“Há pouca partilha sobre como se gere um rebranding”. Diana Pinto, da Nors, na primeira pessoa

Rafael Ascensão,

Poucos profissionais vivem dois rebrandings. Diana Pinto já o fez e defende que por trás disso há gestão, ciência e estratégia, e que se deve partilhar mais o que acontece nos bastidores das marcas.

Depois de já ter estado envolvida em dois rebrandings — “uma fase específica do ciclo de vida de uma marca da qual muitos profissionais não têm a oportunidade de fazer parte” — Diana Pinto, head of marketing, brand and communication da Nors, considera que “há pouca partilha” sobre como se gere um processo destes, que experienciou primeiro na Unilabs Portugal e mais recentemente na Nors.

Uma das coisas que sinto é que há um certo deslumbre dos rebrandings, mas há pouca partilha daquilo que efetivamente se faz e como se faz. Eu gostava — como também obviamente beneficiei de falar sobre isso com outras pessoas, com outras empresas que passaram por processos semelhantes — que isto efetivamente fosse falado com mais frequência“, diz em conversa com o +M.

Ninguém anda aqui a inventar a roda, é um momento claramente crítico daquilo que é a construção de uma marca, e muitas das vezes falamos muito sobre o reposicionamento, sobre o contexto, sobre a arquitetura, mas como é que isto acontece? E como é que isto acontece de forma eficiente? Como é que se gere um projeto destes? Como é que se gerem os recursos? Como é que se faz uma orçamentação de um projeto destes?”, questiona.

Segundo a responsável de comunicação e marca, estas questões de rebranding são por vezes “muito conectadas com as áreas mais fluffy, das histórias”. “E eu gosto muito dessa área, mas há ciência e gestão por trás disto, e é muito esta mensagem que eu também gostava de passar, de que deve haver mais espaço de partilha, para se explicar como é que isto acontece. As aprendizagens que nós trazemos destas jornadas de transformação são, no fundo, informações ou dicas que podemos partilhar a quem está com desafios semelhantes“, acrescenta.

Diana Pinto, que geriu o rebranding da Nors, diz que, olhando para trás, “sem dúvida” mudaria algumas das decisões que tomou, o que reforça a importância “de haver mais partilha, que também torna muito mais eficiente e muito mais ágil aquilo que são projetos de transformação desta dimensão, que não podem ser vistos como projetos da área de comunicação, mas sim da organização como um todo”.

Há dois anos na Nors (antiga Auto Sueco), Diana Pinto chegou à empresa quando esta se encontrava num processo de rebranding, numa fase em que a arquitetura da nova marca já estava definida, pelo que teve como missão “fazer acontecer e implementar a marca nas sete geografias, nos cinco segmentos, planeando e gerindo a implementação da nova marca“.

Apesar de a Nors existir desde 2013, a marca foi lançada com uma dimensão institucional. No entanto, no ano passado, passou de uma arquitetura de ‘house of brands’, que tinha 17 marcas diferentes para uma marca ‘monolítica’ e única em todos os segmentos e geografias onde atua.

“A primeira layer de diferenciação é mesmo esta: somos todos Nors, em qualquer parte do mundo e nos cinco segmentos de negócio – trucks and buses, construction equipment, agro, aftermarket e ventures. E se a marca já existia do ponto de vista corporativo e institucional, este rebranding veio aproximar a marca aos negócios. De alguma forma torna-se uma marca mais de ação, pelo que houve claramente a necessidade de também mudar o tom de voz“, explica a responsável de 35 anos.

Este passou assim a ser “mais confiante — com uma linguagem muito mais direta, clara e assertiva, em contraste àquilo que é uma marca puramente institucional — e mais próximo, com uma linguagem que promove sempre um lado humano, relacional e que aproxima”, sendo exemplo disso o facto de, em termos de linguagem, a marca ter passado a comunicar para a segunda pessoa do singular dentro do grupo.

Quanto a desafios, Diana Pinto diz que um deles passa desde logo por garantir que, tratando-se de uma marca global, a sua implementação e sucesso sejam pensados de forma verdadeiramente global, mas agindo localmente, tendo em conta as especificidades e as particularidades de cada segmento, país, idioma e empresa.

“Por isso é que nunca pode ser um projeto centrado na equipa de comunicação, é um projeto claramente de todos e com o envolvimento de todos. Só com esta articulação entre as necessidades do mercado, dos clientes, dos parceiros, é que efetivamente o projeto tem margem para acontecer e acontecer de forma bem feita”, diz.

Tínhamos noção que estávamos, de alguma forma, a evoluir num contexto em que tínhamos marcas e culturas com mais de 90 anos. O grupo começou há mais de 90 anos, tínhamos marcas e culturas com bastante notoriedade, com muita força, com muito sentimento de pertença, e esse foi o primeiro desafio, gerir a convivência da nossa marca com as marcas dos produtos que nós representamos”.

“Nós estamos aqui num espaço da cadeia de valor em que não fabricamos, entregamos soluções, e essas soluções são em equipamentos, em camiões, autocarros, em peças, mas de marcas específicas de produto. Lançar esta marca única tem de ser numa base de convivência da marca com as marcas de produto, e isso é também um desafio. No momento em que se está a criar regras para a marca, tem de se garantir que esta também cumpre aquilo que são as guidelines das marcas de produto que comercializa e que oferece todos os dias“, diz ainda Diana Pinto sobre um desafio para o qual contou com o apoio das agências Born e Havas.

Embora tivesse sempre estado convencida de que iria ser psicóloga — tanto que nem fez testes psicotécnicos — quando chegou ao 12º ano, Diana Pinto questionou-se quanto a uma possível ida para Ciências da Comunicação. “Gostava muito de comunicação, área que dava uma janela de oportunidade para descobrir e trabalhar mais perto das organizações“, explica Diana Pinto, pelo que acabou por decidir ingressar em Ciências da Comunicação na Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

Durante a licenciatura escolheu a vertente de comunicação empresarial. “Estava certo para mim que não ia ser jornalista e queria claramente este percurso de comunicação empresarial“, diz sobre a licenciatura que terminou em 2011, ano em que a Troika entrou em Portugal. “Foi um excelente timing para entrar no mercado de trabalho”, ironiza.

Acabou por fazer alguns estágios, nomeadamente na área de relações públicas e comunicação no Aquapura Douro Valley (atual Six Senses Douro Valley), uma experiência que considera ter sido muito interessante porque lhe “abriu os horizontes para o foco no cliente, fez sair da realidade académica e ajudou a perceber a importância de conhecer o cliente para proporcionar a melhor experiência possível”.

Passou brevemente pela Metro do Porto e surgiu depois a oportunidade de entrar no mundo das agências, na MA Creative Production Group. Inicialmente teve como papel gerir aquilo que era a comunicação da agência, mas depois começou a trabalhar algumas contas sobretudo do mercado brasileiro, acompanhando alguns projetos criativos de grandes contas no Brasil, como do grupo Ambev.

Esta experiência foi também muito interessante, porque se eu vinha de comunicação, juntar este lado criativo foi super importante, também para perceber aquela dinâmica, a sazonalidade dos festivais, as ativações das marcas… foram cerca de quatro anos, mais com foco no mercado brasileiro, mas também tive a oportunidade de trabalhar outros mercados, até que senti a vontade de estar do lado do cliente”, recorda.

“Quando estamos numa agência é muito interessante mas nós gerimos fases muito específicas destas marcas. E depois também criamos esta ligação a algumas destas marcas e pensamos que era giro ficar do outro lado”, pelo que nessa altura, com 25 anos, decidiu parar e fazer um Interrail, pela Europa.

Foi quando regressou da viagem que começou a procurar novos desafios, altura em que foi para a Unilabs Portugal, integrando a equipa de marketing e comercial, que tinha uma forte componente de comunicação. Após a Unilabs ter crescido “imenso” em Portugal por ter comprado outro grupo, surgiu a oportunidade de Diana Pinto integrar a equipa de marketing, onde teve o seu primeiro contacto com um projeto de rebranding.

Acabou por estar cerca de sete anos na Unilabs, sendo que quando a pandemia assolou o país foi convidada a criar a área de comunicação interna, cultura e engagement, uma vez que “o grupo tinha três mil pessoas na linha de frente com quem era preciso comunicar, incentivar e motivar para aquilo que estava a ser a sua missão no dia a dia”.

Entretanto surgiu o desafio de trabalhar um segundo rebranding, através do convite da Nors. “Há muitos profissionais que trabalham a vida toda e não têm a oportunidade de fazer parte desta fase tão específica do ciclo de vida de uma marca e de repente surge esta segunda oportunidade. Obviamente que apanhei o comboio”, refere.

Foi quando esteve na Unilabs que Diana Pinto sentiu a necessidade de complementar os seus conhecimentos com uma pós-graduação em Marketing, na Porto Business School. “A comunicação estava já no meu ADN, mas era importante complementar com esta vertente marketing, já que era onde eu estava inserida”, refere.

“Na gestão de carreira, muitas das vezes é difícil saber o que é que queremos a seguir, mas a experiência vai-nos dando algumas respostas sobre o que já não queremos repetir. Do ponto de vista dos estudos, eu também queria dar tiros certeiros, sobretudo na perspetiva de acrescentar valor àquilo que eu fazia no dia-a-dia”, diz, justificando o porquê de não ter tirado um mestrado logo a seguir à licenciatura.

Mais tarde tirou também o curso geral de gestão da Católica Business School, para também ganhar princípios de gestão, “essenciais” para aquilo que faz atualmente e que passa por “gerir recursos, quer do ponto de vista de pessoas, quer de budget”. Entretanto vai complementando a sua formação com alguns cursos executivos, naquilo que considera serem “shots de conhecimento” para aquilo que depois são os desafios do dia-a-dia”.

Nascida no coração do Douro, na Régua, “onde a vida tem o ritmo do vinho do porto e a força do rio”, Diana Pinto acabou por ir “desaguar” ao Porto, primeiro como estudante, antes de começar a trilhar o seu caminho profissional.

Cresceu rodeada por uma família “grande, barulhenta, mas sem dúvida cheia de amor” — à qual foi acrescentando amigos — sendo madrinha de cinco crianças, a primeira das quais já vai fazer 18 anos. Este é um papel que a enche de “orgulho e responsabilidade”, tendo até já sido aconselhada a colocá-lo no currículo, pois “ser madrinha de cinco é um voto de competência“, diz, entre risos.

Não se considera “peixe de aquário”, pelo que gosta de “explorar, aprender e contribuir”, envolvendo-se no que considera ser “projetos com propósito” sempre que pode. Atualmente é, por exemplo, voluntária da Nuvem Vitória, associação que lê histórias a crianças nas alas de pediatria dos hospitais, e mentora na associação dNovo, porque acredita que “a transformação é feita por uma pessoa de cada vez, independentemente de se tem um carisma mais social, de formação ou aprendizagem”.

Sempre gostou muito de histórias, que “servem para adormecer crianças e acordar adultos”, sendo que se estas começaram por lhe despertar a curiosidade em criança, hoje não tem dúvidas do seu “poder na comunicação mas também no mundo organizacional”.

Considera-se “naturalmente curiosa”, gostando muito de ler, de ouvir podcasts e de ter conversas “que desafiem”. Diz não ter hobbies muito específicos, procurando a diversidade e o equilíbrio, com a leitura e a escrita a ocuparem um lugar de destaque para “alimentar a mente” e com o pilates e as caminhadas a ajudarem “a conectar com a natureza”.

Numa fase em que, se calhar, o meu dia a dia já é mais gestão do que comunicação, sem dúvida que procuro na escrita essa parte mais criativa e de comunicação. Escrevo sobre coisas completamente aleatórias“, diz, acrescentando que outra coisa que gosta muito de fazer mas que “já pouco se faz” é escrever e enviar postais pelo correio. “É algo que nos permite parar, pensar, escrever e enviar. Não é aquele imediatismo que, ao dia de hoje, esta troca de mensagens tem”, entende.

Além disso, adora fazer viagens por alimentarem a “descoberta do mundo e de outras realidades, que é muito importante para aquilo que fazemos no dia-a-dia”. “Acredito que a vida é uma coleção de pessoas, de aprendizagens, de experiências, e é assim que eu quero continuar a aprender e evoluir com esta mochila às costas, ou com esta bagagem“, conclui.

Diana Pinto em discurso direto

1 – Qual é a decisão mais difícil para um responsável de comunicação?

Não comunicar porque ao decidir fazê-lo estamos, também, a passar uma mensagem.

2 – No (seu) top of mind está sempre?

“Why?”. Começar pelo porquê faz-nos conhecer e entender o cliente, a equipa, os stakeholders.

3 – O briefing ideal deve…

Deixar claro o “as is” (onde estamos) e o “to be” (para onde queremos ir). Com esta informação, as equipas fazem acontecer.

4 – E a agência ideal é aquela que…

De repente, faz parte da equipa e nem damos por isso… significa que chegou, ouviu e integrou o propósito e a missão do projeto.

5 – Em comunicação é mais importante jogar pelo seguro ou arriscar?

Como todos os jogos da vida, há momentos para arriscar e para jogar pelo seguro, porque a comunicação é a expressão do tom de voz da marca e, por isso, respeitar o seu posicionamento é vital para comunicar o que realmente se é e não parecer o que não se é. Sei que pode ser desafiante num mundo feito de mediatismo e alguma reatividade.

6 – Como um profissional de comunicação deve lidar e gerir crises?

Ser ágil e perspicaz no diagnóstico em contrarrelógio, garantir alinhamento e uma resposta coordenada.

7 – O que faria se tivesse um orçamento ilimitado?

Não penso nesse cenário porque gerir sem limites não é um princípio de gestão.

8 – A comunicação em Portugal, numa frase?

É, sem dúvida, um território apetecível, onde todos os stakeholders gostam de estar envolvidos e, por isso, o tema está na agenda. Felizmente começamos a evoluir e a desconstruir a cultura do “achismo” ou das opiniões, com projetos, equipas e áreas onde a “ciência” e os “dados” mostram a eficiência de estratégias integradas de comunicação.

9 – Construção de marca é?

Para uma marca ser vivida externamente tem de ser sentida internamente. O envolvimento das equipas é crucial para o sucesso de uma marca.

10 – Que profissão teria, se não trabalhasse em comunicação?

Psicologia (sempre foi uma área pela qual tive interesse desde muito cedo e é essencial num mundo feito de relações) ou enologia (pela curiosidade – fascina-me todo o processo de criação de um vinho, desde o cultivo, processo de vinificação à narrativa do rótulo… lá está a comunicação).

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