Pirates (digital), Mush (gestão de redes sociais) e Initiative (planeamento de meios).
A marca institucional (Aveleda) é também ela trabalhada, muito pelo lado da sustentabilidade, com a marca a apostar na redução das emissões de dióxido de carbono e com a passagem de 96% das garrafas usadas a serem produzidas em vidro leve. Também as caixas de transporte estão a sofrer uma reformulação, para que sejam utilizadas menos cores e uma base de papel reciclado.
O grupo aposta também numa ligação com a comunidade envolvente e, em particular, com os colaboradores e antigos colaboradores, mantendo e disponibilizando de forma gratuita 59 casas para os colaboradores. “É uma medida muito particular e emblemática daquilo que é preocupação da Aveleda relativamente à comunidade onde se insere e às suas pessoas”, diz a diretora de marketing.
Ligada ao mundo dos vinhos desde 2003, ou seja, há mais de duas décadas, Ana Sampaio considera que este é um setor de forma geral “conservador e cada vez mais pulverizado“, sublinhando que a marca mais vendida em Portugal tem uma quota de cerca de 2%.
“Acho que isto dá uma noção do que é este setor. Há muitas marcas, e cada vez mais, porque é um negócio de certa forma identitário, cultural, com uma produção e cultura muito enraizada no nosso país. Não só por heranças de terras e de famílias, mas também por pessoas que têm mudado de vida e que encaram o vinho como um produto interessante. Temos de tudo e, por isso, acaba por ser um mercado pulverizado e torna-se difícil, em termos de competitividade, conseguir ter uma diferenciação“, diz.
Já em termos de comunicação, o setor “anda muito à volta da promoção”, algo que acontece “cada vez mais”, numa ação liderada pelas próprias cadeias de distribuição que “têm estimulado essa forma de chegar ao consumidor final”, com índices de promoção bastante elevados, com vinhos com 50% ou 60% de desconto, entende Ana Sampaio.
“Sendo este um mercado muito pulverizado, a necessidade de sobrevivência leva a indústria para formas de diferenciação que podem não ser as melhores, porque acabamos por estar a depreciar valor. Vendem-se vinhos muito baratos“, defende.
No que diz respeito a publicidade e outras formas de comunicação em concreto, Ana Sampaio diz não ter assistido a “grandes oscilações” ao longo dos últimos anos. Segundo a diretora de marketing de 48 anos, as marcas que já antes faziam investimentos em publicidade ou ativação de marca são as que continuam a fazê-lo atualmente.
“Pode haver uma ou outra chamada de atenção para um player novo, mas normalmente não é consistente. Diria que, de forma consistente, ao longo do tempo, vemos as mesmas marcas a terem uma perspetiva mais estratégica da sua construção de marca a longo prazo“, diz, acrescentando que as grandes marcas do setor dos vinhos “estão no mercado há muitos anos” e, por isso, “desenvolvem toda a sua estratégia de forma consistente e numa perspetiva de longo prazo”.
Em relação ao início do seu percurso, depois de fazer uma licenciatura em Economia pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), a qual terminou nos Estados Unidos ao abrigo de um programa internacional, Ana Sampaio fez também um MBA em Food Industry & Agribusiness na Universidade de Arizona, naquela que foi uma experiência “bastante enriquecedora”, desde logo por “ter aberto uma perspetiva internacional muito forte”.
Durante a licenciatura não teve nenhuma cadeira de marketing, pelo que o contacto com o marketing só surgiu durante a sua estadia nos EUA, despertando-lhe um entusiasmo e curiosidade relativamente a essa disciplina. Durante o seu MBA, acabou por fazer uma tese relacionada com o marketing e os vinhos do Porto.
“Conjuguei as duas coisas, na prática, em termos de conhecimento da indústria dos vinhos e de aprofundamento daquilo que é o marketing. Esta foi uma primeira abordagem mais académica do marketing, mas que me mostrou que era esse o caminho que queria seguir”, diz Ana Sampaio, que mais tarde chegou também a fazer uma pós-graduação em Marketing, pela Universidade de Lisboa.
Começou depois a desenhar o seu percurso profissional na UPPartner, onde trabalhou durante cerca de um ano em ativações de marca, experiências de consumidor e ativações em ponto de venda. “Foi um período curto mas muito intenso em termos de aprendizagem e acho que foi muito interessante ter começado por aí porque tive uma perspetiva 360º do que é trabalhar marcas, não na componente estratégica, mas na competência operacional e de ativação”, diz, recordando que trabalhou várias marcas como a Optimus (atual Nos), Super Bock ou Gillette.
Já com esse lado operacional “muito desenvolvido”, sentiu falta da parte mais relacionada com a estratégia, uma vez que na agência só trabalhava a “reta final”, que é a operacionalização. Nessa perspetiva, de não ter a possibilidade de entrar na parte das estratégias das marcas, procurou “outros caminhos dentro do marketing”, tendo começado a trabalhar no setor dos vinhos, na Caves Velhas, empresa que na altura pertencia à Central de Cervejas.
A empresa foi depois adquirida e, na sequência de mais aquisições, surgiu o grupo Enoport Group, onde Ana Sampaio trabalhou durante cerca de 14 anos, primeiro como marketing manager e, mais tarde, como marketing director. “Foi a minha experiência profissional mais longa e muito alicerçada naquilo que eu queria efetivamente fazer, com a construção de marcas de A a Z, com ativações também muito variadas, com muito contacto com mercados internacionais”, relembra.
Foi aí, e a viver em Lisboa (onde constituiu família), que consolidou o seu conhecimento de marketing e vinhos. A mudança para a Aveleda, em Penafiel, foi portanto “um bocadinho inusitada”, sendo que a primeira reação foi de dúvida, desde logo pela mudança geográfica. “Mas também encarei a mudança como uma aproximação às origens”, diz.
É que Ana Sampaio é de origem duriense, tendo vivido os seus primeiros 18 anos em Sanfins do Douro, no concelho de Alijó, o que considera que também esteve na génese da sua ligação aos vinhos. Isto porque os pais tinham vinhas e grande parte da população encontrava no vinho o seu meio de subsistência, fosse em propriedades próprias ou a trabalhar para terceiros, existindo inclusive uma adega cooperativa, onde o seu pai trabalhava.
“Toda essa envolvência relacionada com os vinhos é algo que está muito presente no meu ADN e que acabou por moldar o meu recurso profissional, sem eu ter definido isso deliberadamente. Foi algo que acabou por acontecer. Não é um acaso completo, mas não foi consciente do meu lado“, diz.
Olhando para trás, vê que aqueles tempos foram “ótimos”, tendo vivido uma infância “muito livre, muito próxima dos amigos, num sítio com poucos habitantes, onde toda a gente se conhece e há um sentido de comunidade muito forte”. “Tenho muito boas memórias e sempre que estou lá, sinto mesmo que sou dali porque, efetivamente, foi muito feliz o tempo que vivi lá“, recorda.
Ana Sampaio tem assim uma grande “ligação afetiva” com aquela localidade localizada no coração do Douro, onde regressa com regularidade. Nesta senda de manter a ligação à sua terra, foi convidada para integrar uma lista de candidatura à Assembleia Municipal de Alijó, desafio que logo aceitou.
A viver no Porto há cerca de três anos com o marido e os dois filhos, um rapaz e uma rapariga, de 12 anos e 11 anos, Ana Sampaio continua, no entanto, a ter “uma base” em Lisboa, para onde vai nas férias escolares para que os filhos possam manter contacto com os amigos que fizeram na capital.
A área cultural, principalmente o teatro e a música, é uma paixão, pelo que sempre foi regularmente assistir a peças de teatro e a concertos, algo que, no entanto, “fazia muito mais quando não tinha filhos”, diz entre risos.
Esse gosto pelo teatro vem também da sua infância, uma vez que o pai fundou um grupo de teatro amador em Sanfins do Douro. “Também tive muita ligação, na minha infância, com o teatro. Cheguei a participar em várias peças de teatro, a fazer de criança, com o meu pai. E tive o privilégio de poder assistir a grandes obras de teatro levadas a cena por este grupo. Acho que também foi uma coisa que se moldou e que hoje em dia se mantém”, diz. Ana Sampaio considera aliás que foi do seu pai — que também foi presidente da Junta de Freguesia de Sanfins do Douro durante oito anos –, que herdou a “vontade de querer fazer alguma coisa diferente pela terra que a viu crescer“.
Também gosta muito de ler, especialmente romances históricos O romance histórico “acaba por ser uma dualidade interessante para se aprender mais sobre a História de uma forma menos técnica mas mais agradável”, aponta.
Ana Sampaio em discurso direto
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1. Que campanhas gostava de ter feito/aprovado? Porquê?
A nível nacional todas as recentes da Super Bock, que de forma genial conseguem trazer novidade todos os anos em volta do posicionamento da Amizade, trabalhando de forma exímia os códigos da marca, bem como o desdobramento multiplataforma de forma adaptada ao meio e muito bem alinhada entre todos os meios. A nível internacional, a campanha Beleza Real, da Dove, que marcou de forma audaz uma mudança nos códigos de comunicação tradicionais na categoria da beleza, apresentando-se com modelos de pessoas “normais” e não estereotipadas, sendo disruptiva e mantendo essa consistência ao longo dos anos.
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2. Qual é a decisão mais difícil para um marketeer?
A combinação mais eficaz de meios para atingir os nossos targets, com recursos limitados e num mundo em que lutamos com uma atenção altamente pulverizada.
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3. No (seu) top of mind está sempre?
Defender a saúde das marcas que estou a gerir.
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4. O briefing ideal deve…
Ser objetivo, conciso e focado na estratégia da marca: target, posicionamento e objetivos.
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5. E a agência ideal é aquela que…
Trabalha como uma extensão da nossa equipa, preocupa-se em conhecer a fundo as nossas marcas, tem valências fortes de estratégia, monitorização de performance e altas doses de criatividade.
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6. Em publicidade é mais importante jogar pelo seguro ou arriscar?
Arriscar no sentido de ser disruptivo, mas sempre de forma consistente e alinhada com o posicionamento da marca.
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7. O que faria se tivesse um orçamento ilimitado?
Estabeleceria um limite. A existência de recursos limitados potencia a eficiência na sua gestão.
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8. A publicidade em Portugal, numa frase?
Com muita criatividade, mas com algum défice na componente de estratégia.
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9. Construção de marca é?
Antes de mais é ter a estratégia de marca bem definida, depois alinhar as táticas de acordo com essa estratégia e manter a consistência ao longo dos anos, acompanhando permanentemente a sua evolução na mente e comportamento dos consumidores.
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10. Que profissão teria, se não trabalhasse em marketing?
Psicóloga.
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