Da tragédia à resposta: a comunicação do acidente do Elevador da Glória está a ser bem gerida?
O acidente do Elevador da Glória também está a ser uma prova de fogo para a comunicação das entidades e autoridades envolvidas. Especialistas em comunicação avaliam o que foi feito e deixam conselhos.
Perante a dimensão da tragédia, com 16 mortos e 21 feridos, o acidente do Elevador da Glória é também um teste à capacidade de comunicação de crise das autoridades e da Carris, tendo em conta o choque, as vítimas e os pedidos por mais informações da parte dos jornalistas e da opinião pública. O +M ouviu especialistas em comunicação, que avaliam a forma como a comunicação foi gerida, deixando conselhos.
Após o acidente, ao final da tarde desta quarta-feira, a Carris começou por emitir um primeiro comunicado no qual garantiu que “têm sido escrupulosamente cumpridos programas de manutenção mensal, semanal e inspeção diária” do equipamento em causa. A empresa disse ainda que foi realizada a manutenção geral que ocorre a cada quatro anos, enquanto a manutenção intercalar é realizada a cada dois anos — e que foi feita no ano passado.
Este comunicado, no entender de Maria Domingas Carvalhosa, foi “pouco profissional”. Lançar um comunicado a dizer que as regras têm sido cumpridas “é muito pouco quando há mortos, não é por aí que se deve começar“, diz a CEO da Wisdom.
“O que se deve fazer é lamentar as vítimas, dizer que se está abalado e haver uma pronta disponibilização para apoiar em tudo, dizer que já há no terreno pessoas para o apoio nas diversas vertentes, que já se está em contacto com os clientes para averiguar o que é necessário e que já foram dadas instruções para que seja feito um inquérito exaustivo ao que se passou”, defende.
“Sei que foi colocada sobre a Carris uma dúvida enormíssima sobre a responsabilidade no acidente, sobre uma eventual negligência sua ou da entidade externa que tem a seu cargo a manutenção do equipamento, mas isso é mais uma razão que justifica que o [primeiro] comunicado não devia ter sido tão curto e pouco empático“, acrescenta.
A melhor primeira resposta que qualquer organização pode dar num cenário de tragédia como o que assolou o Elevador da Glória, sobretudo quando existem mortes a lamentar, é aquela que coloca o foco nas vítimas e na prestação do apoio necessário, defende José Aguiar, founding partner da agência All Comunicação e docente de Comunicação de Crise e Media Training no ISCSP. “Quando uma intuição, num cenário destes, começa por se desculpar, justificar ou dizer que fez tudo aquilo que era certo, em vez de se focar no apoio às vítimas, de facto não é começar com o pé direito”.
“É o momento de ter empatia e objetividade necessária para saber que aquele é o momento das vítimas. Numa primeira resposta não há muito mais que se possa fazer do que lamentar as vítimas (principalmente sendo mortais), prestar solidariedade e auxílio a todos os feridos e familiares, garantir e apoiar todas as entidades e autoridades públicas que rapidamente ocorreram à tragédia e assegurar e tranquilizar o publico de que a questão vai ser investigada para não voltar a acontecer no futuro”, aponta.
Já Vítor Cunha, CEO da JLM & Associados, entende que a Carris fez “aquilo que é suposto esperar-se” de uma entidade pública, que é “prestar contas”, sublinhando o facto de o presidente da carris, Pedro de Brito Bogas, ter sido “bastante esclarecedor, sem hesitação, sem medo e sem ter tido muito tempo para ter toda a informação”, explicando o que tinha acontecido e garantindo que a manutenção e fiscalização eram feitas. “Numa primeira fase passou essa ideia e tranquilidade”, acrescenta.

Também José Franco, managing partner na agência Corpcom, considera que a Carris “se prestou logo a dar o máximo de informações”, inclusive revelando a empresa responsável pela manutenção do equipamento e referindo que as inspeções tinham sido feitas e que ia ser desencadeada uma investigação. O que fez num primeiro momento, no seu entender, foi “tentar esclarecer a questão mais técnica que os jornalistas mais procuravam“.
Sobre Carlos Moedas, o presidente da Câmara de Lisboa, que se dirigiu rapidamente para o local da tragédia, José Aguiar entende que esse é o procedimento adequado para um presidente de uma autarquia perante uma situação deste tipo. “É o responsável máximo por tudo que se passa na cidade. Não tem a ver com assumir responsabilidade pelo que aconteceu, mas com a resposta que a Câmara tem de dar. Acho que fez muito bem em ir para o terreno“, diz.
Uma vez que se encontrava no mesmo evento e que assistiu “na primeira pessoa” ao momento em que Carlos Moedas recebeu a notícia do descarrilamento (quando ainda não se sabia a dimensão do acidente), José Aguiar deixa ainda uma “palavra de respeito e admiração” à atitude do autarca, que “mesmo sem ter noção da tragédia, a sua preocupação foi saber como poderia ajudar e ser útil”.
“Assisti irem dar a informação ao Carlos Moedas, que prontamente se levantou, foi até ao púlpito e disse que pedia desculpa mas que, tendo em conta a situação, teria de se ausentar e ir para o local verificar o que se estava a passar. Assisti à forma muito pragmática como fez a avaliação da situação, mesmo não sabendo a dimensão da tragédia”, relata.
Maria Domingas Carvalhosa também considera que o presidente da Câmara de Lisboa “esteve bem” ao estar desde o início no local da tragédia, onde “mostrou que estava disponível para o que fosse preciso, acompanhou as equipas no local e mostrou que estava muito sensibilizado com a tragédia, que nos sensibiliza a todos, numa primeira fase, e nos preocupa numa segunda, porque isto é um equipamento publico e é urgente que seja feito um inquérito sério sobre o que se passou”.
“Foi claro que havia uma liderança. Como morador da cidade, senti que a autarquia estava a cumprir com o que devia. Ir ao local era a obrigação de Carlos Moedas, que é quem nos poderá dar esclarecimentos e ser a voz de uma certa tranquilidade. Esteve lá, acompanhou o processo todo, não só passando a ideia mas demonstrando que havia uma liderança, fazendo uma intervenção inicial muito assertiva“, diz, por seu turno, Vítor Cunha.
Na verdade, para o administrador da JLM & Associados, o que é imperativo na comunicação de crise numa situação deste género “é que se perceba que há um caminho, uma liderança e transparência na comunicação”, a qual deve ser dotada de “uma certa regularidade, porque as pessoas não podem ficar no vazio”.
O Governo também “fez o que tinha a fazer, com um comunicado onde lamenta, diz que acompanha e se põe à disposição”, diz Maria Domingas Carvalhosa. O gabinete do primeiro-ministro, em comunicado, avançou que estava a “acompanhar a situação e a resposta das diversas autoridades públicas de emergência médica, unidades de saúde, proteção civil, forças de segurança e transportes, a quem foram transmitidas orientações para prestação de todo o apoio necessário”. O Governo decretou ainda um dia de luto nacional.
Ponto em comum entre os especialistas ouvidos pelo +M é o facto de a oposição política ter “estado à altura”, como refere Vítor Cunha, uma vez que não houve situações de aproveitamento político da tragédia. Também José Aguiar diz que as comunicações dos responsáveis políticos foram “serenas e adequadas” e que “não se procurou gerar aproveitamento político, o que seria lamentável e virar-se-ia contra quem o fizesse“.
“Não vi, até ao momento, os partidos a usarem isto para efeitos de campanha eleitoral, o que me pareceu bastante equilibrado e positivo“, corrobora José Franco que, no entanto, deixa uma nota negativa ao jornalismo televisivo. “Acho que, neste assunto, assistimos a um jornalismo sádico, absolutamente à procura do vídeo, do lado negro e maléfico de uma tragédia destas. O jornalismo tem um papel a desempenhar importante, mas parece-me exagerado que todos os canais de televisão queiram passar sempre mais imagens e repitam continuamente as imagens da tragédia”, diz.
No cômputo geral, e analisando tecnicamente como profissional de comunicação, Vítor Cunha entende não haver “especiais críticas a apontar” à forma como foi gerida a comunicação de crise, considerando que houve uma comunicação “muito transparente e eficaz”. Já do ponto de vista de cidadão e de lisboeta, diz que também sentiu que havia liderança e que as entidades estavam a tomar conta da situação.
Para José Aguiar, a primeira reação das entidades “foi positiva”, uma vez que as mesmas se mostraram disponíveis para prestar esclarecimentos, “mesmo que não o conseguissem fazer logo naquele momento por ainda não haver informação disponível”, e deixa um conselho:
“A minha recomendação para todas as entidades é que se preparem convenientemente para as exigências das perguntas que vão ser feitas pelos jornalistas, porque a opinião pública vai querer respostas. A comunicação com o público deve ser preparada, e se não há respostas, tem de haver pelo menos uma explicação plausível para justificar a inexistência de respostas. A pior coisa que poderá acontecer a qualquer entidade que venha falar sobre este assunto é dizer não saber sem qualquer explicação adicional“, diz.
O founding partner da All Comunicação diz defende ser importante que as instituições públicas estejam capacitadas para dar resposta, também em termos de comunicação, a “cenários de enorme adversidade e complexidade”, como o do acidente desta quarta-feira. “Estamos a falar de momentos em que há uma enorme pressão mediática para saber o que aconteceu, de haver acesso a factos e a verdade é que há um conjunto amplo de instituições que se multiplicam em declarações, o que por vezes pode contribuir para alguma dessintonia e falta de foco na comunicação“, diz.
A prova desta ideia pode ser o facto de o primeiro-ministro ter vindo, já esta quinta-feira, corrigir a informação de que que o balanço oficial das vítimas mortais é de 16 pessoas, ao contrário das 17 que tinham sido indicadas de manhã pela Proteção Civil de Lisboa. “No Instituto de Medicina Legal estão 15 corpos e existe mais um na morgue do Hospital de São José”, confirmou ao ECO, fonte oficial do gabinete do primeiro-ministro. Mas as declarações dos especialistas ao +M são anteriores a essa retificação. Entretanto, a própria Proteção Civil de Lisboa também já corrigiu em comunicado que o número de vítimas mortais é de 16, pedindo desculpa pelo engano.
O foco da comunicação deve agora assentar em reganhar a confiança na utilização deste tipo de equipamentos, pelo que o mais importante agora é que se explique o que vai ser feito após esta tragédia, se vão ser mantidos os equipamentos antigos ou se se vai apostar em novos equipamentos mais evoluídos tecnologicamente, por exemplo, defende José Franco. “É bom que daqui saia um plano de ação para todos os equipamentos e que garantias vão ser dadas de que acidentes destes não voltem a acontecer“, diz.
A tragédia que envolveu o elevador, que é um dos postais de Lisboa e muito popular entre os turistas que visitam a capital portuguesa, contou inclusive com uma ampla cobertura dos jornais internacionais, com a nacionalidade das vítimas a ser um dos ângulos com maior destaque na imprensa estrangeira.
Do outro lado da fronteira, “um dos acidentes mais trágicos registados na capital portuguesa nos últimos anos” foi a manchete do site do El País no final da noite desta quarta-feira, enquanto o francês Le Monde destaca a tragédia de “uma das atrações turísticas da capital de Portugal”. Já do outro lado do Atlântico, o New York Times também fez do acidente do Elevador da Glória a notícia principal do site.
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